Igreja comemora 89º aniversário do nascimento de Dom José Maria Pires, Arcebispo Emérito da Paraíba

A Igreja Católica no Brasil comemora hoje o 89º aniversário de vida de Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba, conhecido também como D. Zumbi, um profeta dos tempos modernos.

Dom José nasceu em 15 de março de 1919, na cidade de Córregos (MG). Ordenou-se padre em 2 de dezembro de 1941, na cidade de Diamantina (MG). Em 22 de setembro de 1957, foi nomeado bispo de Araçuaí (MP). Assumiu a arquidiocese da Paraíba em 2 de dezembro de 1965, onde permaneceu até seu afastamento, 29 anos mais tarde, em 29 de novembro de 1995, quando se tornou arcebispo emérito.

D. José Maria Pires sempre lutou por uma Igreja participativa, onde leigos e clérigos partilhassem dos mesmos direitos e deveres. Assumiu com coragem a ação pastoral em favor dos pobres, respeitou e promoveu a cultura negra e indígena, e por seu testemunho foi alvo de diversos tipos de perseguições, sobretudo durante os anos de chumbo da ditadura militar pós-64. Sua condição especial de Bispo negro, adepto de uma Teologia Libertadora e sua coragem evangélica, tornou-o um símbolo de resistência, dentro e fora da Igreja.

Parabéns, Dom Zumbi!

* Equipe Pascom


CURIOSIDADES:

1 - Dados biográficos:

Lema: “Scientiam Salutis” (A Ciência da Salvação)
Nascimento: 15 de março de 1919
Local: Córregos – MG
Filiação: Eleutério Augusto Pires e Pedrelina Maria de Jesus
Ordenação Presbiteral: 20 de dezembro de 1941
Local: Diamantina – MG
Nomeação Episcopal: 25 de maio de 1957
Ordenação Episcopal: 22 de setembro de 1957
Local: Diamantina – MG
Data de Arcebispo: 2 de dezembro de 1965
Data da Renúncia: 29 de novembro de 1995
Estudos: Filosofia (Seminário de Diamantina/MG, 1936-1937) e Teologia (Seminário de Diamantina/MG, 1938-1941).
Atividades antes do episcopado: Pároco de Açucena/MG (1943-1946); Diretor do Colégio Ibituruna, em Governador Valadares/MG (1946-1953); Missionário Diocesano (1953-1955); e Pároco de Curvelo/MG (1956-1957).
Atividades como bispo: Bispo de Araçuaí/MG (1957-1965); Participante do Concíclio Vaticano II; Secretário Nacional das Vocações (1968); membro e depois Presidente do Conselho Diretor Nacional do Movimento de Educação de Base (1970); Arcebispo da Paraíba - PB (1966-1995); Membro da Comissão Central da CNBB; Presidente da Comissão Episcopal Regional NE 2 (1979-1983); responsável pelo setor de Pastoral Urbana (1984); responsável pelo setor Ecumenismo (1990); membro da Comissão Representativa Integrante da Delegação Brasileira ao CELAM (Conferência Episcopal Latino Americana) de Medellin e de Santo Domingo; membro do Depto. de Comunicações Sociais do CELAM; representante da CNBB na IV Conferência Mundial das Religiões para a Paz, em Melbourne, Austrália, em 1989; Pároco de Córregos e de Santo Antônio do Norte (a partir de 1995); responsável pela Linha de Catequese e pelo setor dos Centros de Defesa dos Direitos Humanos no Regional NE II, em 1997.
Livros de sua autoria: “Do Centro para a Margem” (Vozes); “Cartas Pastorais”; “Cultura, Igreja e Liberdade” (PUC-MG 1999); “Religião e Desenvolvimento” (SEBRAE-PB 2000).
Site da Fundação Dom José Maria Pires: http://www.clicpronto.com.br/fdjmp.org.br/
Residência: Rua Fernando Magalhães Gomes, 273 – Itapoá, CEP 31.710-250 - Belo Horizonte, MG
Correio eletrônico: jomapir@yahoo.com.br

2 - Homilia D. José Maria Pires, arcebispo emérito de João Pessoa, para a Missa de ação-de-graças pelos 65 anos sacerdotais de Dom Hélder:


“O Todo-Poderoso fez por mim grandes coisas” (Lc 1,49)

Por que não colocar nos lábios do filho as palavras de louvor que acabamos de ouvir, saídas da boca e do coração da Mãe? A Virgem Maria, fazendo um retrospecto da história de Israel, podia assinalar a realização do desígnio de Deus reservado para a plenitude dos tempos. Podia reconhecer que essa maravilha se concretizou por meio dela, o instrumento escolhido por Deus.

