Brasil - Dilnei Bittencourt: uma nova maneira de se pensar cidade



 

"As ruas viraram lugares para marginais, ninguém mais anda nas ruas porque elas são inseguras, desumanas." / Fotos: Divulgação

Em entrevista ao EcoD, o engenheiro civil Dilnei Bittencourt conversou sobre o novo conceito de urbanismo sustentável e como essa atividade pode transformar o que conhecemos hoje como modelos de cidade. Bittencourt é diretor de engenharia do Projeto Pedra Branca, um empreendimento imobiliário que foi construído e planejado visando a sustentabilidade.

Porta EcoD: O que é urbanismo sustentável?
Dilnei Bittencourt: A ocupação do solo deve ser repensada. Esse movimento começou há uns 30, 40 anos, conhecido como new urbanism, smart growth, urbanismo sustentável. Todos defendiam um contraponto ao crescimento das cidades como são hoje, que dão preferência ao automóvel, onde há uma separação das funções, e fazem com que os cidadãos precisem usar o automóvel para conseguir saúde, lazer, moradia, trabalho.

Existem ao todo nove conceitos que guiam o urbanismo sustentável: uso misto, densidade controlada, prioridade de pedestre, equilíbrio, conectividade, paisagismo, prédios verdes, espaços públicos atraentes, cidades apropriadas para os cidadãos.

Este conceito resgata uma forma antiga das cidades, que é ter  apartamentos, escritórios, lazer, tudo na mesma rua, a uma distância caminhável. O carro é uma forma de transporte burro, causa o aquecimento do planeta, ocupa o espaço urbano, que deveria ser das pessoas, torna a cidade barulhente, suja, desumana. Por isso a ideia é resgatar a mistura de funções da cidade. Isso já está tão forte que em alguns lugares da Europa existem prédios com até três funções.

"A sustentabilidade começou pelas edificações, mas está todo mundo entendo que se o urbanismo não for sustentável, o prédio sozinho não resolve o problema."

Além do uso misto, se deve priorizar o pedestre. Fazemos isso através da largura das calçadas, dimensão das ruas e paisagismo. A cidade deve ser confortável para quem caminha.

Outra questão é senso de comunidade. As cidades hoje sofrem com espalhamento, por isso elas foram perdendo identidade. Ninguém mais tem a sensação de pertencimento, não sabem mais de onde são. Por isso, criar esse senso é importante, já que torna as pessoas mais felizes, mais seguras.

Também devemos nos preocupar com a densidade. As cidades têm que fugir da moradia familiar, elas são excessivamente danosas ao meio ambiente porque carecem de muitos serviços de infraestrutura para poucas pessoas e isso é caro. Se todo mundo morasse em casa, nós já estaríamos nos mudando para o terceiro planeta porque não haveria mais espaço. O ideal seriam entre 400 a 800 habitantes por hectare, isso otimiza os serviço urbanos, reduz o consumo de energia, as emissões de CO2, a poluição atmosférica, melhora o aproveitamento da luz, etc.

As cidades também precisam de conectividade, ou seja, elas precisam estar ligadas fisicamente e integradas às áreas de entorno. Ainda tem a questão da diversidade econômica dos cidadãos. Isso significa que não podem ter só ricos nem só pobres no mesmo bairro, todos podem conviver mais ou menos em harmonia no mesmo lugar. Porque uma pessoa teria que morar a três, quatro horas de distância do trabalho só porque é mais pobre ou mais rica? Tem que ter mistura social.

Também é preciso ter equilíbrio no ambiente entre áreas construídas e áreas naturais. As cidades perderam todo o contato com a natureza. Você olha 360 graus e não vê nenhuma natureza, por isso tem que haver ligação com ambientes naturais, com montanhas, rios, parques. Para onde quer que você olhe deve haver a presença da natureza. Isso faz bem às pessoas, além de trazer outros benefícios, como evitar as ilhas de calor.

E claro, não se pode esquecer os prédios, que devem ser construídos dentro dos conceitos de sustentabilidade. Hoje já existem diversos selos e certificados para regulamentar isso, como o LEED, o AQUA . Existem diversas maneiras de fazer os prédios com menos agressão, mais energia, mais ventilação natural, materiais menos agressivos, etc.

