Igreja celebra 28 anos da morte de Dom Romero

"Estamos, talvez, nos resignando a uma paisagm plana, sem cumes de profetismo, dentro de um cristianismo intimista, sem projeção na sociedade. Que «São Romero da América» nos preserve deste perigo" (Constanzo Donegana)

A Igreja da América Latina celebra nesta segunda-feira (24/03) a memória do martírio de Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado em 1980, por sua atuação em defesa dos direitos humanos.

Assassinado durante celebraçãoDom Romero foi assassinado com um tiro no peito por militares do exército salvadorenho, quando celebrava a eucaristia em um hospital para doentes de câncer, na capital de El Salvador. Caiu aos pés do altar (veja foto ao lado), em meio aos doentes e enfermeiros, seu sangue “misturado com o sangue de Cristo que ele momentos antes acabara de consagrar”. Eis um trecho de sua última homilia: “... Vocês acabam de ouvir, no Evangelho de Cristo, que as pessoas não devem amar tanto a si mesmas e cercarem-se de cuidados para evitar os riscos da vida que a história nos exige, pois quem quiser afastar de si o perigo acabará perdendo a sua vida. Em contrapartida, aquele que se entrega por amor a Cristo a serviço dos outros viverá como o grão de trigo que morre, mas só morre aparentemente. Se não morresse, permaneceria só. Mas a colheita só existe porque ele morre, deixa-se imolar nesta terra, desfazendo-se – e só se desfazendo é que ele produz a colheita... Esta santa missa, esta Eucaristia, portanto, é precisamente um ato de fé: pela fé cristã, parece que neste momento a voz da diatribe converte-se no corpo do Senhor, que se ofereceu pela redenção do mundo, e neste cálice, cujo vinho se transforma no sangue que foi o preço da salvação. Que este corpo imolado e este sangue sacrificado pelos homens nos alimentem, para que, como Cristo, também saibamos dar nosso corpo e nosso sangue no sofrimento e na dor, não por nós mesmos, mas para trazer justiça e paz para o nosso povo. Na fé e na esperança, unamo-nos intimamente neste momento de oração, por dona Sarita e por nós mesmos...” Nesse momento, soou o disparo mortal... Era por volta das 17 horas do dia 24 de março de 1980.

Passados vinte e oito anos do assassinato, a morte de Dom Oscar continua “um símbolo de impunidade" na América Latina. O mandante do crime, major Roberto D'Aubuisson Arrieta, faleceu em 1992, sem jamais ser investigado pelo assassinado do arcebispo.

Antes de mártir, um profeta:

Poucos dias antes de ser assassinado, Dom Romero anotou em seu diário: "Freqüentemente, tenho sido ameaçado. Como cristão, não creio em morte sem ressurreição. Se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho. (...) Como pastor, estou obrigado a dar a vida por aqueles que amo que são todos os salvadorenhos, até pelos que vão me assassinar. Ofereço a Deus o meu sangue pela redenção e pela ressurreição de El Salvador. O martírio é uma graça que não creio merecer. Mas, se Deus aceita o sacrifício da minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e o sinal de que, em breve, a esperança se tornará realidade..."

Em 1988, em seu livro O Caminhar da Igreja com os Oprimidos, publicado pela editora Vozes, o teólogo Leonardo Boff escreveu: “Desde 1968 até a presente data contam-se em mais de mil as pessoas ligadas diretamente à Pastoral da Igreja, que foram ou presas, ou torturadas, ou expulsas ou matadas; entre elas há leigos, índios, camponeses, operários, religiosos, padres e alguns bispos. D. Romero entrou para este exército de mártires, o qual, segundo a epístola aos Hebreus, é encabeçado «pelo general da fé», Jesus Cristo (Hb 12, 2).

Dom Romero, o "santo do povo"

Em 2007, a Igreja Luterana de El Salvador enviou carta à UNESCO solicitando que fosse declarado patrimônio mundial da humanidade o local do martírio de Dom Oscar Arnulfo Romero. A justificativa da iniciativa, segundo a carta, deve-se ao fato de que "a capela do hospital, onde o bispo se encontrava em 24 de março de 1980, quando o mataram, converteu-se num lugar de peregrinação visitado por delegações de todo o mundo, que chegam para conhecer o lugar do martírio e a residência de Romero. Seu martírio impactou o mundo e o povo salvadorenho o declarou santo".

Apesar dos apelos do povo salvadorenho, o processo de canonização de Dom Romero caminha a passos lentos na Congregação das Causas dos Santos, em Roma. O Vaticano ainda estuda os documentos sobre o caso do martírio.

