“Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo!”
(Mt 3, 11)
Aos presbíteros, aos diáconos
às religiosas e aos religiosos
e a todos os fiéis da Igreja de Pesqueira
“Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo!” (Mt 3, 11)
Com estas palavras de Jesus inicio a presente carta pastoral para que elas nos iluminem ao longo da nossa reflexão e, sobretudo, nos orientem a fim de encontrarmos novos rumos para o acolhimento e a formação de novos cristãos na nossa Igreja.
1. Por uma Igreja de batizados
Para a maioria das pessoas, quando se pensa em batismo logo vem à mente uma criancinha levada à igreja pelos pais e padrinhos a fim de realizar “o batizado”. Em muitos casos a atenção dos preparadores vai para as exigências a serem apresentadas aos pais e padrinhos e à preparação necessária para que se realize o sacramento.
Gostaríamos afirmar logo que isso nos interessa sim, mas que o importante mesmo é tomar consciência que nós somos batizados e que, antes de pensar no batismo dos outros, é importantíssimo que nós vivamos o nosso batismo de tal modo que possamos apresentar para os pais e padrinhos que procuram a Igreja para batizar as suas crianças, uma Igreja de batizados que vivenciam o seu próprio batismo.
Isso muda radicalmente o modo de encarar a pastoral do batismo: antes de ser uma exigência para os outros cumprirem, é uma exigência para cada um de nós e para a comunidade dos filhos e filhas de Deus, regenerados pela água e pelo Espírito, de vivermos o que somos, pelo batismo que recebemos.
Somente assim poderemos acolher as famílias que procuram a Igreja para batizar os seus filhos e propor para os pais e padrinhos um estilo de vida conforme o evangelho, vivido por uma comunidade de irmãos e irmãs que testemunham o amor de Deus manifestado em Cristo Jesus nosso Senhor.
Seria muito interessante apresentar aqui explicações sobre a vivência popular do batismo, sobre a tradição e as motivações que levam os pais a procurarem a Igreja para batizar os filhos, a crença popular a respeito dos efeitos do batismo na vida das crianças e teríamos muitos motivos para refletir, mas já o fizemos durante a Assembléia Diocesana sobre o Batismo (Novembro de 2009) e nos encontros com os agentes e catequistas da Pastoral do Batismo nas Regiões Pastorais nestes últimos meses.
Esta minha terceira Carta pastoral deseja proporcionar aos fiéis uma reflexão sobre o Batismo, buscando na Palavra de Deus e na doutrina da Igreja um pouco da riqueza deste sacramento.
2. Mas o que é o Batismo?
“O Batismo é o fundamento de toda a vida cristã e o nascimento para a vida nova em Cristo Jesus. Libertos do pecado e regenerados como filhos de Deus nas águas do Batismo, tornamo-nos membros de Cristo, somos incorporados à Igreja e feitos participantes da sua missão” (Sou católico, vivo a minha fé – Edições CNBB pag. 99)
1. “Tu és meu Filho: eu hoje te gerei”(Lc 3,22)
O batismo é um novo nascimento. O próprio Jesus, ao apresentar a vida nova a Nicodemos afirma: “Se alguém não renasce da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus”. (Jo 3,5) Esta é a dignidade fundamental de cada cristão, esta é a nossa glória e a nossa alegria: “Vede que prova de amor nos deu o Pai: sermos chamados filhos de Deus e o somos de fato!” (1Jo 3,1)
Este novo nascimento é bem representado pela água. Fecundada pelo Espírito ela é também considerada o ventre sagrado do qual as pessoas renascem. Por isso Jesus diz: “O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito” (Jo 3,6), indicando a transformação profunda, a partir do nosso interior, que o Batismo realiza em quem é consciente e acolhe o dom de ser filho de Deus. Realmente na hora em que uma pessoa é batizada, o Pai repete: “Tu és meu filho, minha filha, eu hoje te gerei”. (cfr. Lc 3,21-22)
2. “Este é o meu Filho amado!” (Mt 3,17)
No batismo somos acolhidos incondicionalmente no coração de Deus. Isso significa que não devemos fazer nada, absolutamente nada para que Deus nos ame, porque ele nos ama antes desse nosso desejo, assim como nós somos. “No batismo ouvimos a voz de Deus: «Você é meu filho querido, você é minha filha querida. Eu me comprazo em você». Não gosto de você apenas porque tem um bom desempenho, mas porque está bem assim como você é: assim será totalmente bem-vindo, aceito e amado. Esse direito absoluto à existência, que obtemos do batismo, é o pressuposto para não só sobrevivermos, mas para podermos efetivamente viver”(Anselm Grün: Batismo, celebração da vida. Edições Loyola pag. 23) Essa realidade é explicitada no Batismo na hora em que a criança ou a pessoa adulta é chamada pelo nome que identifica a pessoa como ser único e irrepetível diante dos olhos de Deus e da humanidade. Sentir-se amado é o sentimento que dá maior estabilidade e alegria na vida de uma pessoa, ajudando-a a transmitir aos outros bem-estar, segurança e paz. Esta afirmação não é apenas uma constatação de ordem psicológica, ele refere-se antes de tudo a uma realidade teológica, isso quer dizer: Deus nos criou por amor, nos acompanha e sustenta a nossa vida com amor e isso nos torna pessoas livres e felizes.
