Recomendado pelo cardeal Dom Raymundo Damasceno e por outros prelados da Igreja, o filme Aparecida – O milagre, da cineastaTizuka Yamasaki, apareceu no mercado como uma novidade na filmografia religiosa brasileira. No entanto, a importância de Nossa Senhora Aparecida na devoção popular já havia chamado a atenção do nosso cinema desde seus primórdios. Há registro de vários filmes produzidos nas duas primeiras décadas da nossa cinematografia. O longa-metragem Milagres de Nossa Senhora Aparecida, de Arturo Carrari, por exemplo, é de 1919. A filmografia do campo religioso não é tão escassa assim no cinema nacional. Somos um povo de forte índole religiosa e a sua representação não é estranha à nossa cultura. Hoje, vivemos um interessante momento de ressurgimento religioso, que o cinema vem captando na tentativa de ampliar a audiência junto ao público. Filmes que abordam crenças diversas têm conseguido bons resultados de bilheteria. Basta lembrar as mais recentes produções envolvendo a figura de Chico Xavier, como Nosso lar, de Wagner de Assis, um sucesso indiscutível de público. Também os filmes protagonizados pelo padre Marcelo Rossi obtiveram excelentes resultados de bilheteria. Assim, Aparecida – O milagre não é propriamente uma resposta católica às outras denominações religiosas. É sim a afirmação de uma crença centenária que alicerça a fé do nosso povo.
Ajuste do espírito – A história narrada pelo filme diz respeito a uma situação de vida bastante contemporânea. Aborda a jornada de conversão de seu personagem central.
Esse trajeto se estrutura a partir do conflito entre pai e filho. O primeiro viu o próprio pai morrer num acidente durante a construção do Santuário, onde trabalhava como operário. O segundo, uma vocação nata de artista que está lutando para se liberar das drogas. Ao mesmo tempo, as relações familiares se apresentam deterioradas, causando a separação do casal. O cenário é de situações críticas cada vez mais agudas. E é exatamente nesse processo existencial grave que se dá a jornada de autorreflexão, que termina pela graça da conversão. Portanto, uma história sem grandes novidades no campo da ficção audiovisual. No entanto, ao contrário de outras histórias de conflitos existenciais, esta se fundamenta no sentido da vida relacionada ao transcendente. A religiosidade está presente ao longo de toda a narrativa. Não apenas nas relações entre personagens, mas também no ambiente em que se desenrola a ação dramática do filme. Um filho desajustado, drogado e desinteressado nos negócios da família vive, entretanto, o mundo da arte. Significa dizer que a luta para se libertar dos próprios erros passa pelo ajuste do espírito, pela busca de uma identidade que não exatamente a mesma que o pai deseja para o filho.
Cético e sem esperança, é, no entanto, o pai que realiza, em si, a transfiguração do milagre. Nossa Senhora Aparecida é presença representada nas imagens dos interiores das casas, no Santuário e em duas encenações da história de seu aparecimento. A primeira é uma espécie de auto encenado nos espaços laterais da Basílica e a segunda, uma reconstituição de época imaginada pelo protagonista. Estes dois momentos do filme são apresentados com estéticas bem diferenciadas e estão perfeitamente integrados ao espírito vivido pelos personagens. No primeiro, o filho e, no segundo, o pai. A leveza do primeiro contrasta com o tom soturno do segundo, sendo que neste o gesto final representado pelo manto de Nossa Senhora que acolhe o pai é sinal da mudança operada pela graça divina sob a intercessão da nossa Mãe Maria. Essas representações são criativas e narram, de modos diferentes, a mesma história do milagre de Aparecida.
Emoção e religiosidade – O filme tem ainda duas personagens bastante ricas e simbólicas. A primeira, a da mãe do protagonista, interpretada com grande densidade por Bete Mendes, e a segunda uma espécie de executiva do empresário, que, na realidade, se torna o seu anjo da guarda, vivida com descrição e suavidade por Maria Fernanda Candido. O elenco todo está muito bem no filme, com destaque para Murilo Rosa, como pai, e Jonatas Faro, como filho. Cabe ainda considerar a direção de arte de Yurika Yamasaki, pois o filme vive muito de momentos atmosféricos de cenários, figurinos, objetos de cena e efeitos especiais. No conjunto, Aparecida – O milagre é um filme que se assiste com emoção e agrado. A evidente qualidade do filme, no entanto, não está correspondendo às expectativas da produção, que imaginava atingir a um público superior a milhão de espectadores, como base. Muitos fatores podem explicar esse aparente fracasso de bilheteria, pois, seguramente, sua carreira nas salas exibidoras ainda não se encerrou. No entanto, por se tratar de um filme que conjuga emoção com religiosidade, espera-se que possa vir a ter nova vida no formato de DVD, a ser colocado à venda por um preço mais acessível ao do ingresso familiar. Esta parece ser a disposição dos produtores e o desejo dos os católicos que não conseguirem ver o filme nos cinemas.
* Miguel Pereira é professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro (RJ) e crítico de cinema.
Matéria cedida pela Revista Família Cristã
Fonte: Signis Unidade - Rede Católica