“Os pobres são os destinatários privilegiados da missão”

Dom Erwin Kräutler: “Os pobres são os destinatários privilegiados da missão”

Cantando o refrão “Vai ser tão bonito se ouvir a canção”, os brasileiros, até então bastante contidos, receberam com entusiasmo o bispo do Xingu (PA), dom Erwin Krätler, para conferência que proferiu na manhã desta sexta-feira, 15, em Quito (Equador), durante o 3º Congresso Americano Missionário e 8º Congresso Latino-americano Missionário (CAM3-Comla8). “Saúdo com alegria os brasileiros aqui presentes e lhes peço permissão para fazer um ato de amor, uma obra de caridade para com outros irmãos latino-americanos. Peço-lhes permissão para falar em espanhol”. Assim o bispo iniciou sua conferência sob os aplausos dos mais de 3 mil participantes do Congresso.

Destacando que a Igreja é por natureza missionária, o bispo do Xingu afirmou que a “missão é o coração da Igreja”. “E esse coração tem dois movimentos, envio e convocação; envio à periferia do mundo e convocação, a partir dessa periferia, para a libertação do centro. Sob a senha do Reino propõe um mundo sem periferia e sem centro”. Para ele os destinatários privilegiados da missão “são os pobres, os mal empregados e os desempregados, os migrantes, os que morrem antes do tempo por não terem um serviço de saúde que os ampare”.

“Como ser feliz no meio de um mundo sofrido?”, perguntou o conferencista para, em seguida, lembrar o cantor Gozaguinha, viver e não ter a vergonha de ser feliz, refrão que os brasileiros cantaram com vibração, admirados pela assembléia. “O nosso otimismo missionário não foge da realidade, do sofrimento e dos pobres, vítimas das cinco grandes crises do nosso planeta terra que são a crise do modelo econômico, a crise social, a crise ecológica, a crise cultural e a crise democrática”, disse.

Segundo dom Erwin, diante das conseqüências destas crises, há cinco tarefas a cumprir: “criar ou sustentar um certo bem-estar econômico (material) de todos seus cidadãos; promover a coesão e solidariedade social interna; garantir o reconhecimento cultural (étnico, religião, gênero, faixa etária) do outro num pacto de tolerância; zelar pela liberdade e participação política de todos num sistema democrático cujo funcionamento não depende do tráfico de influência do grande capital; instalar um sistema jurídico que garanta a aplicação da lei para todos e iniba a corrupção em todas as instâncias, inclusive no próprio aparelho de justiça”.

Com seu estilo profético, dom Erwin fez uma veemente defesa dos direitos dos pobres e excluídos. “Não devemos entrar no jogo de alternativas perversas: democracia com fome e miséria, ou bem-estar material sem participação, sem liberdade política e sem horizonte de sentido, ou prosperidade econômica do país com ditadura e fome (o país vai bem, o povo mal), ou prosperidade política e econômica para as elites e miséria para o povo”, disse arrancando aplausos da multidão.

Ele condenou os sistemas que tentam impedir a Igreja na sua missão de defender os pobres. “O poder seja expressão de regimes coloniais, imperiais, ditatoriais ou até democráticos, procurou sempre transformar a missão em ideologia e neutralizar a presença da Igreja junto aos pobres cuja existência denuncia a violação de seus direitos e culturas pelos respectivos regimes”.

O bispo do Xingu insistiu que o compromisso da missão é com a universalidade, a unidade na diversidade e a gratuidade. “É bom lembrar, Jesus não foi pedreiro. Não construiu muros. Ele foi carpinteiro, fez portas e janelas”, disse ao se referir à unidade que deve caracterizar a missão. “Ao contar a parábola do bom samaritano, Jesus propõe derrubar não só o muro étnico entre samaritanos e judeus, entre mestiços impuros e judeus puros, o muro clerical entre sacerdotes e leigos, mas também o muro entre seita marginalizada e religião oficial, entre justos e pecadores, entre discurso e práxis, entre verdade e amor”, completou.

Ao concluir sua conferência, dom Erwin lembrou que a Igreja da América Latina tem diante de si três alternativas: amedrontada, enterrar os muitos talentos que recebeu; inserir-se no sistema capitalista e propor pequenas melhorias ou intervir com sinais de justiça no mundo injusto e lançar as sementes do Reino “A Igreja de Aparecida assumiu essa intervenção e ruptura como serviço aos pobres. Ela prometeu não apenas ser advogada dos pobres, mas a sua casa. Como casa dos pobres, a Igreja será casa de esperança”, concluiu.

Nas arquibancadas, no meio do povo, o arcebispo de Tegucigalpa (Honduras), cardeal Óscar Maradiaga, vibrava a cada afirmação de dom Erwin. “Bravo, muito bom, belíssimo”, dizia acompanhando os contínuos aplausos dos congressistas que interrompiam dom Erwin a todo momento.

Fonte: CNBB