O bispo da Prelazia do Xingu (PA), Dom Erwin Kräutler, proferiu palestra na manhã do último sábado (05/03), durante os trabalhos da 46º Assembléia Geral da CNBB. Dom Erwin é um dos bispos ameaçados de morte por causa de seu trabalho junto aos indígenas. “Preparei as palestras vigiado por dois policiais”, disse, referindo-se à proteção constante que lhe é oferecida pelo governo por causa das ameaças.
Em sua primeira palestra, dom Erwin destacou a passagem em que o apóstolo São Paulo afirma que a fé vem pela audição. Recorrendo a diversas passagens bíblicas, dom Erwin mostrou como significado de ouvir. “Na bíblia, além de atender e entender, ouvir significa obedecer; escutar, aceitando a palavra de Deus, a sua lei, as suas exigências”, recordou. “Só se ouve bem com o coração”, disse parafraseando “O Pequeno Príncipe”.
Dom Erwin recorreu, também, à cultura indígena para expressar o significado de ouvir. “Para o povo Kayapó, ouvir tem a ver com fígado. O centro do ouvido é o fígado. Só é bem ouvida a palavra que chega ao fígado. Surda é a pessoa cujo canal até o fígado está obstruído. Assim, os Kayapó diriam: ‘Só se ouve bem com o fígado’”.
Dom Erwin disse, também, que o silêncio é condição indispensável para ouvir a voz de Deus. “Fugir, de vez em quando, deste mundo louco é questão de vida, de sobrevivência física e, muito mais ainda, de sobrevivência espiritual”, acentuou. “Talvez seja esse ainda um privilégio de que os bispos da Amazônia, pelo menos em suas viagens pastorais pelo interior, podem desfrutar. É uma graça especial passar uma noite no barco atracado em alguma árvore à beira de um lago, pântano, igarapé ou rio da Amazônia, bem longe de qualquer habitação humana, sem luz elétrica, sem ouvir sons estridentes de alto-falantes, apenas ouvindo o concerto dos sapos e sapinhos e os gritos das aves noturnas que jamais ferem o silêncio”.
Segundo dom Erwin, “Deus nos fala também pelo seu silêncio, no sofrimento e na tristeza, na perseguição e nas ameaças abertas e veladas, na noite escura do espírito do ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?’”.
Outra dimensão do ouvir, de acordo com dom Erwin, é “dar ouvido ao clamor do povo, não tapar o ouvido diante do grito de dor da humanidade”, disse citando a passagem do livro do Êxodo em que Moisés é chamado a libertar o povo de Deus do Egito. “Como Deus desce para libertar o povo da casa da escravidão, a Igreja, o bispo, cada cristão, cada cristã desce e se solidariza”, lembrou. “Ouvimos o grito dos povos indígenas deste país, sempre de novo ameaçados em sua sobrevivência, confinados num espaço insuficiente que os leva ao desespero do suicídio, enfermos sem assistência, desprezados e maltratados”.
Fonte: CNBB