Setembro é reconhecido nacionalmente como o Mês da Bíblia, mês da Palavra de Deus escrita. Não é nenhum segredo que nosso conhecimento a respeito dessa Palavra é bastante precário. A própria Igreja reconhece que a Bíblia, embora seja o livro mais traduzido e difundido no mundo, ainda não é muito lido nem compreendido pelas pessoas (leia a matéria publicada na edição de junho do informativo “Anunciai”, em nosso site).
A PASCOM, além da sessão Liturgia Diária, selecionou uma série de artigos e entrevistas que serão publicados ao longo do mês, com o objetivo de despertar o interesse dos fiéis pela leitura da Sagrada Escritura.
Segue, abaixo, uma entrevista com Alexandre, agente da PASCOM, sobre Bíblia, Religião e Ciência. Confira.
PASCOM: Ao ler a Bíblia, o cristão se depara com a questão das origens do homem e do mundo. É possível conciliar fé e ciência, nesse ponto?
Alexandre: Segundo a Bíblia, o Universo levou apenas seis dias para ser concluído. Deus fez a luz, o firmamento, a terra, os mares, os seres viventes, tudo em uma única semana. Depois descansou. Teria realmente o mundo surgido dessa forma? A Ciência diz que não. Para os pesquisadores, o Universo se originou de uma grande explosão ocorrida há bilhões de anos. O Big Bang (termo inglês para Grande Explosão) seria, portanto, a causa de tudo, o início de um longo processo evolutivo. É a teoria mais aceita entre os cientistas. Porém, nem mesmo a Ciência consegue explicar a “Causa Primeira” da grande explosão, ou seja, como o Universo pode ter brotado aparentemente do nada. Seria fruto, quem sabe, do acaso? A Ciência não oferece resposta a esse questionamento. A religião, em outro passo, aponta para um sentido mais profundo: Deus é o “Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis” (Credo Niceno-Constantinopolitano). Sinceramente, entendo que Ciência e Religião se complementam nesse ponto. Ambas oferecem respostas diferentes para uma mesma questão - a busca de um sentido último para a existência. Albert Einstein, físico alemão formulador da Teoria da Relatividade, considerado por muitos o mais brilhante cientista do milênio, costumava citar a palavra Deus/Criador em várias de suas palestras e escritos. Embora não fosse um homem religioso, ele afirmou em certa ocasião: “A Ciência sem a Religião é manca; a Religião sem a Ciência é cega”.
PASCOM: Você acredita em quê: na Criação segundo a Bíblia ou na Evolução segundo a Ciência?
Alexandre: Acredito que a vida é fruto de uma evolução, iniciada não se sabe quando (em que data ocorreu a Criação? Ninguém sabe ao certo), mas que é perene, ou seja, que continua nos dias de hoje e vai perdurar indefinidamente. Mas também sou um homem de fé, e como tal penso que a Ciência não pode simplesmente “negar” essa outra dimensão do ser humano – a religiosidade.
É importante observar que os textos sagrados sobre a Criação, estejam presentes na Bíblia ou em outros livros, como o Alcorão, foram escritos por pessoas religiosas, não por astrônomos, físicos ou engenheiros. Lembre-se, por exemplo, que o Gênesis, livro cuja autoria é tradicionalmente atribuída a Moisés, foi escrito entre os séculos VII e VI a.C., ou seja, há pelo menos 2.700 anos, numa época em que não havia sondas espaciais, nem computadores, foguetes ou telescópios orbitais. O livro conta uma história da criação da Terra, da humanidade, da queda do homem, sob o ponto de vista da fé. Não é um manual de ciência, portanto. Para os antigos, nada do que existe, existe sem Deus. Era nisso que eles acreditavam, sobretudo porque era essa a única explicação possível para tanta beleza e complexidade estampada diante de seus olhos. Ao enxergar o mundo e as estrelas eles concluíram que isso só podia ser obra de Deus.
