Santo Antonio, uma lâmpada que ardia e brilhava

Trecho do discurso do papa João Paulo II à comunidade franciscana, na igreja de S. António, em Lisboa, em 12 de maio de 1982.

“(…) 4. O perfil biográfico do universalmente venerado taumaturgo [pessoa que faz milagres] português, amados Filhos e Filhas de São Francisco, é de todos vós bem conhecido: da escola da Catedral aqui ao lado, a São Vicente de Fora, até Santa Cruz de Coimbra, é viajante enamorado de Deus, à procura de uma maior interiorização e vivência do ideal religioso, abraçado em plena juventude, entre os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Depois de ordenado sacerdote, em Coimbra, a sua ânsia de uma resposta mais radical ao apelo divino leva-o a maturar o propósito de maior dedicação e amor a Deus, no desejo ardente de ser missionário e mártir em África. Com esta intenção se tornou Franciscano.

A Providência, porém, encaminhou Frei António para terras da Itália e da França. Nas primeiras experiências de franciscano aceita as contrariedades, fiel ao ideal, e responde com alegria aos desígnios divinos, numa entrega total de serviço generoso, pregando e ensinando teologia aos frades, em atitude paciente, como o lavrador que aguarda, até receber a chuva temporã e a tardia, até se manifestar, de algum modo, o Senhor (cf. Iac 5, 7). Que bela lição de vida, Irmãos e Irmãs! Depois consuma a sua breve existência, chegando a exercer, servindo sempre com humildade, o múnus de ministro ou superior na Ordem. Ao morrer, com cerca de quarenta anos, dele se poderiam repetir as palavras da Sabedoria: “chegado em pouco tempo à perfeição, completou uma grande carreira” (Sap 4, 13).

O seu ensino e ministério da Palavra, como a sua vivência de frade e sacerdote, são marcados pelo seu amor à Igreja, inculcado pela Regra (Regula non Bullata, cap. 17, ed. Esser, Opuscula, 271). “Exegeta perfeitíssimo na interpretação das Sagradas Escrituras, exímio teólogo no perscrutar os dogmas, doutor e mestre insigne no tratar os assuntos da ascética e mística”, como diria o Papa Pio XII (Pio XII, Exulta, Lusitania Felix: AAS 38 [1946] 201. Lopes, S. António de Lisboa, 296-297), prega insistentemente a Palavra (cf. 2 Tm 4, 2), movido pelo desejo evangelizador de “reconduzir os transviados aos caminhos da rectidão”. Fá-lo; porém, com a liberdade de um coração de pobre, fiel a Deus, fiel à sua resposta a Deus, em adesão a Cristo e em conformidade com as directrizes da Igreja. Uma verdadeira comunhão com Cristo exige que se cultive e ponha em prática uma harmonia real com a comunidade eclesial, regida pelos legítimos Pastores.

5. O Doutor Evangélico fala ainda aos homens do nosso tempo, sobretudo indicando-lhes a Igreja, veículo da salvação de Cristo. A língua incorrupta do Santo e o seu aparelho fonético encontrado maravilhosamente intacto parecem atestar a perenidade da sua mensagem. A voz de Frei António, através dos Sermões, é ainda viva e penetrante; em particular, as suas coordenadas contêm um apelo vivo para os religiosos dos nossos dias, chamados pelo Concílio Vaticano II a testemunhar a santidade da Igreja e a fidelidade a Cristo, como colaboradores dos Bispos e Sacerdotes (S. Antonii Patavini, O. Min. Doctoris Evangelici Sermones Dominicales et Festivi, Dominica II de Adventu, Patavii 1979, 478-491. Trad. HENRIQUE PINTO REMA, O. F. M., Santo António de Lisboa. Obras Completas, Lisboa 1970, 39-43).

É assaz conhecido o bilhete de saudação de São Francisco a Frei António, escrevendo-lhe: “apraz-me que leias teologia aos frades, contanto que, nesse estudo, não extingas o espírito de oração e devoção, como se contém na Regra” (Epist. ad Sanctum Antonium, ed. critica Esser, Opuscula, cap. IV, 95. HENRIQUE PINTO REMA, O. F. M., Santo António de Lisboa. Obras Completas, I, Lisboa 1970, XVII). E um conceituado teólogo atesta que o Doutor Evangélico soube permanecer fiel a este princípio: “... a exemplo de João Baptista, também ele ardia; e desse ardor provinha a luz: era uma lâmpada que ardia e brilhava” (cf. Francisco da Gama Caeiro, Santo António de Lisboa, I, Lisboa 1967, 147-148). Por isso, Santo António ficou na história como precursor da Escola Franciscana, permeada pela finalidade sapiencial e prática do saber”

Fonte: www.vatican.va