Supremo Tribunal Federal adia decisão sobre pesquisas com células de embrião

O Supremo Tribunal Federal iniciou nesta quarta-feira (05/03) o julgamento da ação que irá decidir o futuro das pesquisas com células-tronco embrionárias no país. A ação foi proposta pela Procuradoria-Geral da República e contesta a constitucionalidade do artigo 5º da Lei Federal nº 11.105/05 (“Lei da Biossegurança”), que permite a utilização, para fins de pesquisa e terapia, de células obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. Na opinião do ministro do STF Carlos Ayres Britto, relator do processo, não existe qualquer impedimento de ordem jurídica para o uso de células-tronco embrionárias nas pesquisas. “Os controles estabelecidos pela Lei de Biossegurança conciliam adequadamente os valores envolvidos, possibilitando os avanços da ciência em defesa da vida e o respeito aos padrões éticos de nossa sociedade”, disse. Além dele, votou a favor das pesquisas a ministra Ellen Gracie, presidente da Corte. O julgamento foi interrompido a pedido do ministro Menezes Direito, que requereu vista do processo para melhor exame da matéria. O julgamento não tem data para ser retomado.

Em seu voto de mais de setenta páginas, Ayres Britto ressaltou o caráter histórico do julgamento e lembrou que pela primeira vez em sua história, o Supremo Tribunal Federal abriu suas portas para dialogar com cientistas não pertencentes à área jurídica. “O tema central da presente ação é multidisciplinar, sendo objeto de estudo de numerosos setores do saber humano formal, como o Direito, a filosofia, a religião, a ética, a antropologia e as ciências médicas e biológicas, notadamente a genética e a embriologia”, acrescentou.

O Ministro enfatizou também o papel das células-tronco no enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que, segundo ele, limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e degradam a vida de expressivo contingente populacional. “A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significa um desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro, menos ainda um frio assassinato, porém u’a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio”, afirmou.

Ayres Brito disse ainda que “se todo casal tem o direito de procriar; se esse direito pode passar por sucessivos testes de fecundação in vitro; se é da contingência do cultivo ou testes in vitro a produção de embriões em número superior à disposição do casal para aproveitá-los procriativamente; se não existe, enfim, o dever legal do casal quanto a esse cabal aproveitamento genético, então as alternativas que restavam à Lei de Biossegurança eram somente estas: a primeira, condenar os embriões à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de ensaio; a segunda, deixar que os estabelecimentos médicos de procriação assistida prosseguissem em sua faina de jogar no lixo tudo quanto fosse embrião não-requestado para o fim de procriação humana; a terceira opção estaria, exatamente, na autorização que fez o art. 5º da Lei”.

Outro argumento apresentado pelo Ministro foi a polêmica discussão envolvendo a natureza do embrião congelado. Para o ministro, o embrião in vitro não utilizado “é algo que jamais será alguém”, pois “faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação. Numa palavra, não há cérebro. Nem concluído nem em formação. Pessoa humana, por conseqüência, não existe nem mesmo como potencialidade”.

OPINIÕES DIVERSAS SOBRE A MATÉRIA

Na Corte, além do Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, também falou pela inconstitucionalidade das pesquisas o advogado Ives Gandra Martins, representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O advogado reforçou os argumentos apresentados pelo Procurador-Geral, lembrando que a vida começa na fecundação e que a ciência não pode transformar o zigoto em cobaia humana.

Para o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, defensor da legalidade das pesquisas, o feto não pode ser tratado como ser humano. “Juridicamente, o feto é diferente de pessoas”, e completou “a Advocacia Geral da União e o presidente Lula esperam pela improcedência da ação”.

Pelo Congresso Nacional falou o advogado Leonardo Mundim, para quem proibir as pesquisas é o mesmo que fechar os olhos à realidade. Para ele, os testes com embriôes continuarão acontecendo na clandestinidade. “Não é melhor fiscalizar?”, perguntou. Mundim salientou que 97% dos embriões in vitro existentes no país ficam esquecidos nas clínicas de fertilização e têm como destino certo o lixo. “Ou o Brasil produz ciência ou vai ter que importar os medicamentos feitos com células-tronco embrionárias.”

“Não posso ver nessa lei uma afronta grave à Constituição”, declarou o advogado Oscar Vilhena, que representa os interesses da ONG Conectas Direitos Humanos. Para Vilhena, a Lei de Biossegurança objetiva a maximização do direito à vida daqueles que perderam a expectativa.

Luís Roberto Barroso, professor de Direito Constitucional e advogado do Movimento em Prol da Vida, apontou: “Não estamos falando de embriões criados para a pesquisa. Estamos falando de embriões que já existem. Não se cria vida para se destruir com pesquisa.” Segundo Barroso, negar as pesquisas sacrificaria a ciência e a esperança de salvação das pessoas por nada, já que não mudaria o destino dos embriões inviáveis e congelados. “Não há vida em potencial nesses embriões.”

Depois de tantas manifestações e da leitura do voto do relator, o ministro Celso de Mello, membro mais antigo da Corte, pediu a palavra para elogiar seu colega. “O voto representa a aurora do novo tempo impregnado de esperança para aqueles revestidos de incertezas”, disse. Seus elogios anteciparam sua posição sobre o assunto.

A POSIÇÃO DA IGREJA

Em entrevista coletiva à imprensa, na tarde do ultimo dia 28 de fevereiro, a Presidência da CNBB reafirmou a posição da Igreja em relação a essa questão. “A Igreja volta mais uma vez a dirigir sua palavra em defesa da vida. Esta é a posição básica e fundamental da Igreja. Não significa ser contra a ciência, contra o progresso, mas ser em primeiro lugar a favor da vida”, disse o presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha, ao se posicionar contra o uso de células-tronco embrionárias para fins terapéuticos. “Não queremos fazer pressão sobre o STF, mas expor, inclusive como integrantes da própria sociedade brasileira, o nosso ponto de vista”, esclareceu.

Para o presidente da Conferência dos Bispos, a transigência nesse momento pode significar abrir as portas para outras formas progressivas de manipulação da vida humana nascente. “Salvar um e matar outro não é resposta. A Igreja é sensível ao sofrimento de tantas pessoas que desejam a cura e estimula os cientistas para que possam progredir nas pesquisas para que doenças incuráveis possam ter cura. O que ele não concorda é com a manipulação dos sentimentos das pessoas e o seu desejo de viver, a sua esperança de encontrar uma cura, com informações falsificadas. É não só reprovável, é desumano. Vamos passar informações corretas, seguras e não alimentar expectativas falsas”, explicou.

Ainda de acordo com dom Lyrio, “a Igreja não tem nem pretende ser caixinha de resposta para todas as interrogações. Como se iniciou o processo que eticamente é reprovável, os que o iniciaram têm agora a responsabilidade ética de também ajudar a descobrir a solução que seja compatível com o respeito à própria vida humana ali presente”.

Equipe Pascom.


Fontes:

1 - Consultor Jurídico, em especial o artigo “Julgamento congelado: STF adia decisão sobre pesquisas com células de embrião”, de autoria das jornalistas Maria Fernanda e Aline Pinheiro, disponível em «http://conjur.estadao.com.br/static/text/64418,1».

2 - Artigo “CNBB reafirma posição da Igreja contra o uso de celulas-tronco embrionárias em pesquisas”, disponível em: «http://www.cnbb.org.br/index.php?op=noticia&subop=17359».

3 - Para conferir na íntegra o voto do Ministro Carlos Britto, em favor das pesquisas com células-tronco, acessar «http://conjur.estadao.com.br/pdf/Voto_Britto_ADI3510.pdf».