Entrevista publicada na edição nº 410, setembro de 2010
A maioria das pessoas diz não gostar de política. Ela é considerada sinônimo de falcatrua, corrupção e barganha de interesses privados.
Como se formou esta opinião sobre a política? Será ela verdadeira? Quais as consequências desta visão? Será que podemos mudar isso? O processo eleitoral em curso pode contribuir com a mudança?
Pedro Ribeiro de Oliveira,
Mundo Jovem: Em que contexto se realizam as eleições de 2010?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Temos que distinguir eleições e política. A eleição é apenas um elemento do processo político. É uma parte importante em que escolhemos entre os candidatos que os partidos já escolheram na convenção. Veja as eleições para a Presidência da República: para a continuidade do atual governo (Lula), o ideal é uma eleição de tipo plebiscitário, ou seja, que defina se o povo prefere que o governo continue com o PT ou volte aos tucanos (PSDB). Se outros candidatos decolarem, em lugar de eleição plebiscitária teríamos um verdadeiro debate político sobre os rumos do Brasil.
Sentimos, hoje, a busca dos setores dominantes de fazer uma eleição plebiscitária, porque para eles Dilma ou Serra significa mais ou menos a mesma coisa: não se mexe no agronegócio, nos bancos, na dívida pública, não se mexe na política econômica. Para o povão, o que faz um pouquinho de diferença são as políticas sociais. Para a democracia, seria bom que houvesse mais candidatos fortes. Teríamos então uma eleição politizada, o debate político nacional seria mais politizado.
Mundo Jovem: O contexto econômico e político mundial interfere nas eleições?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Falando da conjuntura política, não mais da eleitoral, podemos dizer que estamos vivendo um momento muito difícil. Estamos numa crise sistêmica do capitalismo. A hegemonia americana vai terminar e passaremos para outra. Pressupondo que o capitalismo possa continuar, seria a hegemonia chinesa? Tudo indica que o sistema capitalista produtivista e consumista, que está consumindo todos os recursos naturais do planeta, não vai poder continuar.
Teremos uma crise ecológica grave: estamos caminhando para isso. Podemos atualmente fazer uma política de fazer de conta que a crise não vem, e vamos tocando dentro do sistema capitalista produtivista, consumista, e vamos continuar. Vamos construir a Usina de Belo Monte, a Usina do Rio Madeira, continuar apostando no agronegócio e vamos ver no que dá. Ainda não tem ninguém dizendo: “Vamos nos preparar para a grande crise, politicamente, socialmente, culturalmente, economicamente, porque ela vai chegar”. Teríamos, atualmente, que pensar numa alternativa para a crise. Isto já existe em nível local. Existem pequenos grupos, a Economia Solidária etc., mas ainda não temos um projeto político nacional para fazer frente a essa crise mundial.
Mundo Jovem: E adianta a reação do Brasil contra os poderosos do mundo?
Pedro Ribeiro de Oliveira: No mundo inteiro tem gente “remando” contra essa maré da crise. Acredito que o Brasil é um dos poucos países que teria condições de propor uma alternativa, pelos seus recursos naturais, pela extensão geográfica, pela população, pela experiência, pela cultura. Claro, se o mundo vai para o desastre, o Brasil não está livre do desastre. Mas se o Brasil criasse um projeto político alternativo, poderia se preparar para a crise e fornecer a receita para outros.
Mundo Jovem: O que dizer aos jovens? Devem votar, podem ter esperanças?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Sem dúvida, vale a pena votar. A fé dos jovens de hoje, na política, é diferente de décadas passadas. Mas é importante participar da vida política do país, é importante votar. De qualquer forma, todos participamos da política pelo lado do imposto. Quando pagamos imposto estamos mantendo a política, o Estado. O imposto, no Brasil, é sobre o consumo. Pagamos imposto em tudo e a toda hora (conta de celular, consumo num bar etc.). Portanto participamos da política, queiramos ou não, no que é pior: pagar imposto. Mas a parte melhor da política é poder interferir no que fazer com o dinheiro recolhido pelos impostos. No sistema que temos hoje, a forma é escolher um(a) candidato(a) que dê um destino justo a esse imposto obrigatório. Então, quanto mais a gente participar, maior a possibilidade de ter alguém que faça do nosso dinheiro algo com que estejamos de acordo.
Mundo Jovem: O povo está aprendendo a votar?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Sim. Mas a corrente que nos faz desaprender a votar é tão forte que se aprende de um lado e se desaprende de outro. Por que a justiça eleitoral não esclarece que no voto proporcional, como é hoje, seu voto vai primeiro para o partido e depois para o candidato? O voto proporcional é diferente do voto majoritário. Muita gente continua votando na pessoa, pensando que não está dando voto para um partido. Essa é a intenção deste eleitor quando vota, mas o voto dele vai para o partido. Nos falta, então, conhecer as regras básicas. Como é que um partido seleciona seus candidatos? Essas informações não saem na imprensa. É claro que com o processo eleitoral nós estamos aprendendo, mas o essencial mesmo, que são as regras do jogo político, continuamos a desconhecer.
Mundo Jovem: Então a nossa democracia política eleitoral é centrada nos partidos?
Pedro Ribeiro de Oliveira: A nossa democracia é federativa e centrada nos partidos. Os nossos Estados não são tão diferentes uns dos outros para dizer que a bancada do RS é inteiramente diferente da bancada de SE ou do AM. Em relação aos senadores, não deveriam defender somente os interesses do seu Estado. Então, nossa realidade não é federativa, mas nossa estrutura política, pela Constituição, é federativa. Isso é uma distorção. Por que não podemos votar para senador(a) ou deputado(a) federal numa pessoa conhecida, mas que está em outro Estado, se no funcionamento do Congresso, tanto faz o Estado que o(a) elegeu?
