“A grande mídia tem sido responsável pela difusão dos maiores argumentos favoráveis à expansão de transgênicos em todo o mundo. E a experiência com a soja transgênica tem demonstrado claramente que, ao invés de solucionar questões da agricultura, a transgenia vem provocando novos problemas técnicos”.
Antônio Inácio Andrioli,
professor na Unijuí, RS, e na Universidade Johannes Kepler, na Áustria, e autor do livro “Transgênicos, sementes do mal”.
Site: www.andrioli.com.br
Mundo Jovem: O que são os transgênicos?
Antônio Inácio Andrioli: Transgênicos são plantas ou animais produzidos através da transferência de genes entre espécies vivas, que naturalmente não se cruzam. Após as teorias de Darwin e Mendel, foi fundamental para a transgenia a descoberta do DNA e a constatação de que nele estavam genes dispostos numa determinada sequência, sendo responsáveis pelas características hereditárias. Mais tarde, descobriu-se que o DNA é recombinante e que, com o auxílio de enzimas, é possível isolar e recortar suas partes. Com o desenvolvimento da ciência, tornou-se possível introduzir em um ser vivo as partes recortadas do DNA de outro. Como a atividade de um gene depende de sua posição exata, do ambiente celular e do meio ambiente, é muito improvável que a integração de um novo gene tenha apenas uma função, sendo, portanto, difícil excluir efeitos colaterais indesejados.
Mundo Jovem: Isso indica riscos?
Antônio Inácio Andrioli: Existem vários estudos que demonstram os riscos dos transgênicos para a saúde. Em uma variedade de milho resistente a insetos, desenvolvido pela Bayer em 2002, foi constatado o perigo de causar alergias. A variedade MON 863, da Monsanto, resistente a insetos, suscitou uma enorme polêmica em 2004, quando, em testes de alimentação desenvolvidos com ratos, foram constatadas modificações no sangue das cobaias (aumento de glóbulos brancos, elevada glicose e aumento de infecções renais). Um recente estudo realizado na Áustria com milho transgênico comprova que o milho MON 810 da Monsanto (aprovado para cultivo no Brasil) causa problemas reprodutivos em animais. No que se refere à soja, pesquisadores de várias universidades constataram, em testes de alimentação com camundongos, a ocorrência de alterações na estrutura do fígado e nos rins.
Mundo Jovem: Por que o Brasil é tao aberto e favorável aos transgênicos?
Antônio Inácio Andrioli: Além das multinacionais interessadas na venda de agrotóxicos, os grandes produtores rurais brasileiros visualizam nos transgênicos a possibilidade de industrializar a agricultura, cultivando monoculturas em grandes áreas de terra, dependendo cada vez menos de trabalhadores rurais.
Num segundo momento, interessa a esses produtores rurais que diminua o número de pequenos agricultores. Isso lhes permite mais espaço na concorrência e a compra de terras baratas. Esses interesses de multinacionais e latifundiários somam-se aos do governo, que busca atrair investimentos externos e apoiar as agroexportações.
Mundo Jovem: Os produtos transgênicos devem conter um rótulo específico?
Antônio Inácio Andrioli: No Brasil existe a lei de rotulagem e identificação desses produtos. Mas curiosamente a maioria dos defensores dos transgênicos é contrária à rotulagem. Por isso cabe a pergunta: se eles estão tão seguros da ausência de riscos desses produtos, por que seriam contra a possibilidade de identificá-los? Ainda não há uma consciência de que os transgênicos são responsáveis por problemas de saúde, problemas técnicos na agricultura, que eles têm contribuído para o aumento da fome, porque essa informação não chega. Os meios de comunicação no Brasil não colocam isso em pauta, e nesse sentido aproveito para parabenizar o Mundo Jovem, que decidiu abordar esse tema. Além disso, é necessário acrescentar que há projetos de lei no Brasil para acabar com a exigência de rotulagem e que muitas empresas não cumprem a legislação em vigor.
Na Europa, há um outro escândalo no que se refere à legislação: mesmo sabendo que 80% das plantas transgênicas são destinadas à alimentação animal, os seus produtos derivados (carne, ovos, leite) não precisam ser rotulados. A alternativa para informar os consumidores pode ser identificar os alimentos isentos de transgênicos.
Mundo Jovem: Quais são os produtos já modificados geneticamente?
Antônio Inácio Andrioli: As áreas plantadas atingiram neste ano aproximadamente 100 milhões de hectares, em 21 países. No entanto são cinco os países que, globalmente, apresentam a maior área de cultivo transgênico: EUA, Argentina, Brasil, Canadá e China. Atualmente, depois da liberação oficial da soja transgênica, em 2005, o Brasil apresenta o maior potencial de produção. A soja, com 54 milhões de hectares (60% da área total de plantas transgênicas), continua liderando.
Seguem o milho, com 24%; o algodão, com 11%; e a colza (canola), com 5%. No Brasil, já se consome o óleo de soja, e a lecitina da soja está em milhares de produtos. Mas no milho isso é muito mais grave. Porque o brasileiro come milho, e os seus derivados estão em toda a nossa cultura alimentar.
Mundo Jovem: Existe risco de contaminação das lavouras convencionais por transgênicos?
Antônio Inácio Andrioli: O mito da coexistência e da liberdade do consumidor é constantemente usado para rebater críticas. Em função das condições naturais, a coexistência entre cultivos transgênicos e convencionais não é possível. Especialmente no caso do milho, a contaminação genética pode ser constatada em todas as regiões do mundo em que as plantas transgênicas começaram a ser cultivadas.