3. “Vivamos vida nova!” (Rom 6,4)
Ao novo nascimento deve corresponder uma vida nova. “O Batismo é um dom que precisa ser acolhido, exercitado e vivido todos os dias. A vida do cristão é uma luta permanente contra o mal. O cristão é alimentado pela Igreja, com a Palavra de Deus e a Eucaristia que o fazem crescer na fé, chegando a uma forma de vida semelhante à de Jesus”. (Sou católico. Vivo a minha fé. Edições CNBB pag.100)
Assim toda a vida se transforma e assume um estilo que é conforme ao modo de viver de Jesus. De fato, quem encontra Jesus e o aceita em sua própria vida, torna-se cristão, isto é outro Cristo.
Se antes a pessoa era egoísta, torna-se generosa, se antes era devassa, torna-se controlada, se antes era encrenqueira, fuxiqueira, maledicente torna-se prudente, atenciosa e caridosa, e assim por diante.
Muda o jeito de encarar e viver o tempo: não se perde mais tempo em coisas que não tem valor ou não prestam, mas se ocupa em trabalhar, orar, aprofundar a fé, participar da comunidade, visitar os irmãos, evangelizar.
Muda o jeito de encarar o dinheiro e os bens: os cristãos aprendem a colocar as suas coisas a disposição dos irmãos, a não gastar em bobagens, ajudar os mais pobres etc.
Muda o jeito de amar e de tratar as pessoas dentro e fora de casa: o cristão de verdade ama a todos, não tem preferências, não discrimina ninguém, não cria panelinhas. Ordena os seus afetos dentro do matrimônio e não trai esposa ou o esposo e filhos. Os jovens, meninos e meninas, procuram viver bem a sexualidade em relacionamentos de amizade e de namoro sadios, de acordo com o ensinamento e o exemplo de Jesus que a Igreja propõe.
O cristão de verdade decide ser amigo de Jesus, ir após Ele, mudando sua forma de pensar e de viver, aceitando a cruz de Cristo, consciente de que morrer para o pecado é alcançar a vida.
O cristão, como discípulo de Jesus, vivencia os sacramentos da conversão, isto é o Batismo e a Reconciliação, nos quais se atualiza para nós a redenção de Jesus e se esforça de avançar sempre no caminho do amor para com Deus e para com o próximo, nos quais se resume toda a lei e os profetas. Não esquece a centralidade do mandamento do amor, que Jesus quis chamar seu e novo, para vivenciá-lo ao longo de toda a vida: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei!”. (Jo 15,12) Assim ele se torna construtor e semeador da paz contribuindo para a construção de um mundo renovado pelo amor. (cfr. Manual do missionário CNBB Regional NE2)
No rito do Batismo esta vida nova se expressa em dois momentos: pelas promessas batismais, sobretudo as renúncias, e pela veste branca, assim como explica o apóstolo Paulo quando diz: “Vós porém fostes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior – o homem velho, que se corrompe ao sabor das concupiscências enganosas – e a renovar-vos pela transformação espiritual da vossa mente, e revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4, 20-24)
4. Em Cristo Jesus (Cfr. Col 2, 6-15)
O Batismo torna a pessoa humana filha de Deus no Filho amado que é Jesus e portanto o insere na própria missão de Jesus. “Pelo Batismo, o católico participa da missão sacerdotal e real de Cristo. Enquanto sacerdote, é chamado a santificar a própria vida, dialogando com Deus em favor da humanidade e consagrando o dia a dia da vida no serviço a Deus e na transformação do mundo. Enquanto profeta, é chamado a ouvir a Deus, acolhendo e vivendo a sua santa Palavra, anunciando e Evangelho aos irmãos e denunciando tudo o que se opõe ao Reino de Deus. Enquanto rei ou pastor, é chamado a agir no mundo, a exemplo de Jesus, bom pastor, servindo os irmãos na caridade”. (Sou católico. Vivo a minha fé. Edições CNBB pag.100 e 101) No rito do Batismo, o batizado é convidado a aderir a Deus, professando a sua fé e respondendo três vezes “CREIO!”, assim como é ungido com o crisma, óleo perfumado que consagra a pessoa a Deus. Durante a unção o ministro lembra esta participação do filho de Deus na missão de Jesus.
