"Dois anos de pastoreio, meu diário pastoral"


"Gostaria, preliminarmente, de agradecer muito ao Senhor pelos dois anos que estou à frente da porção amada do Povo de Deus que se encontra nas cidades de Emas e Catingueira. Esse período já me fez amadurecer bastante na fé e no ministério presbiteral, pois, estou convencido, não são nos bancos acadêmicos do Seminário que aprendemos a ser pastores do rebanho de Cristo e sim no dia-a-dia, no cotidiano das variadas ‘ovelhas’, alegrando-se com os que se alegram e chorando com os que sofrem de alguma dor físico-espiritual. Em Catingueira e em Emas muitos já foram os momentos de embates, tensões, lutas, vitórias e refrigérios que vivenciei e que, com certeza plena, fizeram-me crescer como homem e como sacerdote.
De Catingueira quero, neste instante de memória vivificante, recordar-me dos valores artístico-culturais que aqui encontrei, intra e extra-eclesiais; dos fortes momentos celebrativos e missionários que participamos, foram sempre muito organizados e movimentados; da reunião semanal da liturgia, que mesmo com a objeção dos que amam o ofício do improviso, conseguimos implantar; do terço dos homens que, desde de sua instauração, tão bem já fez em nossa sociedade; da experiência indescritível que quinze casais de nossa comunidade-matriz vivenciaram no Encontro de Casais com Cristo; da implantação, que enche meu coração de orgulho positivo, da Pastoral Familiar e seu incipiente, mas já transformador trabalho sócio-religioso; da aquisição de novos membros para a Pastoral do Dízimo e da Criança; dos esforços generosos de nossos catequistas que se desdobram para evangelizar nossas crianças; da renovação e do empenho dos históricos movimentos, Apostolado da Oração e Legião de Maria; das famílias que tão piedosamente recebam a Imagem da Mãe Rainha, mas que até hoje não me deram a graça de vê-las todas reunidas numa só concentração e nas missas mensais do capital de graças do Dia da Aliança; do interesse dos integrantes do conselho administrativo quando os chamei para compartilharem da responsabilidade com as questões mais cruciais de nossa vida paroquial; dos milagrosos terços da divina misericórdia; das adorações ao Santíssimo Sacramento todas as quintas-feiras, onde sinto um novo pentecostes em minha caminhada; das celebrações singelas, fraternas e profundas nas comunidades rurais do município; das, cada vez maiores, festas do glorioso mártir São Sebastião; dos gestos concretos de caridade e amor profético-solidário ... Gostaria, enfim, de lembrar como achei, inicialmente, muito frio o tratamento do povo catingueirense com o Padre: terminava a Missa, eu ficava esperando as pessoas virem desejar-me a paz de Cristo e nada, ninguém aparecia; passava na rua deseja bom dia e a resposta era amorfa, quase mórbida; deseja um sorriso facial, recebia um rosto triste e desolado. Graças a Deus, essa situação mudou muito, sinto-me amado, acolhido e abraçado. Tenho consciência que muitas ações precisam ser feitas ainda em Catingueira em termos de evangelização, porém três situações concretas atestam-me que uma semente consistente já foi plantada: 1) Na minha primeira Semana Santa aqui, um irmão, que até então só vivia embriagado, Napoleão Brunet, chega até mim e com um cheiro muito forte de bebida alcoólica (acho que tenho um imã para “bêbados”) entrega-me um CD da dupla Bruno e Marrone com um papel de guardanapo na capa, no qual estavam estes escritos: Padre, ‘Coração de menino e seriedade de um homem’- homem de Deus, seja bem vindo; gente, vocês não imaginam como aquilo tocou-me profundamente, especialmente porque veio de um irmão que estava desejando um refúgio e uma solução para sua vida; 2) Quando aconteceu aqui em Catingueira aquela grande chuva que inundou várias casas, onde tive a oportunidade de levar várias famílias desabrigadas e desalojadas para o salão paroquial e lá atender suas necessidades mais básicas por várias semanas, senti-me um verdadeiro Pastor e um cidadão útil para a sociedade; mais do que com retóricas bonitas, contudo vazias, pude aprender na prática como ajudar meus irmãos, foi uma experiência que vou levar para o resto de minha vida; 3) Tinha uma pessoa aqui, Cícera Morais, que quando cheguei estranhei muito seu comportamento, não falava com ninguém, não saia de casa, não vinha à Igreja, não respondia nem às nossas saudações cordiais; eu ficava me perguntando porque aquela mulher era assim, mais tarde descobri que era uma aguda depressão, porém, o mais impactante é que, não sei como nem porque, ela, a quem eu tentava chamar a atenção e de forma alguma ‘dava bolas para mim’, simpatizou com o nosso ministério, começou a sair de casa e ir à missa, saiu da depressão, tornou-se alguém sociável e muito carinhosa; por esse milagre já valeu a pena minha missão nessas terras de São Sebastião. A semente foi lançada, precisamos regá-la para que outros possam colhê-la. Obrigado catingueira!