São esses conceitos que juntos formam novas cidade. As ruas viraram lugares para marginais, ninguém mais anda nas ruas porque elas são inseguras, desumanas. Nossas construções não devem ter muros, pontos cegos, estando a 5, 10 metros da porta você estará olhando pra rua. Esses são lugares que devem ter vida durante todo o dia, todos os dias da semana.

EcoD: Como este conceito é difundido no Brasil e no resto do mundo?
D. B: O Brasil, como sempre, vai no vácuo do exterior. Aqui as cidades estão em crescimento orgânico e as coisas vão a reboque, tentando salvar o que dá. Já o resto do mundo, especialmente nos EUA e na Europa, está com o pé no acelerador. Nos Estados Unidos, 200, 300 cidades estão fazendo retrofit (processo de modernização) seguindo esses conceitos. Aqui já existem um estudo para fazer o mesmo na Cracolândia, em São Paulo.

A Pedra Branca está chegando no Brasil e é pioneira. A gente já viaja, faz congressos no exterior e tanto é que a Fundação Clinton nos adotou entre 16 projetos de todo o mundo e vai nos apoiar. As cidades mundiais estão todas caminhando pra isso. Paris está transformando autopistas em jardins, Londres criou leis impedindo a circulação de carros em algumas partes da cidade, ou que obrigue os empreendimentos imobiliários a terem moradias com algum interesse social.

EcoD - Nos conte mais sobre o projeto Pedra Branca.
D. B: O projeto Pedra Branca é um empreendimento imobiliário que já existe há nove anos. Nós iniciamos como um projeto de urbanismo tradicional, para criar um pólo na região metropolitana da grande Florianópolis, onde haveria de um lado só casas, do outro só prédios comerciais. Não haveria mistura de função.

Um dia, em um congresso em Atlanta (EUA), caiu a ficha. Então pegamos a dica, contratamos um grande equipe de urbanismo e começamos a trabalhar a ideia. Agora estamos implantando a última etapa do empreendimento e vamos encerar o projeto em 15 anos, com 30 mil moradores vivendo numa cidade de clima positivo, emissão zero de gases de efeito estufa, um lugar mais feliz pra se viver, tanto para o meio ambiente, quanto para o morador.

EcoD: Falando sobre o tripé da sustentabilidade (meio ambiente, economia e sociedade ), como uma cidade construída sob os preceitos do urbanismo sustentável pode contribuir com o bem-estar comum?
D. B: Fazer com que a linha de baixo do balanço seja positiva é o nosso grande desafio. E essa tem se mostrado uma experiência interessante tanto como produto imobiliário, quanto empresarial. O projeto Pedra Branca é, portanto, saudável nos três pontos de vista. Não adianta eu ter um prédio ambientalmente correto, mas que as pessoas não gostem de morar. É preciso buscar o equilíbrio.

Nós estamos criando um espaço onde a pessoa depende menos carro, de menos energia, menos água, menos recursos naturais, onde as taxas verdes são elevadíssimas, e economicamente isso tudo tem que ser positivo. As pessoas também têm que ganhar dinheiro porque se isso não acontecer, amanhã a empresa fecha e volta a ser agressiva. As tecnologias e materiais também têm que ser coisas factíveis, dentro da nossa realidade.



"As pessoas também têm que ganhar dinheiro porque se isso não acontecer, amanhã a empresa fecha e volta a ser agressiva." / Foto:  Instituto do Corretor

Outra coisa importante: não adianta ter lâmpada eficiente, torneira que economiza água, etc, se o usuário não economiza. Essa nova geração tem uma consciência muito forte, isso é positivo.

É evidente que não chega a ser um ambiente com agressividade zero, mas existe um equilíbrio. Na verdade a gente está oferecendo um espaço onde existe um senso de comunidade, espiritualidade.

As cidades perderam isso pela massificação. As pessoas que vivem ali são pessoas que gostam do bairro, de viver ali, que sentem que pertencem àquele lugar, são orgulhosos por morar lá. São os nossos maiores propagandistas.

* Projeto do Instituto Ecodesenvolvimento

Fonte: Adital