5. “Formar um só corpo!” (1Cor 12,13)
O Batismo introduz a pessoa na comunidade dos fiéis. Por meio dele fazemos parte da família de Deus que é a Igreja, como afirma o apóstolo Paulo: “Fomos todos batizados num só Espírito para formar um só corpo, judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um só Espírito” (1Cor 12,13). Ao ser batizada a pessoa passa a fazer parte da “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de sua propriedade particular” (1Pd 2,9) e deve se esforçar para que no mundo “haja um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).
É para significar tudo isso que é necessária uma fraterna e calorosa acolhida dos pais e padrinhos na comunidade cristã. As diretrizes da Pastoral do Batismo que seguem foram pensadas para que comunidade cristã e família que procura o batismo possam interagir num diálogo respeitoso e fecundo a fim de introduzir os novos membros na comunidade. A própria celebração do batismo não pode ser realizada à margem da comunidade. A equipe da pastoral do batismo, que representa a comunidade, é chamada a marcar presença na vida das famílias que preparam os seus filhos para este sacramento e a celebrar junto com elas o dia do seu renascimento em Cristo. Os padrinhos deveriam ser os que “garantem” a inserção dos novos batizados na comunidade. Como não é possível exigir isso deles, na maioria dos casos e na atual conjuntura, mais uma vez deverá ser a comunidade cristã a comprometer-se para que esta inserção aconteça.
6. “Água que jorra para a vida eterna.”(Jo 4,14)
Se o Batismo é um dom que vem do alto, ele aponta também para além da experiência que tocamos com nossas mãos todos os dias: ele é um ensaio de vida eterna. Pelo batismo, de fato, somos libertos do pecado e até a raiz do pecado é sanada. Entramos no reino da graça: “se grande foi o pecado, maior foi a graça!” afirma São Paulo (Rm 5, 20).
É por isso que nós, na Igreja Católica batizamos as crianças. Além de continuar assim uma antiguíssima tradição da Igreja, atestada em passagens do Novo Testamento, acreditamos que o Batismo é dom dado “de graça”, ninguém o merece, pois Deus nos precede no amor, é vida divina e a vida não se ganha, nem se merece, é dom gratuito. E acreditamos também que Deus age na vida da pessoa humana, independentemente da plena consciência dela, assim como o sol e a chuva descem sobre a terra e a beneficiam independentemente da vontade do agricultor.
A cada um de nós batizados são dirigidas as palavras de Jesus à mulher samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz: - Dá-me de beber! – tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva!” (Jo 4,10) Sim, desde já, embora ainda não plenamente, pelo batismo, somos arrebatados às alturas da vida de Deus e esta vida deve brilhar em nós assim como brilha o círio pascal que está ao lado da pia batismal e que acende as velas entregues aos pais e padrinhos com a recomendação: “Recebei a luz de Cristo! Esta chama vos é entregue para que a alimenteis!”
A partir daí a vida divina começa, é alimentada pela Palavra e a Eucaristia, pelo amor fraterno na família e na comunidade, produz frutos de bem na vida das pessoas e desemboca na vida eterna. No Batismo começamos a viver uma vida que não terminará nunca, pois se abre, após a passagem pela morte, na vida da ressurreição para sempre no coração do Pai!