O que diremos nós, o que dirá a Igreja de Olinda e Recife, a Igreja do Brasil, o que dirá nosso querido e venerando pastor Dom Hélder Câmara, ao lançar o olhar sobre estes 65 anos de vida sacerdotal que hoje alegremente comemoramos? Não tem ele o direito e o dever de cantar com Maria: “O Todo-Poderoso fez por mim grandes coisas”?

Recordar essas “grandes coisas” não é vaidade, não é vã glória. É recordar como Maria recordou os motivos especiais de glorificar o Senhor: “Minha alma exalta o Senhor e meu espírito se encheu de júbilo por causa de Deus, meu salvador”.(Lc 1,47)

Senhor Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote!

Os promotores desta homenagem encarregaram-me da louvação. Certamente não pensavam numa louvação a Dom Hélder mas a Ti, ó Cristo que és sempre o Presidente Maior desta Celebração Eucarística na qual Te fazes visível através de nosso humilde ministério. Não a nós, Senhor! A nós, a Dom Hélder, a todos os Teus discípulos e discípulas, concelebrantes também eles e elas da divina Liturgia, cabe sempre a atitude de humildade recomendada por Ti no Evangelho: “Quando fizerdes tudo o que vos foi ordenado, dizei: ‘Somos uns servos quaisquer. Não fizemos mais do que nosso dever’ “(Lc 17, 10).

Nós Te louvamos, Senhor, porque o Ceará existe e de lá, de Messejana, chamaste um jovem ardoroso, ordenado presbítero com apenas 22 anos e, cinco anos depois, o fizeste migrar, como tantos milhões de outros nordestinos, para o Rio de Janeiro.

Nós Te bendizemos porque a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM) germinaram e vieram a lume no coração e na mente de Dom Hélder antes mesmo de ele ser bispo.

Nós Te louvamos pela Ação Católica de que ele foi Assistente Nacional, Ação Católica que formou tantos militantes leigos e deu à Igreja do Brasil os quadros de que ela necessitava para fazer-se presente e atuante no mundo.

Nós Te louvamos e bendizemos pelo 36º Congresso Eucarístico Internacional celebrado no Rio de Janeiro, organizado, animado e orientado por dois servos Teus, Dom José Vicente Távora e Dom Hélder Câmara.

Nós Te louvamos porque, naquele período, não foi só a Igreja a beneficiária de Tuas graças escolhidas. Também a Sociedade civil, formada majoritariamente de pobres, pôde acolher Tuas dádivas, passadas pelas mãos do teu servo Hélder Câmara. Ou não foi benefício Teu a Cruzada São Sebastião visando ao desfavelamento do Rio? E o Banco da Providência fugindo ao assistencialismo e buscando a promoção humana? E a SUDENE, Senhor? Ela também é desse tempo de graça. Quem teve a audácia de reunir bispos e políticos a fim de refletir os problemas do desenvolvimento do Nordeste e encaminhar soluções concretas?

Os anos sessenta trouxeram mudanças profundas para a Igreja e para nosso país. Dois acontecimentos marcantes, um eclesial outro político, modificaram o curso da história da Igreja no Brasil: a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II e o Golpe Militar de 31 de março de 1964. A Igreja não podia ser mais a mesma da primeira metade do século e Dom Hélder já não podia ser mais o mesmo dos tempos do Concílio de Trento ou do tempo em que o Brasil vivia sob regime democrático. A realidade era outra.

A Igreja do Vaticano II apresenta-se com novo enfoque: Povo de Deus mais do que Hierarquia, Comunidade mais do que Sociedade, inserida no mundo mais do ao lado do mundo, servidora e não senhora, defensora da verdade e não sua proprietária.

