"A missão da Igreja na promoção da paz" - Dom Jaime Vieira Rocha
28/05/2009 - 00:00
I Fórum Abrindo Caminhos - MCC - CG Tema: A paz é fruto da justiça
Tema da palestra: A missão da Igreja na promoção da paz
“O fruto da justiça será a paz e a obra da justiça consistirá na tranqüilidade e na segurança para sempre”. (Is 32,17)
São muitas e diversas as referências bíblicas e sóciopastorais que nos explicitam a missão da Igreja na promoção da paz. Conforme Mensagem para a Celebração do Dia Mundial da Paz, do saudoso Papa João Paulo II, para o ano de 2000 vamos encontrar a seguinte afirmação: “a promoção da paz no mundo é parte integrante da missão com que a Igreja continua a obra redentora de Cristo sobre a terra. A Igreja, de fato, é, «em Cristo, “sacramento”, ou seja, sinal e instrumento de paz no mundo e para o mundo».
Esta missão se concretiza não só através do seu magistério, mas também por meio de ações concretas e de serviços da caridade junto às categorias sociais mais carentes e desassistidas. Há também um serviço à paz que passa pela intermediação da Igreja na solução de determinados problemas ou de situações conflitivas graves entre famílias, grupos sociais, nos conflitos trabalhistas ou administrativos no âmbito do Estado ou do Município, e até mesmo no âmbito das nações quando a Igreja através de seu Representante Maior, o Sumo Pontífice, levou sua palavra ao fórum mais alto e qualificado do cenário mundial que é a tribuna da Assembléia Geral das Nações Unidas – ONU, conforme podemos ver parte do discurso do Papa Paulo VI ali proferido no dia 4 de outubro de 1965:
“É como «técnico em humanidade» que Nós trazemos a esta Organização o sufrágio dos Nossos últimos predecessores, o de todo o Episcopado católico e o Nosso, convencidos, como Nós o estamos, de que esta Organização representa o caminho obrigatório da civilização moderna e da paz mundial. Ao dizer isto, Nós temos consciência de fazer Nossa quer a voz dos mortos quer a voz dos vivos: dos mortos caídos nas terríveis guerras do passado, sonhando com a concórdia e a paz do mundo — dos vivos que lhes sobreviveram, e que antecipadamente condenam nos seus corações os que tentassem renová-las — de outros vivos ainda: as jovens gerações de hoje, que avançam confiantes, esperando com razão uma humanidade melhor.
Fazemos também Nossa a voz dos pobres, dos deserdados, dos infelizes, dos que aspiram à justiça, à dignidade de viver, à liberdade, ao bem-estar e ao progresso. Os povos voltam-se para as Nações Unidas como para a última esperança da concórdia e da paz. Nós ousamos trazer aqui, com o Nosso, o seu tributo de homenagem e de esperança. E eis por que também para vós este momento é grande.”
A partir desse nível de participação na história da humanidade a serviço da paz podemos também constatar na história do nosso catolicismo popular ações para a paz através dos vigários em suas paróquias e dos missionários na realização das Santas Missões Populares, quando famílias inimigas concordavam em depor as armas e firmar um acordo de Paz. Nas missões do Pe. Ibiapina no século XIX por estes sertões nordestinos como também do Frei Damião e o Pe. Cícero do Juazeiro, neste século passado, eram comuns estas ações em favor da paz movidas pela crença em Deus e pelo respeito e obediência a esses missionários ou líderes religiosos.
Durante todo período colonial e até a República havia uma total ausência do Estado no que diz respeito à assistência social. Neste vazio institucional se desenvolveu desde os nossos primórdios as diversas ações da Igreja na promoção da dignidade humana em favor dos despossuídos e abandonados, sobretudo, na área da saúde e da assistência social, cujo marco inicial dessa ação foi a Santa Casa de Misericórdia de Santos constituída em 1553.
Em seguida vamos constatar o surgimento dos vicentinos em 1833 como os seguidores dos ideais de Frederico Ozanam, intelectual francês que decidiu transformar o discurso das Conferências de História na Universidade Sorbonne (França) em práticas e ações concretas nas Conferências de Caridade. Hoje tão presentes em todo mundo pelas inúmeras obras de caridade: abrigos, creches, escolas e hospitais sempre voltados para a assistência aos mais pobres, quem sabe inspiração para as famosas “Casas de Caridade” construídas entre os anos de 1860-1872 pelo nosso Padre Mestre Ibiapina aqui no Nordeste.
