Deus existe, aproveite a vida - Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues


Circula em alguns ônibus de cidades da Europa o slogan: “provavelmente Deus não existe, deixe de preocupar-se e aproveite a vida”. Será que eliminando Deus do horizonte da existência, poder-se-á eliminar a culpa por uma vida vazia de valores? Ou a noção de dever é um imperativo ínsito na própria natureza do ser humano? Será Deus um estorvo ou é Ele nossa origem e nosso destino? Não é possível não tomar posição diante destas questões.

Na Roma pagã os deuses não eram empecilhos para o “aproveite a vida”. Era assim a vida no Olimpo, morada dos deuses, um lugar de desfrute e de disputa pelo poder. Donde imperar na cultura e na vida da sociedade daquele tempo o “carpe diem”,expressão latina que tem o mesmo sentido. Entretanto, mesmo antes da chegada do cristianismo, na Grécia houve filósofos que entenderam que mais vale a prática da virtude do que a satisfação dos sentidos. O próprio Epicuro, ao propor o prazer como sumo bem, se refere ao prazer do sábio, entendido como quietude da mente e o domínio sobre as emoções e, portanto, sobre si mesmo. É o prazer da justa-medida e não dos excessos. Epicuro valoriza, pois, os prazeres morais e não identifica a felicidade com o prazer imediato.É de Epicuro a afirmação: “De todos os bens que a sabedoria nos faculta como meio de obter a nossa felicidade, o da amizade é de longe o maior”.

Mas vigora no paganismo romano, com origens filosóficas na Grécia, o hedonismo que faz do prazer imediato o sentido da vida. O slogan afixado nos ônibus de algumas cidade da Europa se situa na linha do hedonismo, modo de pensar que sustenta a propaganda consumista que todos os dias invade nossas salas de TV. Para Aristóteles, porém,  o fim supremo da vida humana é a felicidade. Mas a felicidade não está no prazer imediato, está na prática da virtude e na paz social. Donde a importância da Ética, no pensamento de Aristóteles, bem como da Política como lugar por excelência da vivência das virtudes, maxime da justiça. Ele tinha clareza de que  a felicidade só pode existir plenamente através de uma ordem social justa. Ora, uma ordem social justa exige das pessoas a busca do bem comum acima dos interesses individuais. Donde ser o hedonismo uma proposta que em última análise destroi a possibilidade de viver com prazer, com alegria. Como viver com prazer numa sociedade em que cada um busca seu interesse imediato? Para os homens religiosos não há alegria maior do que a de estar com Deus. Já neste mundo é feliz quem desfruta da amizade com Deus. O destino final da existência humana é o infinito prazer da comunhão plena com Deus, depois desta vida, comunhão entendida como união amorosa, esponsais místicos.

A proposta do “slogan” acima servirá por algum tempo para algumas pessoas como forma de driblar a angústia existencial que mora em nós pelo fato de sermos mortais. A filosofia do prazer é a versão mascarada da filosofia do desespero. Em um momento de crise existencial mais aguda, essa postura ensejará o suicídio. Quando não se puder mais “aproveitar a vida”, restará o suicídio como saída. Aliás, em nosso mundo já há os que defendem a eutanásia. Para outras pessoas, o referido slogan é uma mensagem cheia de cinismo, pois veicula desprezo pela vida dos que não podem gozá-la e se torna assim um horroroso convite ao desespero. Imagine, prezado(a) leitor(a), esse slogan afixado, não nos ônibus, mas na entrada de hospitais, nas escolas onde estudam nossas crianças, nos bairros miseráveis da África ou nos casebres de nossos bolsões de pobreza. Mas Deus existe. Mais ainda: Ele veio até nós e assumiu nossa condição, nossas enfermidades e nossas iniquidades, como profetizou Isaias. O amor o sustentou. Ele afirmou: “o Pai me ama e Eu amo o Pai”; “vim trazer vida e vida em abundância”;  “a minha, vida eu a dou”;. “Eu sou o grão de trigo” que aceita morrer para dar vida;  tudo o que desejo “é que minha alegria esteja em vós”; “para isso aceito morrer”.

O prazer e a  dor por si mesmos não têm nenhum sentido. O prazer passa. A dor também. Do só prazer sobra o vazio que pede mais prazer, ao qual segue mais vazio. O prazer e a dor só têm sentido quando são assumidos no amor e dele se tornam expressão. É o amor que dá sentido ao nosso viver. A vida, esse espaço de tempo que vai de nossa concepção até nossa morte, é para ser vivida no amor. Quem assim a vive, vai construindo sua identidade, e, ao morrer entrará definitivamente na plenitude da vida, deixando na história as marcas de sua passagem.  Aproveite, portanto, irmão(ã) a vida, gastando-a no amor, pois Deus existe, Ele é amor, caminha com você e o espera para um maravilhoso encontro de amor, sem fim.

Fonte: CNBB