Tão logo foi dado o Golpe Militar, estando ainda em andamento o Vaticano II, fazes, ó Jesus, Teu servo Hélder Câmara retornar ao Nordeste e o colocas no fogo cruzado de uma Igreja em transformação e de uma sociedade civil submetida a Ditadura Militar.

Com Dom Hélder à frente, foste conduzindo os acontecimentos de tal modo que, no Recife e no Nordeste II, a Igreja Tridentina foi dando lugar à Igreja Vaticano II.

O clero foi se sentindo presbitério, co-responsável com seu Bispo pela caminhada da Igreja local. Os leigos foram se organizando em comunidades, em movimentos, associações e setores pastorais e, sem se afastarem da comunhão com a Hierarquia, reconheceram sua autonomia e passaram a assumir suas responsabilidades na evangelização e a dar conscientemente sua indispensável contribuição na construção do Reino de Paz e de Justiça.

Os jovens, afastados da participação social e política pela Revolução de 64, contaram com a simpatia e a acolhida da Igreja de Olinda e Recife que chegou a oferecer-lhe a vida e o sangue de um de seus filhos mais queridos, a testemunha fiel, o mártir Pe. Antônio Henrique.

Mais do que qualquer outra no Brasil de então, a Igreja de Olinda e Recife tornara-se uma referência, um espaço de liberdade para quantos buscavam uma sociedade livre e igualitária. Ela se fez a voz dos que não tinham voz.

Com Dom Hélder, Deus se serviu de coisas muito simples e de pessoas bem humildes para iniciar nesta Igreja o processo de entrada em vigor das mensagens do Vaticano II. O que é um programa radiofônico de meia-hora? O que valem grupos de rádio-ouvintes que, depois de escutarem a fala do Bispo, se concentram para refletir e rezar as perguntas lançadas no programa? Verdadeiro Encontro de Irmãos e Irmãs dos quais surgiram tantas Comunidades Eclesiais de Base!

Para dar uma demonstração de que é possível com pouco dinheiro e muita solidariedade, resolver os problemas sociais, inspirastes, Senhor Jesus, a Operação Esperança que surgiu para manter viva a chama de uma nova sociedade sem famintos e sem desabrigados.

Nós Te bendizemos porque no Rio e no Recife, não deixastes Teu servo sozinho. A ele associaste um grupo voluntário de homens e mulheres, peritos nas ciências e nas artes, desde a Teologia, a Sociologia, a Economia, a Política ou os Meios de Comunicação até a redação, o desenho, a datilografia e a mecanografia. O grupo de voluntários era numeroso. É impossível enumerar todos os seus componentes. Mas permite, ó Cristo, que Te agradeçamos o trabalho de todos e de cada um, o apoio que deram à Tua causa e a assessoria qualificada que prestaram a Teu servo Hélder. Deixa que nosso agradecimento chegue a todos na saudosa menção que fazemos aqui de dois que já vêem Tua face gloriosa: Cecilinha, no Rio e Dom Lamartine, no Recife. Por eles sabemos e sentimos que esta comunidade de irmãos aqui reunida está em total comunhão com a Igreja Celeste de que eles já participam.

Senhor, lembramos fatos recentes mas todos pertencentes já ao passado. Um passado sem o qual este presente seria outro ou nem seria. Mas Dom Hélder não é homem do passado nem é homem de parar no presente: ele olha o futuro, ele caminha para o futuro. Por todo mundo repercute seu grito: Ano 2.000 sem miséria! Grito que tem inspirado as Campanhas contra a fome e contra a miséria e em favor da cidadania. É a volta ao paraíso. Utopia que, no coração de Dom Hélder e no Teu Coração, ó Cristo, deve transformar-se em realidade para todos os filhos e filhas de Deus, para todos os irmãos e irmãs pelos quais derramaste Teu sangue.

A Igreja de Olinda e Recife não pode deixar no chão essas bandeiras nem pode permitir que passem a outras mãos. Deve empunhá-las e assumir a vanguarda da luta pelo Reino. Dom Hélder deu a esta Igreja uma dimensão que ultrapassa os limites geográficos da Diocese. Atinge todo o Nordeste, terra de sofrimentos, de injustiças mas de esperança também. Sobretudo de esperança. Dom Hélder continua sendo para todos nós fonte de inspiração e de força.