Após o pioneirismo destas obras sociais voltadas para a saúde, a assistência social e a educação, vamos chegar a um passo mais expressivo da assistência social no nosso país com criação da LBA – Legião Brasileira de Assistência – instituição tocada pelas damas da sociedade reconhecidas como “mães dos pobres”. Já no outro nível de atuação bem mais profundo e consequente surge o movimento da Ação Católica com o seu famoso método: VER, JULGAR E AGIR.
A grande inspiração para a vivência desta missão da Igreja na promoção da paz vamos encontrar na Sagrada Escritura onde o Evangelho de Mateus nos adverte: “eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; era estrangeiro e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar”(Mt 25, 35-37).
Atualmente a missão da Igreja em favor da paz se potencializa com muito mais visibilidade pela força das diversas pastorais sociais e organismos, entre eles se destaca a Pastoral da Criança, um serviço de solidariedade e instrumento de evangelização, educação para a cidadania, combate a pobreza e a sensível redução dos índices de mortalidade infantil pela atuação de 127.217 voluntários que atendem a 82.215 gestantes e 1.555.149 de crianças, sem contar as inúmeras pastorais sociais, entre elas: Pastoral da Pessoa Idosa, Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor, Pastoral da Terra e tantas outras iniciativas voltadas para a promoção da vida e da dignidade humana. Todas essas ações assumem maior expressão através da Campanha da Fraternidade que há mais de 40 anos vem despertando a sociedade brasileira para o enfrentamento dessas graves realidades e problemas sociais tão desafiadores como a questão da violência que estamos estudando e debatendo neste ano por força do tema da Campanha da Fraternidade – Fraternidade e Segurança Pública.
As diversas e louváveis iniciativas da sociedade civil, como esta que agora estamos vivendo, vão se constituindo sinais de esperança na construção de uma sociedade mais justa e mais humana, onde todos tenham iguais oportunidades e seus direitos garantidos, na certeza de que a paz é fruto da justiça.
São sinais de esperança para todos nós da Igreja de Campina Grande, as inúmeras ações já institucionalizadas ou que vão se manifestando a partir das iniciativas momentâneas e circunstanciais, tais como: os sopões que são distribuídos em tantas paróquias para crianças e idosos, a pastoral da alimentação no bairro de São Sebastião, a Fazenda do Sol e a Casa de Acolhida São Paulo da Cruz - obras sociais sob a responsabilidade da Congregação dos Padres Passionistas; o Apostolado da Divina Misericórdia no bairro dos Cuités, a Casa da Criança Dr. João Moura, a Casa do Menino, o Instituto São Vicente de Paulo, instituições dirigidas e assumidas heróica e santamente pelas religiosas de São Vicente de Paula e Franciscanas Hospitaleiras do Coração Imaculado de Maria.
Não podemos ainda deixar de mencionar, como contribuição da missão da Igreja na promoção da paz, o seu testemunho e engajamento profético na defesa dos direitos humanos com a constituição das Comissões Nacional e Diocesanas de Justiça e Paz.
Vale a pena nos referirmos ao belíssimo texto da Constituição Pastoral Gaudium Et Spes n.27: “Além disso, são infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador”. (Gaudium Et Spes, 27)
Portanto, podemos concluir com sentimentos de esperança parafraseando o poeta Tiago de Melo: “Faz escuro, mas podemos cantar porque o amanhecer vai chegar” e ainda as palavras do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns no prefácio do livro Brasil: nunca mais:
“Nunca mais a escuridao e as trevas. Nunca mais ao medo e à ditadura. Nunca mais à exclusão e à tortura. Nunca mais à morte! Um sim à vida!”
Não a violência em todas as suas formas: estruturais, físicas e simbólicas. Não se vence a violência com a violência, mas com a justiça e a equidade. “A paz é fruto da justiça”
Dom Jaime Vieira Rocha - Bispo Diocesano de Campina Grande.