Quarta-feira, meia noite e meia. Silêncio na casa. Atônito, assisto ao trabalho de içamento dos mineradores chilenos. A expectativa no local é imensa. As imagens do resgate comovem o mundo. O clima é de esperança, apesar de tudo. Passados alguns minutos, a voz emocionada do repórter anuncia a chegada do primeiro mineiro à superfície. É Florencio Avalos, de 31 anos. Aplausos. Os familiares correm para abraçá-lo. O filho chora ao ver o pai ileso. Choro com ele. Felizmente, chega ao fim o drama dos mineradores chilenos, na mina de San Jose, no deserto do Atacama. Mas há algo que não foi dito na cobertura jornalística do resgate; ficou apenas nas entrelinhas: tão deplorável quanto a morte por soterramento é a morte causada pela pobreza e a marginalização.
Vale lembrar que, no Chile, a mineração ocupa lugar de destaque na economia nacional, movimentando centenas de milhões de dólares por ano. O país possui as maiores reservas de cobre do mundo, a terça parte do total até hoje conhecido. Mas essa opulência não se traduz em benesses para os operários que, diariamente, arriscam a vida no trabalho insalubre e perigoso de escavação de túneis e extração de riquezas no interior da terra. Estima-se que, por ano, dezenas de milhares de mineradores morrem em desastres como o de Capiapó, no Chile. A China é o país com o maior número de acidentes em minas: apenas em 2006, foram 7.500 mortes. No Chile, nos últimos dez anos, 403 mineradores perderam a vida em desastres nas minas do país, e em 2010 esse número já chega a 31. Além da falta de segurança no ambiente de trabalho, os mineradores chilenos enfrentam outro tipo de dificuldade: seus salários estão entre os mais baixos do mundo. No livro “Veias Abertas da América Latina”, o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano afirma: “Em geral, os mineiros chilenos vivem em quartos estreitos e sórdidos, separados de suas famílias, que moram em casebres miseráveis nos subúrbios; separados também, é claro, do pessoal estrangeiro, que nas minas vivem num universo à parte, minúsculos estados dentro do Estado, onde se fala inglês e até se editam jornais para seu uso exclusivo”. Inaugurada em 1989, a mina de ouro e cobre em Capiapó, onde os 33 mineradores ficaram soterrados a 700 metros da superfície, foi bastante seletiva: engoliu apenas as vítimas do modelo econômico hegemônico em voga no mundo: os operários. É evidente que à mídia internacional, ávida por entretenimento e grandes picos de audiência em sua grade de programação, não interessa remexer nesse “detalhe” (inconveniente) da história – é preferível mostrar apenas o lado grandioso da operação de salvamento. A propósito, uma rede de televisão dos EUA já anunciou que prepara um reality show com mineradores numa mina de carvão. Uma empresa chilena criou um game inspirado no resgate dos 33 mineradores e um filme levará em breve o drama dos sobreviventes chilenos para a televisão.
De qualquer forma, não se pode deixar de enaltecer a valentia e o senso de solidariedade de todos quantos se empenharam no trabalho de resgate dos 33 chilenos, no deserto do Atacama. Um a um, eles foram, literalmente, içados de volta à vida. Resta esperar que agora todos eles sejam salvos da pobreza. O governo chileno prometeu ajudá-los no processo de recolocação profissional e estuda aprovar uma pensão vitalícia para eles. Para o restante do mundo, fica a torcida para que o intelecto humano um dia consiga construir uma cápsula capaz de alçar os pobres do fosso profundo da marginalização onde se encontram. Seria pedir demais?