Características teológicas de Santo Antonio de Pádua

"O conjunto do pensar teológico de Santo Antônio ainda não foi devidamente elaborado. Ele também não facilitou esse trabalho para a ciência dos tempos posteriores. Ele não deixou nenhuma obra teológica sistemática, nos moldes de uma "Summa Theologica" (sumário de Teologia), como nos deixaram, por exemplo, Tomás de Aquino, Boaventura, Duns Escoto. O que dele nos foi transmitido são duas coleções de sermões, que ele escreveu como uma espécie de introdução prática e concreta à homilética. Sua atuação como pregador imposta pela Igreja não lhe permitiu chegar até à Teologia sistemática. O que temos dele em seus esquemas de sermões é Teologia aplicada e transposta para o uso prático, que precisa ainda ser sondada quanto ao fundamento, para obter-se uma exposição de conjunto teórico, que abranja os diversos domínios da Teologia.

Sem pretendermos dar aqui uma caracterização abrangente da teologia de Santo Antônio, seja mencionado que ele tem importância eminente na Teologia ascético-mística. J. Heerinckx chegou à conclusão que "os sermões de santo Antônio, quanto à mística, contêm em todas as partes uma doutrina completa e exposta com clareza". Seu amigo, o doutor Abade Tomás de Vercelli se referiu expressamente a seu bom relacionamento com Antônio, quando o indicou como exemplo para mostrar quão depressa alguém pode apossar-se da ciência dos santos: Antônio "se apropriou da Teologia mística em tão pouco tempo, que ele, inflamado de ardor espiritual, também irradiava para Fora a doutrina espiritual".

A doutrina mística de Santo Antônio pode ser caracterizada assim: Ele é ocidental, isto é, não se apóia em Pseudo-Dionisio, mas segue a Agostinho, Gregório Magno e Bernardo de Claraval. A orientação de Pseudo-Dionísio, fortemente influenciada pelo neoplatonismo, exerceu, por meio dos victorianos Hugo e Ricardo de São Victor, grande influência na Teologia mística medieval. Essa influência não favorável sob todos os aspectos, por exemplo, com a doutrina da divinização da alma, da escuridão divina e do padecimento de Deus, como também da valorização de visões corporais e de revelações. A doutrina de santo Antônio está livre de tudo isso e, portanto, é genuinamente religiosa.

Além disso, deve-se ainda dizer que a doutrina mística de Santo Antônio tem cunho franciscano, por ser afetiva e prática. Destaca-se nela o amor íntimo à humanidade de Cristo e à sua paixão, a acentuação da pobreza, da solidão e do recolhimento, como ainda a prática da virtude com simplicidade. Por causa dessa orientação fundamental franciscana, sua doutrina é sempre clara, essencial e exeqüível na vida. Santo Antônio também se conserva afastado da mística especulativa, porque não penetraram em sua mística as influências da especulação escolástica.

Enfim, sua doutrina é tipicamente antoniana. Isso significa que a última fonte para a sua doutrina é sua própria experiência interior. Sua experiência pessoal confirma para ele muita coisa das doutrinas de seus mestres e abrem para ele também novos conhecimentos. Ele, entretanto, não se limita a expor quase que exclusivamente suas próprias vivências místicas, como fizeram, por exemplo, Teresa de Ávila, Ãngela de Foligno e alguns outros místicos.

O que podemos observar em Antônio é o fato de ele não haver descrito suas próprias vivências espirituais. Ele próprio, aliás, já havia expressado isso como uma lei fundamental da vida espiritual: "Para o segredo do coração deve existir como que uma cortina estendida entre nós e nosso próximo, de modo a não permitir-lhe enxergar o que está por trás dela. Será suficiente que ele enxergue em nossa mão a lâmpada preparada, e ela o iluminará. Apenas Jesus é nosso sumo sacerdote. Para Ele estão abertos todos os corações, e Ele enxerga o que está acima e atrás de qualquer cortina, pois Ele perscruta o coração e seus pensamentos mais secretos".

O que Antônio diz aqui concorda exatamente com o que seu pai na Ordem, Francisco de Assis, exprimiu em sua 23ª exortação: "Bem-aventurado o servo que 'ajunta como um tesouro no céu (Mt 6,20)' o bem que o Senhor lhe mostrou e que não tem nenhum desejo de revelar isso com vista para a recompensa dos homens, pois o Altíssimo manifestará suas obras sempre a quem Ele quiser. Bem-aventurado o servo que guarda em seu coração os segredos do Senhor (cf. Lc 2,29-51)".

Antônio poderia dizer como Francisco: Há na vida do homem possuído pelo espírito do Senhor processos e acontecimentos que estão situados na unicidade e no mundo de vivências de cada um, e radicados nele, e só nele encontram pleno sentido. Porque têm referência a essa pessoa, deveriam eles normalmente também permanecer no domínio do mistério dessa pessoa. Não são apropriados para a publicidade, porque desse modo se desligariam da referência à pessoa. A revelação de tais processos que se passam no mais profundo da pessoa - Antônio fala do "segredo do coração" - é possível e exigida na transposição para a vida. Antônio diz que deve ser suficiente ao nosso próximo se ele vê em nossas mãos as lâmpadas preparadas da prontidão. Essa expressão pela vida é válida. A expressão pela palavra pode ser uma afirmação não comprovada."


* Do livro "Santo Antônio, vida e doutrina ", de Lothar Hardick, Vozes, 1991.