Por uma nova convivência entre homens e mulheres por Ricardo Fiegenbaum


     Eles eram homens. Entre eles estavam senhores de meiaidade, jovens e também idosos. Todos apresentavam-se como piedosos, honestos e cumpridores da lei. Cheios de si, cheios de razão, empurraram para o meio do círculo uma mulher. Pedras em punho, estavam prestes a fazer justiça, conforme a lei instruía que se fizesse com a mulher apanhada em “flagrante adultério”. Na verdade, a lei obrigava a apedrejar também o adúltero (Dt 22,22-24), mas nisso aqueles homens não estavam interessados.

     Eles não queriam apenas justiçar a mulher para reparar a honra do homem traído. Queriam pôr à prova a justiça de Jesus. Queriam ver se Jesus era tão bom quanto eles, se cumpriria a lei, se era homem como eles eram. A cena era essa: a mulher humilhada - sem defesa e sem voz - no centro de um círculo de homens famintos por justiça, pedras em punho, e Jesus, agachado, desenhando na areia em silêncio, aparentemente indiferente à pergunta que lhe fizeram: “A lei diz que tal mulher deve ser apedrejada. Mestre, o que você diz?”.

Uma pedra na consciência

     Jesus não diz nada. A mulher não diz nada. O silêncio dela é imposição. Mas o silêncio de Jesus é incômodo. O silêncio faz pensar, e os homens não querem pensar. E insistem com a pergunta, agitam-se, ameaçam, balançam as pedras em suas mãos. Então Jesus quebra o próprio silêncio e, erguendo-se, manda que apedrejem a mulher aqueles seus acusadores que nunca tenham descumprido a lei. Depois, volta a riscar na areia.

     Ouvindo eles essa resposta, diz o texto bíblico, “foram saindo um a um, começando pelos mais velhos” (João 8,9). A mulher e Jesus ficam sozinhos, frente a frente. Na presença de Jesus, ela pode falar de novo: “Nenhum daqueles homens me condenou!” E Jesus a acolhe, perdoa e envia dizendo-lhe para que não peque mais, para que não seja como aqueles homens acusados por suas próprias consciências.

Homens e mulheres

     A relação entre homens e mulheres, jovens ou não, é uma relação construída. Há uma ideia predominante nas relações sociais de que homem é melhor que mulher, que pode mais que ela, que é mais forte, capaz e inteligente. Essas ideias são construídas pelo preconceito e por noções de valor que se sustentam em relatos bíblicos como o da história recontada acima.

     Este conceito equivocado passa pelo aprendizado, desde a infância, e se consolida por meio de um imaginário social e de comportamentos que, em geral, valorizam o masculino e diminuem o feminino. Estabelece-se, assim, uma relação de dominação dos homens sobre as mulheres que se reflete, por exemplo, no mundo do trabalho, que, em geral, remunera melhor os homens, ainda que as mulheres tenham a mesma competência e formação e ocupem as mesmas funções. Também na igreja se manifestam essas práticas discriminatórias e violentas, quando mulheres não têm acesso a certas funções simplesmente porque são mulheres. Mas é principalmente nas relações familiares e afetivas que o comportamento masculino dominante se impõe, e de forma violenta.

     Essas formas de preconceito e discriminação colocam as mulheres no centro do círculo masculino da violência. No artigo O corpo velado dos homens - uma tarefa de interpretação da vida e da Bíblia , publicado no boletim Por trás da palavra nº 169 de novembro/dezembro de 2008 do CEBI, Maria Soave Buscemi escreveu que “existe uma reação violenta por parte da maioria dos homens quando percebem um passo de liberdade, do ponto de vista social, econômico, político ou religioso, por parte das mulheres. Cada vez que isto acontece, a insegurança masculina perante a ‘nova mulher’ se arma de violência e de ‘virilismo’, isto é, da forma essencialisticamente machista de ler e vivenciar as relações de gênero”. Ou seja, os homens seguram as pedras nas mãos.

     Nesse sentido, os textos bíblicos, estudados na perspectiva das relações entre homens e mulheres, podem nos ajudar a pensar novas formas de viver o masculino e o feminino como encontro de pessoas, no qual a justiça não se faz pela força da lei, mas pela presença libertadora de Jesus, que nos chama, mulheres e homens, a vivermos em liberdade e amor. Que os homens, portanto, jovens, velhos ou de meia-idade, larguem as pedras e arrisquem-se a viver novas e melhores relações com as mulheres.

Sugestão de leitura:

A Bíblia e as mulheres - Série A Palavra na Vida (nº 16, 1989).
É um conjunto de estudos para trabalhar em grupos textos da Bíblia e as suas relações com as mulheres. Autores: Blanqui Otaño, Mercedes de Budallés e Julieta Amaral da Costa.
Pedidos para a editora CEBI: www.cebi.org.br

Ricardo Fiegenbaum,
integrante do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), São Leopoldo, RS.
Endereço eletrônico: sepublic@cebi.org.br
Artigo publicado na edição nº 394, jornal Mundo Jovem, março de 2009, página 9.