Meu leite e meu mel

O LEITE E O MEL

                              Por Francisco Almeida         

        Por séculos a fio o povo da Bíblia sonhou com uma vida digna, com uma terra onde correria leite e mel. Este sonho foi sempre corroborado pelo próprio Javé que exortou o velho Abraão a deixar a sua terra, na Mesopotâmia, e partir em busca da terra prometida. Parece que as coisas não saíram como havia sido prometido. Ao chegar a tal terra Abraão não encontrou a fartura divulgada; precisou partir para o Egito onde se submeteu aos jogos do soberano colocando inclusive a própria esposa Sara como moeda de troca da dignidade mendigada. Anos depois, Abraão voltou, com parte de sua gente, para a Terra Bendita de Canaã. No Egito ficaram alguns dos seus que, anos mais tarde, padeceriam o jugo da escravidão do faraó.         

         Neste ínterim, Jacó, neto de Abraão, precisou enviar ao Egito os seus filhos para buscar alimentos uma vez que Canaã padecia de uma grande fome provocada por longa estiagem.

Passaram-se os anos e o jugo da escravidão egípcia ficou ainda mais pesado e insuportável. O povo clamava a intervenção de Javé que chamou um hebreu criado no palácio do faraó para liderar o povo na difícil missão de retirada do Egito. Assim se fez. Moisés, apesar de relutar frente a proposta de Javé, decide, auxiliado por Aarão, conduzir os hebreus à “Terra Prometida” do leite e do mel. Por longo tempo tentou-se convencer o faraó a libertar os hebreus. Castigos foram infligidos sobre os egípcios até que a fuga tornou-se uma realidade, o sofrimento que a acompanhou distinguia-se da escravidão apenas pela esperança de tempos melhores. Por décadas caminharam pelo deserto enfrentando todos os tipos de intempéries. Enfim Jericó, porta de Canaã, cujas muralhas careceram ser derrubadas a custa de muita perseverança. Alegoricamente a odisséia dos hebreus parecia ter um final feliz – enfim a “Terra do leite e do mel.” Organizaram-se em tribos e espalharam-se pelos escassos territórios desocupados, não sem a resistência dos que ali, a muito, já tentavam encontrar o leite e o mel. As terras inférteis impediam o cultivo, o que resultava no fantasma da fome que assolava os habitantes. Conflitos, disputas por terras e o sonho de uma nação forte e próspera, ao modo dos vizinhos levaram o povo a pedir um rei. Apesar da resistência de alguns, foi-lhes concedido um rei. Inaugurava-se um novo momento na história dos hebreus de Javé - a monarquia.        

 Não demorou para que a opção feita se revelasse um desastre. A prepotência real, a ganância da corte e os tributos cobrados para a manutenção da mesma geraram uma inquietação geral. As relações com países vizinhos provocaram ciúmes e insatisfação a ponto de os reis de Canaã lançarem mão dos mesmos instrumentos de dominação dos demais reinos para conter o tumulto social. Era o fim da liberdade. Para complicar ainda mais a situação, sucessivas invasões de estrangeiros levaram o povo ao clamor generalizado. Javé parecia ter abandonado o seu povo. E uma pergunta continuava entalada na garganta: onde está a Terra do Leite e do Mel?