Dia dos Mortos

Côn. Vidigal
 
Desde os primeiros tempos do cristianismo nunca foram esquecidas as preces pelos falecidos. No momento de morrer Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, lhe pediu para se lembrar dela “no altar do Senhor, seja lá onde ele estivesse”. Quando se vasculham os testamentos antigos se percebe que príncipes, reis, bispos, fiéis em geral pedem em seus testamentos orações pela salvação de sua alma. Em 998 Santo Odilon, abade de Cluny, ordenou a todos os mosteiros dependentes de sua abadia celebrar um ofício no dia seguinte à solenidade de Todos os Santos, “em memória de todos que tinham repousado em Cristo”. Este uso se expandiu por toda a Igreja e permanece até hoje. Todos são convidados a participar da Santa Missa, manifestando um vasto movimento de solidariedade espiritual. Multidões acorrem aos cemitérios e isto revigora a fé na Comunhão dos Santos, unindo a Igreja viandante da terra à Igreja sofredora do purgatório e à Igreja gloriosa no céu. Neste dia se honram os mortos que já são os santos do céu e os fiéis da Igreja padecente, todos rezando pelas almas do Purgatório, para que, também elas por nós orem, se ali um dia estivermos. Além disto, o Dia de Finados convida a uma reflexão profunda sobre o significado da morte. Ao vir a este mundo o ser racional inicia também sua viagem para deixar um dia esta terra. Nesta caminhada ele luta pela preservação da vida e muitos são os instantes críticos que se lhe surgem através dos anos até ele percebe que suas forças se exaurem. Em qualquer momento, mesmo em plena juventude, uma doença maligna pode cortar sua trajetória terrena. No mundo conturbado de hoje, muitos, infelizmente, os desastres e quem sai numa viagem pode não retornar ao lar e, por culpa do próprio homem, as enfermidades se multiplicam por força inclusive da agressão à própria natureza.  Com o passar do tempo lá se vai a mocidade, a saúde e os entes queridos que desaparecem!  Nos últimos dias de uma vida longa o homem poderia parecer uma flor que murchou, uma árvore sem folhas. O cansaço, as desilusões, os achaques, as indisposições, as moléstias, tudo o faz parecer uma sombra que vai penetrar as paragens das sombras. As últimas palavras de Cristo na Cruz devem ser sempre uma das preces do cristão: “Pai em tuas mãos entrego o meu espírito”. É esta volta feliz para junto do Criador que gera esta certeza de que somente depois da morte que haverá luz, descanso, recompensa, gozo, a ventura sem fel. É lá no reino do Pai que imperará a justiça para sempre. Lá haverá a colheita abundante dos atos virtuosos. Na visão beatífica uma alegria sem fim. O homem anoitece no sepulcro para amanhecer numa eternidade feliz, se ele soube amar a Deus e seguir os seus preceitos. A morte não derrota o cristão verdadeiro, mas, pelo contrário, é sua vitória, pois ela abre uma porta para uma existência ditosa junto do Ser Supremo. Para além da sepultura horizontes lucentes se estendem. Para aquele que foi bom, justo, misericordioso, temente a Deus é o momento sublime da recompensa, de receber o galardão pelos atos bons de sua vida terrena. É o instante de receber o tesouro acumulado no céu, conforme orientara o próprio Cristo (Lc 12,33).  Feliz o homem que nos extremos limites de sua existência pode repousar tranqüilo nas mãos de seu Pai do céu. Para isto é preciso que se viva o  belo  epitáfio de Duns Scoto: “Semel sepultus, bis mortuus”, ou seja, uma vez sepultado, mas duas vezes morto. Com efeito, é preciso estar em vida morto para os prazeres ilícitos, para o vício, para o pecado, para o mal. Como muito bem disse o poeta, “mortos não são aqueles que jazem numa tumba fria, mortos são os que têm morta a alma e vivem todavia”. Estes foram sepultados duas vezes e não uma, pois já jaziam na catacumba de seus delíquios, de sua maldade, de sua perversidade. A revelação da boa morte é a boa vida.  A morte para os que não seguiram a Cristo é terrível: uma vida que se acaba e uma eternidade infeliz que se inicia! Que aflição, que angústia para quem não correspondeu aos desígnios divinos e não cumpriu sua missão neste mundo! No momento da morte o que vai dar desgosto a cada um é o que buscou por seu próprio gosto e, muitas vezes, com tanto sacrifício inútil em busca de gozos passageiros, ilusórios. Quantos gostariam de voltar no tempo para refazer seus atos, mas já é tarde. Morrer em graça e ver garantida a salvação, eis o que mais deve preocupar quem tem bom senso neste mundo, pois tudo mais é secundário e só vai causar ansiedade ao se deixar esta terra. Rezar pelos mortos e se preparar para a morte, eis a mensagem do dia dois de novembro.
 
Fonte: Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Local:Mariana (MG)