7. “Quem tem sede venha a mim e beba!” (Jo 7, 37)
O referencial primeiro e último do Batismo é Jesus Cristo. Ele afirmou: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome e o que crê em mim nunca mais terá sede!” (Jo 6, 35) Infelizmente há o perigo de reduzir estas palavras de Jesus apenas ao pão eucarístico, enquanto elas se referem à sua pessoa, ao seu evangelho, à sua obra, isto é a Jesus na plenitude e na totalidade de sua vida e missão, a Jesus que se apresenta como o Caminho, a Verdade e a Vida. Jesus é alimento de vida, é alimento para a vida. Quem busca a Vida, busca a Jesus, quem busca o sentido da vida, a verdadeira realização, a felicidade plena, busca a Jesus. Por isso ele pode dizer: “Quem vem a mim, nunca mais terá fome e o que crê em mim nunca mais terá sede”. Para quem o segue e adere a Jesus ele sacia, porque é plenitude e realiza na vida de quem o ama os mesmos efeitos que o alimento e a bebida realizam para o corpo.
O Batismo nos introduz neste manancial que é o próprio Cristo, capaz de saciar a fome e sede da humanidade que, hoje mais do que em outras épocas, procura saciar a sua fome e sede de amor e de felicidade. Pelo Batismo, o discípulo que experimentou a riqueza desta fonte, é chamado a apresentá-la também aos outros. Fundamenta-se aqui a exigência talvez mais importante do batismo: o testemunho cristão no mundo de hoje. Passado o tempo em que “os valores cristãos” eram transmitidos às novas gerações na família, na escola e assim influenciavam a sociedade, hoje é através do encontro com Jesus Cristo vivo que seja os cristãos já batizados, e tanto mais as pessoas que ainda não o conhecem, poderão fazer a sua escolha pessoal e dar testemunho dele na sociedade. É necessário ir até Ele, entrar em comunhão com Ele, poder aos poucos afirmar como São Paulo: “Não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim!” (Gal 2, 20)
O ritual do Batismo oferece dois sinais que transmitem ao novo cristão força e sabedoria para que tenha coragem de testemunhar a sua fé: a unção com o óleo dos catecúmenos acompanhada pelas palavras “Cristo Salvador te dê a sua força! Que ela penetre na tua vida, como este óleo no teu peito” e a ingestão de uma pitadinha de sal para que ele tenha a sabedoria necessária a fim de discernir os sinais do tempo presente e transmitir de forma incisiva a mensagem do evangelho.
Numa bela síntese um antigo Padre da Igreja durante uma catequese sobre o Batismo, proclamou: “O Batismo é o mais belo e o mais magnífico dom de Deus. Chamamo-lo de dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo e tudo o que existe de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que nada trazem; graça, porque é dada aos culpados; batismo, porque o pecado é sepultado na água; unção, porque é sagrado e régio (tais são os que são ungidos); iluminação, porque é luz resplandecente; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é sinal do senhorio de Deus” (São Gregório de Nazianzo, or. 40,4-4)
3 . “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o evangelho a toda criatura.
Aquele que crer e for batizado, será salvo;
o que não crer será condenado!” (Mc 16,15-16)
Com estas últimas palavras de Jesus antes de subir ao céu, ligamos toda a reflexão e sobretudo as Diretrizes para o Batismo na Igreja de Pesqueira ao impulso que as Santas Missões Populares estão dando às nossas comunidades e paróquias. É na perspectiva da evangelização que desejamos iniciar esta nova experiência em nossa Igreja local.
Renovo o apelo que fiz aos presbíteros, às religiosas e aos participantes da Assembléia sobre o Batismo em novembro do ano passado e, a partir daí, em todas as instâncias da diocese, de se engajarem de todo coração na vivência do nosso batismo e de acolher com amor as famílias que procuram a Igreja para o Batismo de seus filhos.
Nas novas Diretrizes não apresentamos um caminho fácil, mas um caminho árduo e exigente sobretudo para nós batizados, membros vivos e atuantes na Igreja, chamados a dar razão da nossa fé e da nossa esperança.
Batizados na água e no Espírito, deixemos que Ele seja o protagonista e transforme a nossa vida pessoal e as nossas relações dentro da Igreja. Ele que se manifestou como fogo, inflamará o nosso coração e o fará arder para que a salvação de Cristo chegue ao coração das pessoas às quais anunciamos e para as quais testemunhamos o seu evangelho.
Nossa Senhora, “a primeira cristã”, sacrário vivo do Espírito Santo, à qual consagramos as nossas crianças logo após o Batismo, atraia sobre a nossa Igreja de Pesqueira uma abundante presença deste mesmo Espírito para que em nós seja gerado e formado Cristo Jesus.
Com minha bênção de Pastor.
Pesqueira, 01 de novembro de 2010
Festa litúrgica de Todos os Santos
Dom Francisco Biasin
Bispo de Pesqueira - PE
Fonte: CNBB NE2