Ele é ainda pastor desta Igreja. Pastor Emérito não deixa de ser pastor. Como um pai que transfere aos filhos a condução dos negócios da família, mas permanece presente, assim o coração de Dom Hélder, enquanto pulsar, será o que foi durante tantos anos: o coração do pastor de Olinda e Recife.

Há uma contribuição de primeira ordem que ele pode dar e a que não se nega: fazer o que Moisés fez na colina de onde acompanhava o combate dos israelitas: orar. E a prece de Dom Hélder será, para todos nós, tão útil e poderosa quanto a de Moisés para o povo de Deus daquele tempo. (Cf. Ex 17, 10-12 )

Senhor, a louvação prossegue. Mas passamos-Te a palavra. És Tu que irás conduzir o louvor daqui para a frente apresentando ao Pai a louvação que quisemos tributar-Te pela vida e pelos 65 anos de ministério sacerdotal de Teu servidor Hélder Câmara.

Nosso louvor, por Ti assumido, torna-se agora Eucaristia.

Permite que coloquemos em Tuas mãos uma prece por esta Igreja. Nosso pedido é semelhante ao que Eliseu dirigiu ao profeta Elias antes que ele fosse arrebatado em carro de fogo:

Dá à Tua Igreja de Olinda e Recife o espírito do profeta Hélder, mas dá em dobro. Amém!

3 - Depoimento do economista paraibano Luiz Carlos Bresser-Pereira, publicado no livro “Dom José Maria Pires uma voz fiel à mudança social”, organizado por Sampaio Geraldo Lopes Ribeiro, com os pronunciamentos de Dom José Maria Pires enquanto foi arcebispo de João Pessoa (editora Paulus).


O Herói Prudente

Conheci Dom José Maria Pires nos anos 70, quando ele era bispo de João Pessoa. Informado do trabalho social e político que vinha realizando, decidi usar as minhas férias e de minha família, em julho de 1973, para oferecer a Dom José alguma assessoria de ordem econômica e administrativa. Dom José recebeu com alegria minha oferta. E passei três semanas em João Pessoa, visitando as comunidades rurais auto-geridas, às quais ele dedicava enorme entusiasmo, e às comunidades rurais de base, que então surgiam no Brasil, e das quais ele foi um dos pioneiros. Não creio que minha assessoria tenha valido grande coisa, mas aprendi a conhecer um grande cidadão e bispo da Igreja.

Naqueles anos de chumbo da ditadura militar, Dom José foi, juntamente com o cardeal Dom Paulo Arns, e mais alguns outros grandes bispos brasileiros, um dos heróis da luta contra a violência e a tortura. Herói porque precisou de muita coragem para fazer o que fez, mas herói prudente, porque nunca se esqueceu de suas responsabilidades como bispo da Igreja.

O mineiro Dom José Maria Pires é um homem de posições firmes e claras. Um homem de esquerda, preocupado com a justiça, e pronto a arriscar a ordem em nome dela. A ordem é naturalmente, para ele, um bem político fundamental, mas, ao contrário do que afirmam os conservadores, não se pode sacrificar tudo a ela.

Como todo homem de esquerda, Dom José tem seu grão de utopia, que, naqueles anos, se manifestava nas comunidades rurais auto-geridas. O socialismo democrático concretizar-se-á no dia que a maioria das empresas puderem ser organizações auto-geridas eficientes. Acredito nesse sonho, mas, como disse então a Dom José, estávamos ainda muito longe de poder alcançá-lo. Suas comunidades rurais, dirigidas por agricultores com reduzido nível de educação, e rodeadas por empresas capitalista, tinham pouca chance de verdadeiro êxito.

A vida, porém, não se mede por nossas realizações mas por nosso esforço, dedicação, prudência e coragem. Dom José Maria Pires pode não haver realizado todos os seus sonhos, mas a vida deste grande bispo da Igreja vem sendo marcada por essas virtudes republicanas.”

* Luiz Carlos Bresser-Pereira, é economista. Exerceu o cargo de Ministro da Fazenda e da Administração Federal, no Governo FHC.


Fontes:

1 - Sobre a biografia de Dom José Maria Pires, consultar: http://www.igrejanova.jor.br/homjmp.htm.

2 - Sobre o depoimento do ex-minitsro da Fazenda Bresser Pereira, consultar: http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=1428.