Portanto, entendo que, no tocante à questão das origens, não dá para explica-la lendo a Bíblia ao pé da letra. O Vaticano já afirmou em diversas ocasiões que aceita tranquilamente o Evolucionismo como uma teoria sólida e que a Bíblia deve ser lida com os olhos da fé, não como um compendêndio científico. A Igreja pode até não concordar com aqueles que acham que o Darwinismo é capaz de explicar tudo, mas também não impõe jamais o Criacionismo como uma teoria científica. No fundo, a questão das origens continua um desafio à inteligência. Como disse Gandhi: “a existência representa um mistério ainda não desvendado”.
PASCOM: Como você vê o avanço da Ciência no mundo de hoje?
Alexandre: A Ciência exerce um papel fundamental no progresso das sociedades. Sem Ciência, estaríamos perdidos, condenados a uma vida primitiva e cheia de riscos. Com a ajuda da Ciência, o homem foi capaz de combater doenças terríveis, que dominaram o mundo antigo, matando milhares de pessoas. Ninguém pode negar os benefícios que a tele-informática nos oferece diariamente, como celulares, computadores de bolso, veículos guiados por piloto automático etc. Tudo isso é bom. Mas tem o seu lado negativo também. O problema está no uso que fazemos dos instrumentais fornecidos pela Ciência, se para o bem ou para o mal. Lembre-se que a física, a química e a matemática foram empregadas para ajudar na construção de coisas horrendas, como a bomba atômica. Tudo depende do homem e dos seus propósitos.
PASCOM: Você acredita cegamente na Ciência?
Alexandre: Cegamente, não. Há uma palavrazinha muita empregada ultimamente pelos meios de comunicação – “fundamentalismo”. Geralmente é empregada em matérias jornalísticas relacionadas a atentados terroristas - por exemplo, quando determinado grupo provoca uma explosão matando dezenas de pessoas -, mas na realidade o termo “fundamentalista” serve para designar todo aquele que imagina possuir verdades indiscutíveis, ou seja, que não podem ser contrariadas. Ora, se eu dissesse que acredito cegamente na Ciência, na realidade essa seria uma atitude fundamentalista, pois seria o mesmo que afirmar que a Ciência tem resposta para todas as questões humanas, e ela não tem. Já falei antes, a Ciência não consegue explicar por completo a origem do Universo. A Grande Explosão, ou Big Bang, é só uma teoria, sem comprovação plena. A Religião, as Artes, o Saber Científico, tudo isso nos ajuda a entender melhor o mundo em que vivemos, sendo a Ciência apenas um dentre muitos instrumentos que servem de auxílio ao homem em sua caminhada terrena. Muitas vezes ela erra, visto que não há criação humana 100% perfeita.
PASCOM: Como você vê a religião hoje? Na sua opinião, ela vê com bons olhos esse desenvolvimento científico?
Alexandre: Ciência e Religião sempre disputaram espaço em nossa cultura. Houve épocas em que somente a Religião parecia dominar o espírito humano. Certas idéias não eram bem vistas pela Igreja (lembre-se que Galileu Galilei foi condenado pelo Tribunal do Santo Ofício a abjurar – renunciar – publicamente as suas idéias). Séculos mais tarde, João Paulo II, reconhecendo os “erros e culpas dos que nos precederam”, pediu perdão, em nome da Igreja, pela condenação imposta a Galileu, reconhecendo oficialmente que suas teorias eram justas). Mais tarde, o quadro se inverteu e foi a Ciência (a razão, basicamente) que passou a dominar a cena. A Religião foi equiparada a uma espécie de droga que aprisionava as pessoas (chegou-se a afirmar que a religião era “o ópio do povo”). Atualmente, as coisas estão mais ou menos resolvidas. A frase dita pelo padre ateu Jean Meslier, no século XVII ("Eu gostaria, e este será o último e o mais ardente dos meus desejos, que o último rei fosse estrangulado com as tripas do último padre"), pertence a um passado sepultado, felizmente. É verdade que a Igreja tem criticado fortemente alguns projetos científicos, como o uso de células embrionárias para fins de pesquisa, mas isso é algo que considero benéfico, sob certo ponto de vista. Significa que um dos lados está vigilante, impedindo que o outro cometa exageros.