TRAJETÓRIA DO ARCEBISPO DOM OSCAR ROMERO

• 1917 – Nasce Oscar Arnulfo Romero, de uma família modesta em Ciudad Barrios (El Salvador).

• 1931– Entra em seminário. Seis anos depois, interrompe os estudos para ajudar a família, em dificuldades, trabalhando por alguns meses nas minas de ouro com os irmãos. De volta ao seminário, é enviado a Roma para estudar teologia.

• 1942 – É ordenado sacerdote; volta a El Salvador e é destinado a uma paróquia do interior, da qual é transferido, em seguida, para a paróquia da catedral de San Miguel, onde realiza um grande trabalho pastoral por 20 anos. Caracteriza-se como sacerdote dedicado à oração e à atividade pastoral, pobre, dando impulso a obras de caridade, mas sem compromisso social evidente.

• 1966 – Eleito secretário da Confer. Episcopal de El Salvador.

• 1970 – É nomeado bispo-auxiliar de San Salvador, cujo bispo, dom Luis Chávez y Gonzalez, está decididamente atualizando a linha pastoral proposta pelo Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín, auxiliado eficazmente por dom Arturo Rivera y Damas, também bispo-auxiliar. Romero não se identifica com algumas linhas pastorais da arquidiocese e deixa transparecer sua tendência conservadora.

• 1974 – É nomeado bispo da diocese de Santiago de Maria. O contexto político se caracteriza por uma forte repressão sobretudo contra as organizações camponesas.

• 1975 – Quando a Guardia Nacional assassina 5 camponeses, Romero celebra uma Missa para as vítimas; não denuncia publicamente o crime, mas escreve uma carta dura ao presidente Molina.

• 1977 – É nomeado arcebispo de El Salvador. Ficam surpreendidos os setores renovadores, que esperavam a nomeação de dom Rivera y Damas. Em 12 de março é assassinado o jesuíta pe. Rutílio Grande, comprometido com o povo e amigo de Romero. É o momento da “conversão” de Romero, quando se coloca corajosamente do lado dos oprimidos, denunciando a repressão e a violência estrutural, numa aliança entre os setores político-militares e econômicos, apoiada pelos Estados Unidos, e que explora o povo. Romero não fica calado também diante das violências da guerrilha revolucionária. O momento mais forte da sua ação, em defesa dos direitos humanos, são as homilias dominicais, nas quais analisa a realidade da semana à luz do evangelho. Transmitidas pela rádio católica, são ouvidas em todo canto do país, dando esperança ao povo e suscitando o ódio dos poderosos.

• 1978 e 1979 – Recebe o doutorado Honoris Causa pelas Universidades de Georgetown (EUA) e de Louvain (Bélgica). Em outubro de 1979, um golpe de estado depõe o ditador Humberto Romero e o poder é assumido por uma Junta de Governo, composta por civis e militares. Mas o exército e as organizações paramilitares assassinam centenas de civis (entre eles vários sacerdotes) e a guerrilha responde com execuções sumárias e destruição das estruturas do país. Nesse mesmo ano, Dom Romero é indicado pelo parlamento britânico para o Prêmio Nobel da Paz, por sua atuação em defesa dos direitos humanos e a luta pela paz. O prêmio acabou indo para Madre Teresa de Calcutá, mas a atuação corajosa do arcebispo salvadorenho desperta a atenção da opinião pública mundial para a violência praticada no continente latino-americano.

• 1980 – Dom Romero escreve ao presidente dos EUA, Carter (17 de fevereiro), pedindo que não envie ajuda militar e econômica ao governo salvadorenho, pois ela favorece a repressão do povo. Na homilia de 23 de março, ele se dirige explicitamente aos homens do exército, da Guardia Nacional e da Polícia:
“Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!”. Serão as últimas palavras do bispo ao país. No dia seguinte, ele é assassinado por um franco-atirador, enquanto reza a missa na capela do Hospital da Divina Providência. O mandante do crime, major Roberto D’Aubuisson, é reconhecido como responsável, mas nunca foi processado.

• 1994 – Abre-se o processo de canonização de dom Romero em San Salvador.

• 1997 – O processo passa para a Congregação das Causas dos Santos em Roma.


* Equipe PASCOM


Fontes:

CNBB - Regional Sul I (http://www.cnbbsul1.org.br/index.php?link=news/read.php&id=3334).

COR - Centro Oscar Romero de Defesa dos Direitos Humanos.

Revista Mundo e Missão (http://www.pime.org.br/mundoemissao/testemunhosromero.htm)