De Emas anseio recordar-me daquilo que para mim é a sua marca fundamental, a autodeterminação, o engajamento, a criatividade, a praticidade e a competência resolutiva da própria comunidade de fé. Impressiona-me como Emas tem um povo ordeiro, acolhedor, dinâmico e capaz de superar suas próprias adversidades. Acolho, nesses dois anos de pastoreio à frente dessa querida comunidade, todas as manifestações de carinho e amizade que recebo constantemente; assim como acolho com muita humildade os que de início não entenderam minha metodologia missionária, mas que, posteriormente, foram vendo que “ vinho novo não se põe em odres velhos”. Abraço as vezes que essa comunidade foi instrumento da Providência divina no meu itinerário de propagador da Palavra de Cristo, como na ocasião da minha viagem à Roma e à Terra Santa, quando precisando de recursos para realizar a peregrinação, mesmo sem contar essa necessidade para alguém, aquele povo sensível chegou e entregou-me uma quantidade suficiente para, tranqüilamente, fazer a viagem e dela aproveitar toda a sua riqueza espiritual, sem passar por nem um tipo de privação. De Emas quero fazer memória de como as pessoas conseguem envolver-se de maneira rápida, espontânea e profunda nos momentos orantes e celebrativos; da reativação dos belíssimos e organizados trabalhos da Infância Missionária (aqui faço uma deferência toda especial a esse movimento, sou muito grato a Deus por ter me dado a chance de retomar essa pedagogia de “criança evangelizando criança”); do grandioso Terço dos Homens, que de quatorze participantes quando começamos a freqüentar chegamos a um patamar invejável de duzentos homens ativos na Escola de Nossa Senhora; dos testemunhos bonitos e emocionantes que escutei nas celebrações dos setores missionários; dos casais, que, pela primeira vez na história emense, vivenciaram o ECC; do movimento de Nossa Senhora Rosa Mística com quem procuramos ter uma maior aproximação e comunhão; do reavivamento da Pastoral do Dízimo; de alguns momentos emblemáticos com a Pastoral da Criança, entre eles a comemoração da entrega do certificado para os irmãos contemplados com a graça da cisterna rural; da extraordinária Rádio Jovem Kennedy, a quem tributo um afeto especial pela parceria e gratuidade na Obra da Evangelização; das visitas casa a casa, porta a porta, que continuamente fazemos no município; da espetacular reciclagem e reforma da casa paroquial, com recursos emanados da própria comunidade; das semanas missionárias tão bem desenvolvidas e com tantos frutos palpáveis; dos diálogos frutuosos e de correção fraterna que tivemos com a Renovação Carismática Católica; do ungido e santo retiro de carnaval da RCC que tivemos a ousadia de abraçar como um evento de toda a comunidade fé; das famílias que me recebem com tanto respeito e amor que fico impressionado, “não mereço, mas agradeço”; do jeito natural, livre e desburocratizado de seu povo viver a fé; do puxão de orelha que uma vez tive que fazer de modo público em toda a liturgia, isso porque verdadeiramente desejo o bem dessa comunidade tão especial, sempre que precisar o farei sem peso de consciência; de Aninha, uma sacristã diferente de tudo quanto já vi e presenciei, realmente uma pessoa ‘sui generis’; de Bel, uma corinha excêntrica e amável, isso quando não chama palavrão; da crescente e apaixonante festa de Santa Terezinha do Menino Jesus, conseguimos quase triplicar o tamanho e a proporção da Festa; enfim, muito obrigado Emas por tanto aconchego, consolo e admiração; lembre-se sempre que um desejo antigo e tão alimentado pode converter-se num Dia de um crepúsculo alvissareiro para essa cidade de fé. Gratidões...
Tendo afirmado tudo isso, só resta-me louvar e bendizer o Senhor que opera maravilhas em meu favor. Tenho uma clara consciência que, o que faço de equivocado a mim pertence exclusivamente, o que faço de certo à misericórdia de Deus devo atribuir o grande mérito da ação. Não fui eu quem fez muitos afastados voltarem à Igreja, inclusive muitos irmãos que estavam separados na fé, foi Deus que agiu por nós e por todas as forças vivas da Paróquia. “Aquilo que sou, devo à graça de Deus; e sua graça dada a mim não foi estéril” (1 Cor 15,10). Senhor, a ti toda honra, poder e glória por ter concedido-me a bênção de começar meu ministério numa Paróquia que tem um Santo Padroeiro valente e corajoso, uma protetora que exala o perfume de Jesus e um povo batalhador e destemido. Sou um felizardo, só posso proclamar sobre os telhados: realmente, “a própria bondade e benevolência estão no meu encalço todos os dias da minha vida” (Sl 23,6)!

Padre Fabrício Dias Tímoteo
Administrador Paroquial"

Fonte: Catingueira Online