A segunda distorção é que os partidos políticos, de fato, são legendas eleitorais. Nem ao menos são nacionais, pois em cada Estado um mesmo partido torna-se diferente. Eles não têm uma diversidade programática, uma identidade taxativa. O PT já teve, mas perdeu. Talvez tenha em termos locais, mas em termos nacionais, não. Quando alguém expressa a desilusão para com as eleições, dá para entender, porque as eleições estão longe de representar a nossa realidade. Agora, se as pessoas não participarem, aí mesmo é que estarão fazendo papel de “trouxas”, somente pagando impostos. Quem não vota, acaba não tendo outro papel dentro da política, a não ser pagar impostos.
Mundo Jovem: Seria recomendável frisar a importância de participar de partidos políticos?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Sem dúvida. Infelizmente as bancadas verdadeiras, reais, se escondem através de legendas eleitorais, que são os partidos políticos. Apesar de tudo, no Brasil, como a política se faz através dos partidos, se quisermos ter influência no poder público, temos que participar dos partidos. Existem também outras organizações que contribuem muito nas discussões políticas: igrejas, movimentos sindicais e associações. Mas quer gostemos, quer não, na política, o partido político é fundamental. Se possível, entre, participe, debata, ajude a escolher um(a) candidato(a) e trabalhe para esta campanha. É um aprendizado único de cidadania, o qual só se aprende fazendo.
Mundo Jovem: Seria importante as escolas promoverem debates acerca da política?
Pedro Ribeiro de Oliveira: Muito importante. Se as escolas puderem, além de fazer o debate, pelo menos dar esclarecimentos sobre as questões: voto proporcional e voto majoritário, como se elegem os deputados estaduais e federais, estudar o processo. Mais do que o debate com os candidatos, pelo qual a escola acaba virando um palanque, seria interessante fazer um debate entre os alunos, provocando a argumentação sobre por que votar num(a) determinado(a) candidato(a), e eventualmente também debater com os pais, num debate político bem organizado, com regras e tudo mais.
Política atrofiada: existe solução?
As pessoas não estão totalmente enganadas quando suspeitam da política! De fato, aquilo que normalmente entendemos por política é permeado de sacanagem, por mais que saibamos que existem pessoas honestas e de boa vontade em seu meio. Realmente temos pouco poder de influência direta nas decisões políticas. A maioria dos partidos são verdadeiras “máquinas” de influência e voto a serviço de um ou outro “figurão”. As leis que nos são apresentadas como resultado da democracia muitas vezes não passam da expressão dos interesses de pequenos grupos muito poderosos. Por outro lado, todos sabem que é na política que se decidem coisas muito importantes para nossa vida: educação, saúde, trabalho, meio ambiente, formas de participação, relações internacionais etc.
Parece que estamos aprisionados em uma concepção de política muito mesquinha. Talvez devêssemos recuperar algumas dimensões perdidas:
1) Para os gregos da antiguidade, a política era o espaço da liberdade. Ninguém podia ser verdadeiramente cidadão sem participar de um espaço público onde pudesse expressar suas ideias e ajudar a iniciar algo totalmente novo. Hoje, infelizmente caímos para o outro extremo: política parece ser o contrário da liberdade. Dela vêm os limites para nossa liberdade individual. Reduzimos tudo à luta pela sobrevivência e ao consumo, ou seja, àquilo que é próprio da nossa dimensão animal e “deixamos de lado” o que é especificamente humano. Deveríamos recuperar esta dimensão virtuosa da política para nos tornarmos mais humanos.
2) Os antigos valorizavam muito a liberdade pública, a ponto de ignorarem o indivíduo. Nós, modernos, valorizamos muito a liberdade privada, a ponto de não percebermos mais a importância das comunidades políticas. Por isso, talvez, estejamos enfraquecendo as estruturas e os valores comunitários. Mas é justamente na esfera comunitária que se constitui o sentido de nossas vidas e a base para a ação política mais ampla. Nem a liberdade dos antigos nem a moderna parecem suficientes: precisamos inventar uma nova forma.
3) Fomos levados a pensar que democracia é sinônimo de sistema parlamentar e da possibilidade de votar. Na verdade, democracia somente existe se a vontade do povo coincide com a vontade do governo. Mas como garantir esta coincidência se votamos em alguém que fica nos “representando” por quatro anos e fazendo o que bem entende? Reduzir nossa atuação política a ações individuais - como o voto - é uma armadilha que só fortalece aqueles que já estão “por cima”. Precisamos de espaços e movimentos coletivos em que possamos sonhar, projetar e defender o mundo que queremos.
Certamente o preconceito das pessoas contra a política tem um fundo de verdade. Mas este preconceito não é contra a política como um todo, mas contra a política atrofiada que nos é apresentada. Este preconceito, no entanto, pode levar à acomodação e à indiferença; a enfraquecer a democracia e fortalecer o domínio de alguns sobre muitos. Ele precisa ser superado. Ao atentarmos para dimensões da política que foram historicamente “esquecidas”, vemos uma luz no fim do túnel. Estamos convidados a contribuir na sua reelaboração e vivificação!
Rosalvo Schütz,
professor de Filosofia, Toledo, PR.
Fonte: Mundo Jovem