A hospitalidade de Jesus

 
 
 
  
Pedro A. Ribeiro de Oliveira *

Adital -
O relato do lava-pés ocupa um lugar de destaque no Evangelho de João, por trazer a mensagem que Jesus quis deixar ao saber que "a sua hora tinha chegado". Diferentemente dos sinóticos, que enfatizam a partilha do pão e do vinho -a comensalidade - o texto de João (13,1-15) concentra-se no gesto de lavar os pés - a hospitalidade. Esta é da maior importância para a vida da Igreja, mas geralmente aquele gesto é apresentado como um exemplo da atitude de serviço. Convém refletir um pouco sobre o texto e seu contexto, porque ele tem muito a ver com o ministério sacerdotal.

A tradição abraâmica ensinava que oferecer água para que os chegantes lavassem os pés era o primeiro sinal de hospitalidade (p. ex. Gênesis 18:4 e 19:2). Por isso mesmo, Jesus repreendeu o fariseu que, tendo-o convidado não lhe lavou os pés, enquanto a mulher o fez (Lucas 7,44). Fica claro que tanto Jesus quanto as pessoas do seu tempo conheciam o significado daquele gesto. Não se tratava simplesmente de limpar os pés sujos do pó da estrada, mas sim de manifestar o oferecimento da hospitalidade. Com certeza esta é a intenção de Jesus quando "se levanta da mesa, depõe o seu manto, toma um pano (...) derrama água em uma bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com o pano". É importante notar que ele não lava os pés de seus discípulos ao entrarem na casa para oferecer-lhes hospitalidade, mas sim "durante a refeição". Fica claro que se trata de um gesto simbólico: ao lavar os pés dos discípulos, Jesus os convida para se hospedarem na comunidade encarregada de perpetuar sua missão na história.

Simão Pedro, contudo, não entendeu o significado simbólico daquele gesto. Depois da primeira explicação, pensou que fosse um ritual de purificação e pediu a Jesus para lavar "também as mãos e a cabeça". Jesus teve que dizer claramente que não era disso que se tratava, embora um dos discípulos precisasse mesmo ser purificado. Talvez por suspeitar que os discípulos ainda não tivessem entendido bem o que se passara, ao voltar para a mesa Jesus retoma paciente e didaticamente a explicação de seu gesto. "Compreenderam o que eu fiz?" pergunta. "Pois é um exemplo que eu vos dei". Hoje também precisamos refletir sobre o significado do gesto de lavar os pés, porque este não é apenas um exemplo de serviço: é a instituição da hospitalidade como um dos pilares da igreja.

O texto de João mostra que somos convidados a sermos hóspedes de Jesus - o único "Mestre e Senhor" da comunidade eclesial. E ao aceitarmos esse convite, recebemos a missão de convidar outras pessoas a também se tornarem hóspedes dessa grande casa: "o que eu fiz por vós, fazei-o vós também". Esse ponto é geralmente o encadeador da reflexão para o tema das vocações sacerdotais.

Insiste-se muito na oração pelas vocações sacerdotais, como se Deus não suscitasse a todo momento suficientes vocações sacerdotais. Devo dizer, porém, que minha oração leva um pedido bem diferente. Peço a Deus que abra os olhos das autoridades da Igreja Católica Romana, para que reconheçam logo as abundantes vocações sacerdotais hoje rejeitadas porque Deus as suscitou em mulheres ou em homens que não aceitam a norma do celibato. Olho minha própria comunidade e vejo como são vibrantes as celebrações presididas por mulheres. Por vezes sinto que lhes falta uma formação teológica mais acurada, mas tal lacuna é largamente superada por seu tocante testemunho de vida. Lamento que seu sacerdócio ainda não tenha sido reconhecido pela Igreja Católica Romana e que elas só sejam autorizadas a distribuir a comunhão, sem celebrarem a Eucaristia na sua completude.

Como seria bom se o Papa e os Bispos retomassem o texto do lava-pés e se dessem conta que são apenas hóspedes na Igreja de Jesus, e não "Senhores e Mestres". Hóspedes que cumprem a relevante função de nos confirmarem na Fé, mas que, como todos os demais hóspedes devem estar atentos às normas estabelecidas pelo dono da casa - e nestas normas não cabem exclusões senão por motivo de pecado contra o Espírito Santo.

Juiz de Fora, 4 de abril de 2010.


* Sociólogo, Professor no Mestrado em Ciências da Religião da PUC-Minas e consultor do ISER-Assessoria
 
Fonte: Adital