Consequentemente, a liberdade de escolha de agricultores e consumidores deixa de ser assegurada, pois ambos passam a ser forçados a utilizar as plantas transgênicas. O milho se contamina de uma lavoura para a outra, pois é uma planta de pulverização aberta e cruzada, diferente da soja, que se autofecunda.
Mundo Jovem: Mas os transgênicos no vieram para erradicar a fome?
Antônio Inácio Andrioli: O combate à fome nunca esteve presente nos objetivos das empresas que desenvolveram as plantas transgênicas. A fome é um problema social decorrente da injusta distribuição de riquezas e não da falta de alimentos. A quantidade de alimentos produzida atualmente é suficiente para alimentar uma vez e meia toda a população mundial. Uma maior produtividade não é a alternativa para combater a fome. Esse argumento é o mesmo que foi usado por ocasião da introdução dos agrotóxicos pelas multinacionais e hoje vemos que a fome aumentou e não diminuiu após a sua presença na agricultura.
Além disso, os trangênicos inviabilizam a agricultura familiar - que no Brasil é responsável pela maior parte da produção de alimentos - e gera mais êxodo rural e concentração de terra.
Mundo Jovem: Quais seriam as alternativas aos transgênicos?
Antônio Inácio Andrioli: No Brasil, uma reforma agrária massiva e qualificada, combinada com o fortalecimento da agricultura familiar, é o pilar de um outro modelo de desenvolvimento. Porque possibilita que milhões de pessoas excluídas possam produzir e se alimentar.
Os pequenos agricultores só têm a perder com a soja transgênica e isso os próprios defensores dos transgênicos admitem. A monocultura, economicamente viável somente em grandes áreas, tende a baixar os preços e, ao mesmo tempo, exige altos investimentos. O maior recurso da agricultura familiar é a disponibilidade de força de trabalho, cuja importância o cultivo de transgênicos pretende substituir e/ou reduzir.
Mundo Jovem: Como tratar este tema na escola, com os jovens?
Antônio Inácio Andrioli: Nas escolas, é importante debater esses problemas para que se possa construir uma consciência crítica em relação a essa e a outras tecnologias de risco. Na Alemanha, diante da resistência da população, decorrente do acesso facilitado a informações críticas, as multinacionais da indústria química estão agindo ofensivamente nas escolas, na tentativa de divulgar seus produtos, que não são desejados pela população em geral.
Contra esse tipo de estratégia somente a educação e a mobilização social podem ajudar, na medida em que alunos desde cedo aprendem a questionar a transgenia, construindo uma opinião crítica.
Estratégias para desinformar a população
A difusão de transgênicos beneficia poderosas multinacionais (Monsanto, Bayer, BASF e Syngenta), interessadas no aumento da venda de agrotóxicos e nos royalties (taxas sobre o uso de tecnologias) decorrentes do patenteamento de sementes. Considerando que a maioria dos consumidores é contrária ao uso da tecnologia transgênica, essas multinacionais assumiram a estratégia de construir “fatos consumados” e desinformar a população.
A estratégia é aplicada através dos seguintes passos: a) acostumar os agricultores ao uso do herbicida; b) influenciar a pesquisa pública através de financiamento; c) adquirir empresas produtoras de sementes nos países e monopolizar sua produção; d) escolher uma região e aguardar a contaminação; e) ganhar pesquisadores e políticos para a causa da multinacional; f) instalar uma rede de técnicos parceiros, através da criação de empresas de assistência técnica; g) promover enormes campanhas de publicidade; h) escolher, como propriedades-modelo, agricultores bem-sucedidos nos municípios e apoiá-los; i) criar fatos que diminuam argumentos críticos do público em geral; j)promover ofertas baratas para herbicidas e sementes (isto é, inicialmente livres de royalties); k) forçar condições legais pelo trabalho de lobby e da influência sobre parlamentos e governos; l) ganhar organizações parceiras para o controle, como cooperativas e outras empresas agrícolas.
Agroecologia, a alternativa
A alternativa para a agricultura familiar é a agroecologia, cuja tecnologia socialmente apropriada é a melhor forma de reduzir custos de produção e remunerar o trabalho dos agricultores. É claro que isso pressupõe a ação incisiva do estado e o seu compromisso com a soberania alimentar da nação. É fundamental que sejam disponibilizados recursos para o crédito rural, para a assistência técnica, para a construção de pequenas agroindústrias e redes de comercialização direta, que reduzam a dependência dos agricultores em relação ao complexo agroindustrial das grandes empresas multinacionais e ao seu modelo tecnológico.
Tanto os consumidores como os pequenos agricultores poderiam unir-se, constituindo áreas livres de transgênicos, seja na produção, seja no consumo. Essa auto-organização cooperativa de produtores e consumidores atingidos pela expansão de transgênicos eu avalio como a melhor estratégia de resistência possível. E, se considerarmos que 70% dos consumidores brasileiros rejeitam alimentos transgênicos, esse potencial existe concretamente, carecendo de iniciativas de organização social.
No momento em que não há mais produção garantidamente não-transgênica, os consumidores não terão mais direito de escolha na hora da compra. Da mesma forma, no momento em que agricultores que se propõem a resistir contra os transgênicos, produzindo de forma mais viável, sustentável e com melhor qualidade, têm suas lavouras contaminadas por vizinhos, seu direito de produzir sem o uso da transgenia passa a ser ameaçado. Essa forma de resistência vem sendo difundida na Europa e é a mais efetiva, pois permite que um mercado de produtos ecológicos seja organizado de forma cooperativa e solidária, aproximando os verdadeiros interessados, abrindo novas e reais perspectivas para ambos.
Fonte: Jornal Mundo Jovem