Um Padre no divã

 


         Reencontrei-me com a psicanálise oito anos após ter sido convidado pelo meu professor de História de Israel, Marcelo Veloso, a conhecer o divã. Nas palavras dele, àquela época, no primeiro ano do curso de filosofia do Seminário, eu precisava encontrar-me comigo mesmo, ainda segundo ele, isso mudaria muito a minha vida. Como bom seminarista, eu desconfiei. Já naquele tempo eu sabia, superficialmente, que a psicanálise havia sido construída por Sigmund Freud e que esse indivíduo era um dos mestres da suspeita que havia declarado, juntamente com  Marx e Nietzsche, "a morte de Deus".
         Deus me livre! Quero negócio com isso não! Vou ser um padre e não posso me bandear pra essas coisas. Como o diabo fugindo da cruz, disse o meu NÃO ao professor e escutei dele o que soou, à época, como uma maldição: "Você vai se arrepender!"
         Mesmo diante da negativa, o sábio professor, com o seu traquejo de filósofo e psicanalista, não desistiu. Estudei com ele, além de história de Israel, exegese, hermenêutica e hagiógrafos e sempre no final das aulas ele aproximava-se, sorrateiramente, e, como um vendedor, dizia: "Você vai se arrepender!" Além desse mantra inquietante, não raro, me trazia textos extra-curriculares. Ele me apresentou o pensamento de Gilles Deleuze e me emprestou Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, a primeira obra filosófica que li. Na primeira leitura tive a impressão de ser o mais burro de todos os homens, não entendi nada. Mas, como eu sabia que o professor ia perguntar da obra, li uma segunda e uma terceira vez, e aí amigos... já era. Leiam também.
         Marcelo deixou o instituto e me deixou "em paz", ou não. Oito anos depois, já padre, descobri que precisava ir ao divã. A maldição do velho mestre foi infalível. Na análise tenho descoberto coisas que assustam e encantam ao mesmo tempo. Dentre as muitas descobertas, existem algumas que posso e gostaria de partilhar com vocês.
         A primeira delas é que viver o real é impossível e que carecemos de uma fantasia que dê sentido ao nosso hoje - amanhã talvez precisemos de outra.
Mas, a fantasia não pode ser qualquer uma, ela tem que ser forte. Viver, portanto, é um contínuo atravessar fantasias. As fantasias são os nossos significantes que não podem ser significados.
         O nosso maior esforço consiste em esconder quem realmente nós somos, por mais que digamos que somos nós mesmos.  E esse eu escondido é o meu inferno - Sartre devia ter-se explicado melhor.
         A pessoa que busca a nossa ajuda o faz porque não é sujeito de sua vida e de sua história. Mas, contraditoriamente, busca respostas e explicações de um outro. Porém, o seu desejo é exatamente o de ser sujeito. Então, tudo o que não podemos e não devemos é dar respostas existenciais. Elas são absolutamente subjetivas.
         Enfim, além de todas as descobertas, a psicanálise tem me ajudado profundamente a conhecer melhor os meandros do universo religioso, em todas as suas dimensões. Porém, o grande problema é que Freud, ao contrário do que sempre ouvimos, não explica - implica.