A economia está em xeque. Há uma profunda crise econômica em plano mundial, que é principalmente econômico-financeira, mas não só. É também social, ambiental e, segundo muitos, abala ou pode abalar os fundamentos do sistema capitalista e certamente coloca em questão seus paradigmas.
Segundo Aristóteles, economia é o estudo do abastecimento material do ‘oikos’ ou da ‘polis’, isto é, da casa familiar ou da cidade. Economia é, portanto, administrar a casa ou a cidade. Há, portanto, uma crise na administração da casa e da cidade, que atinge o conjunto da população e da sociedade.
Segundo João Pedro Stédile, economista e dirigente do MST, estamos não apenas diante de uma crise cíclica, tipo de crise que faz parte da lógica de funcionamento do capitalismo industrial, que ocorre a cada 10, 15 anos, que costuma ser de curta duração, e em geral eclode num setor da produção ou apenas em algum país ( Em A natureza da crise suas circunstâncias para o Brasil). Já teriam acontecido mais de 300 crises cíclicas do capitalismo desde a Revolução Industrial. No Brasil, por exemplo, houve uma crise do modelo de industrialização dependente entre 60-64, outra entre 80-84, que resultou na derrota da ditadura militar, e uma no governo Fernando Henrique, de 1998 a 2001, que quebrou o país.
A atual crise, segundo João Pedro e economistas, é uma crise sistêmica, isto é uma crise que afeta todo sistema capitalista. É internacional, não afeta somente um país ou um setor da economia, e sim os pólos centrais da economia capitalista no mundo. Houve crises sistêmicas no final do século XIX, quando aconteceu a eclosão da primeira revolta popular-operária, a Comuna de Paris, depois houve a crise de 1929/1945, que só foi resolvida com a segunda guerra mundial.
Sendo uma crise sistêmica e não apenas cíclica, deverá ser uma crise prolongada, de pelo menos 5 anos, talvez 10 ou mais. E é uma crise mundial, que afeta, mais ou menos, todos os países, até Cuba.
Toda crise econômica, ainda mais se for sistêmica, tem graves conseqüências sociais. Afeta os mais pobres e trabalhadores, produz altas taxas de desemprego e aumento da pobreza e da fome. Em menos de dois anos o número de pessoas que passam fome no mundo aumentou de 850 milhões para cerca de um bilhão. Não será mais cumprido primeiro Objetivo do Milênio, de redução da pobreza extrema pela metade.
É uma crise, diferente das anteriores, também ambiental. Como diz Leonardo Boff, com a crise descobrimos que os recursos são finitos e que já passamos da capacidade de produção da terra. Chegamos a um limite temporal, isto é, ‘se os países ricos quisessem socializar o bem-estar que eles têm para toda a humanidade, precisaríamos de duas terras semelhantes a essa’ (Celebração da água - Leonardo Boff e a ecologia do cuidado).
Está em debate e em xeque o tipo de desenvolvimento promovido no século XX e início do século XXI, bem como os valores sobre os quais se apóia o capitalismo, especialmente este mais recente, das últimas décadas, o neoliberal.
Neste contexto, à luz desta realidade, o 7º Encontro nacional do Movimento Fé e Política, a realizar-se em Ipatinga, MG, em 28/29 de novembro de 2009, escolheu como tema: CUIDAR DA VIDA: ESPIRITUALIDADE, ECOLOGIA E ECONOMIA. Nossa casa e nossa cidade estão com as estruturas abaladas. A palavra de Jesus -"Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância" (Jo, 10,10) - não está se realizando. Pessoas passam mais fome que antes. Mais trabalhadores estão desempregados. Famílias e comunidades se desagregam. Crescem a violência e a marginalidade. Tudo transforma-se em mercadoria para comprar e vender, num produtivismo e consumismo onde o humano não tem vez.
A reflexão sobre a crise econômica deve ser profunda. Se a crise for cíclica, bastaria, na casa, mudar janelas, realizar uma limpeza geral, fazer novas divisórias criando novos ambientes, pintar as paredes, plantar flores e plantas na entrada ou em volta. Se a crise, porém, for sistêmica, não bastam remendos ou mudanças conjunturais. Os alicerces estão abalados, as colunas mestras precisam ser trocadas: não agüentam mais a chuva, o telhado pode despencar, a casa inteira ameaça ruir. Urge mudar a estrutura.
É preciso, pois construir uma nova casa e uma nova cidade, com novos fundamentos e valores. Para que seus moradores sintam-se felizes, todos e todas, possam acolher confortavelmente os visitantes cansados, possam sentir seu ar fresco e o vento que atravessa a soleira e a varanda, sintam-se protegidos da tempestade, do frio e da chuva. E todos os que moram na casa e habitam a cidade tenham espaço e pratiquem a solidariedade entre si, com os vizinhos, com os viajantes. Como canta Milton Nascimento: "Quero que a justiça reine em meu país/ Quero a liberdade, quero o vinho e o pão? Quero ser amizade, quero amor, prazer/ Quero nossa cidade sempre ensolarada/ Os meninos e o povo no poder, eu quero ver."
O Encontro de Ipatinga em novembro, à luz da fé, buscará respostas para o mundo em crise. Mais que respostas, porém, são urgentes práticas, modelos, ações, compromissos. A partir da ação de milhares de lutadores e militantes sociais, cristãos comprometidos com a vida, será feita a reflexão, no objetivo e na decisão de se chegar a ações novas, de mais solidariedade, mais coletivas, que levem à justiça social e a um novo projeto de desenvolvimento e sociedade, um outro mundo possível, sem crises cíclicas ou sistêmicas que fazem sofrer pobres e trabalhadores e não permitem futuro à humanidade.