ÉTICA NA POLÍTICA
Assumimos, aqui, o conceito restrito de política, aquele da política partidária e o conceito de ética, á luz da reflexão teológico-cristã. Entendemos a ética como a atitude pessoal, comunitária e institucional de estar com os outros e para os outros, e a política partidária como um instrumento constitutivo do Estado democrático e de direito para fazer valer a decisão da maioria, tendo o cidadão como patrão e o agente político como servidor público contratado pelo voto. Pedagogicamente, para fundamentarmos esta reflexão, propomos três fontes a partir das quais chegaremos a algumas conclusões que se associam à revelação cristã, a saber: a fonte bíblica, a fonte histórico-sociológica e a fonte sistemática.
Na fonte Bíblica encontramos dois núcleos fundamentais a partir dos quais podemos identificar a mensagem sobre o que se pode chamar de ética social, econômica e política. São: o profetismo (AT) e a práxis de Jesus de Nazaré (NT). A atitude dos profetas bíblicos, frente aos sistemas políticas antiéticos de seu tempo, respectivamente, revela com clareza de que lado Deus está e quais valores são verdadeiramente plausíveis aos olhos Dele. Eles têm um posicionamento político decididamente em favor dos excluídos nas categorias do órfão, da viúva, do estrangeiro, do empobrecido e, por outro lado, fortemente corretivo aos chefes do povo. Dois bons exemplos de denúncia profética são o discurso do profeta Ezequiel sobre a função dos líderes do povo (Ez 34 - oráculos contra os falsos pastores) e a denuncia do profeta Elias contra as ambições e maldades de Jezabel e Acab (1Rs 21 – a vinha de Nabot). Ambos corrigem, corajosamente, as atitudes e maquinações dos homens do poder contra o povo indefeso. Eles denunciam a idolatria do poder, a ganância do ter e o descumprimento da justiça e o direito.
Nos ensinamentos de Jesus Cristo podemos observar uma nova ordem ética, em plena continuidade com a Lei e os profetas, no que São Mateus chama de “justiça do Reino de Deus” (6,33). Há um posicionamento claro de Jesus quanto à edificação de uma nova ordem social, política e econômica baseada na justiça e no direito, presente no ideal do Reino de Deus que Ele vai explicar, catequeticamente, por meio de inúmeras parábolas. E, por outro lado, há uma forte contestação ao idealismo teocrático e puritano defendido pelos Fariseus e Zelotas, ao colaboracionismo dos Saduceus e Herodianos, ao legalismo dos Escribas e Sacerdotes e ao isolamento dos Essênios.
Jesus apresenta aos seus discípulos e às multidões um pensar e um agir humano muito elevados tais como: o papel da autoridade é servir e não ser servido e que o maior é o servo de todos (Mt 10,17-18; Mc 10,24); a origem do poder vem de Deus, por isto deve ser exercido como Deus exerceu através do seu Filho Jesus, dando a sua vida pelo povo (Jo 10); a crítica ao rei Herodes, acusando-o de “raposa” ou corrupto era necessária para conversão do próprio rei e do povo (Lc 13,31-32).
A ética do Reino de Deus pode ser sintetizada a partir do princípio do cuidado e da responsabilidade (parábola do bom samaritano Lc 10,29s); do princípio da justiça (parábola sobre os trabalhadores da vinha Mt 20,1-16); do princípio da misericórdia (parábola do filho pródigo Lc 15,11s); do princípio da cooperação (a regra de ouro da vida cristã Mt 7,12).
Na fonte histórico-sociológica encontramos pensadores como Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomaz de Aquino, por exemplos, que idealizaram o Estado com uma função religiosa e social em vista do bem comum; na idade média (filosofia cristã) temos uma espécie de integralismo ético onde a política se confunde com a ética. Mais tarde, com o pensamento moderno (Maquiavel, T. Hobbes, B. Montesquieu, Houssoau, Marx, Engels) temos o que se chamou de realismo político, uma espécie de secularismo moderno onde a ética ficou à margem da política. No pensamento moderno, tanto o capitalismo quanto o socialismo carecem da primazia da ética: um sabe produzir mas não sabe distribuir o outro, sabe distribuir mas não sabe produzir; um promove as liberdades individuais em detrimento dos valores da comunitariedade e da sociabilidade o outro, limita as liberdades individuais em detrimento dos valores comunitários e institucionais. O neoliberalismo pós-moderno enterrou definitivamente a ética, dando absoluto valor ao capital, ao mercado e ao lucro. Isto é, maior concentração dos lucros e maior socialização das misérias. Realizar “todos os desejos” é a grande e fascinante promessa do mundo do consume e da pose.
Agora podemos sintetizar os fundamentos da ética na política numa perspectiva de integração entre o pensamento laico e o pensamento religioso assim: moralizando a política e politizando a ética. Isto é, o ideal ético só será encontrado na política moralizada e na ética politizada, tendo como princípios fundamentais o valor integral da pessoa humana, o bem comum e o cuidado com o ecossistema (Compêndio de Moral Social) como vocação e não como obrigação. A moral cristã ilumina a participação do cristão na política partidária em vista da construção de uma sociedade politicamente democrática, socialmente justa, pedagogicamente solidária, economicamente distributiva e culturalmente cooperativa. A diferença entre o ideal ético do pensamento laico com aquele religioso é que um se encerra na história e o outro para além-história.
A doutrina social da Igreja considera a participação do cristão na política como uma forma elevada do exercício da caridade, uma maneira exigente de viver o compromisso cristão a serviço do próximo.
Sugestões de leituras: O Princípio da Cooperação de Maurício Abdala e A Força Ética e Espiritual da Teologia da Libertação de Pablo Richard.
(Pe. Elias Ramalho Gomes)