A imagem mais impressionante, entre tantas, da tragédia de início de ano no Rio de Janeiro foi a de uma mulher sendo resgatada com a corda puxada pelos vizinhos do alto de um prédio de vários andares. Dona Ilair estava dentro de um pedaço de casa que estava sendo arrastado pelas águas furiosas e implacáveis. Nos braços, um cachorro que não a largava, e ela não largava o cachorro. Para não morrer, ela larga o cachorro, enquanto os vizinhos a puxam para cima do prédio. Em cenas dramáticas, dona Ilair foi salva, sob aplauso geral.
No caso do Rio, ficou clara a necessidade de ações e prevenção para não deixar que populações fiquem submetidas à chuva e às suas conseqüências. Também é fundamental ter mais agilidade na ação coordenada dos agentes e órgãos públicos, para ao menos diminuir o sofrimento de quem é atingido. A presidenta Dilma, que visitou os locais e a população, determinou um conjunto de providências que, seguramente, ao longo do tempo, com o apoio do governo estadual e governos municipais, vão mostrar resultados.
Luís Fernando Veríssimo, em mais uma de suas magistrais crônicas (A Doutrina do Choque, O Globo, 23.01.11), escreveu: "Quanto à tragédia nas cidades serranas, o ‘novo começo’ pressupõe novo rigor nas licenças para construção e uma ocupação mais racional da terra. Quer dizer: nada que diga respeito ao pobre obrigado a erguer seu barraco num barranco deslizante por absoluta falta de alternativas”.
As tragédias se sucedem e quem normalmente mais sofre são os pobres e os trabalhadores. O poder público historicamente pouco ou nada tem se preocupado com políticas de habitação popular e de saneamento básico. Com as mudanças climáticas, vêm as tempestades, vêm os tornados, a chuva e a água incontroláveis. É a vingança da natureza, que é agredida, de quem não se respeita o curso natural: cortam-se árvores sem critérios, ocupam-se morros sem cuidado, endireitam-se as curvas de córregos e rios e tira-se sua beleza, envenenam-se águas. O homem aproveita-se da natureza, serve-se dela como se apenas fosse propriedade sua, como se apenas fonte de lucro, sem conviver com suas regras, seus fluxos.
Por outro lado, Dona Ilair agarrou-se à vida e sobreviveu graças à solidariedade. Os brasileiros sempre se agarram à vida, como talvez nenhum outro povo ou outra gente. São, sobretudo, teimosos, ou cheios de esperança. Sobrou-lhes, histórica e secularmente, ‘agarrar-se à vida’. Se não tinham emprego, a renda era péssima, as condições de vida precárias, pelo menos a vida era sua e dela não abria mão em nenhuma circunstância.
Há um novo tempo em perspectiva, onde há mais respeito pelas pessoas e seus direitos, onde se convive com o meio ambiente porque ele faz parte do bem viver, onde há uma unidade dos seres e do planeta terra. Caso contrário, as águas vão descer os morros, as árvores vão cair sobre casas e carros, seres humanos feitos para viver vão perder estupidamente a vida. Ainda é tempo de repensar relações, valores e modelos de sociedade.
O que mais me marcou no episódio do Rio foi o gesto de dona Ilair agarrar-se à vida. Nunca devemos desesperar e achar que as coisas são impossíveis. Ela deu esta lição. Quem se agarra à vida é mais que sobrevivente. É um ser humano que acredita em si e nos outros. Acreditou que tinha força nos braços para se segurar na corda oferecida (e ainda acreditou que podia carregar junto o cachorro, e o levou até onde pôde). Acreditou que os vizinhos não iam largá-la nas águas enfurecidas. Quem acredita, vence e vive. Vale a pena viver!
Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
Em vinte e oito de janeiro de dois mil e onze.
Fonte: Adital