2ª Carta Pastoral - Dom Francisco Biasin
Aos Presbíteros e diáconos
Aos religiosos e religiosas
A todas e todos os catequistas
Aos fiéis leigos e leigas da diocese.
“Tua palavra é lâmpada para os meus pés, luz para o meu caminho!”
(Salmo 118,105)
Irmãs e irmãos muito amados em Cristo Jesus,
Caminhamos na certeza de que é o Senhor a conduzir o nosso caminho pessoal e eclesial e que é necessário deixar-se conduzir por Ele sempre, sobretudo quando somos chamados a enfrentar novos desafios históricos e, por assim dizer, a reinventar o nosso modo de crer e de apresentar a mensagem de Jesus ao mundo de hoje, caracterizado por rápidas e profundas transformações.
Após a realização das Semanas Missionárias em cada paróquia da nossa Diocese, sentimos a necessidade de apresentar aos fiéis, especialmente aos missionários, a força e a luz para continuar o caminho iniciado e percorrido: a luz outra coisa não é senão a Palavra de Deus, e a força nos vem quando ela se torna nosso alimento diário.
Certamente, foi uma grande graça o Curso bíblico ministrado pelo Frei Carlos Mesters no início de fevereiro: serviu como semente lançada em bom terreno que dará “frutos em tempo oportuno”. Acrescenta-se a este, um momento de Deus: o Ano Catequético que celebramos em todo o Brasil e que, na nossa diocese, terá destaque em relação à coordenação e articulação catequética, nos vários níveis de Igreja.
Vivemos ainda repletos da riqueza que o Sínodo sobre a Palavra, celebrado no mês de outubro do ano passado em Roma, reverberou sobre toda a Igreja, pelas numerosíssimas contribuições de bispos de todas as partes do mundo que “contaram” a vivência da Palavra nas mais variadas expressões da vida de fé das suas Igrejas.
É por isso que desejo apresentar a todos os fiéis, neste ano catequético, uma breve e simples Carta Pastoral que possa contribuir a uma mais aprofundada compreensão da riqueza da Palavra de Deus na vida de cada cristão e ao apreço que devemos ter na Igreja por esta presença particular de Deus na sua Palavra.
1. NO PRINCÍPIO ERA A PALAVRA! (Jo 1,1)
Indagações sobre a origem da vida e do universo sempre houve. Os “por quês” das criancinhas sejam talvez o primeiro ensaio de cada pessoa que indaga ao longo da vida toda. As várias teorias que hoje tentam responder a essas interrogações acrescentam ulteriores elementos e, respeitando os diferentes níveis de conhecimento, têm o mesmo valor daquelas apresentadas pelo homem da pedra e pelas gerações que nos precederam. Nós, homens e mulheres de fé, devemos respeitar a justa autonomia da ciência e vibramos com todas as descobertas feitas através dos poderosos e sofisticados instrumentos de pesquisa que a tecnologia coloca à disposição da comunidade científica.
Para quem tem fé, a origem de tudo está na PALAVRA. Basta ler o livro do Gênesis onde cada ato criador é realizado pela Palavra de Deus: - “E Deus disse!” - quase a identificar a força criadora de Deus com a palavra que sai de sua boca! É a partir da Palavra que tudo começa a ter ordem, sentido e vida! Toda a criação é, portanto, uma Palavra de Deus: esta é que sustenta os seres criados na existência e na vida. Diante de cada coisa criada, quem crê pode dizer extasiado, como que numa liturgia perene: “É Palavra de Deus!”.
Se São Francisco, no cântico das criaturas, louva ao Senhor pelo irmão sol, pela irmã lua, pela mãe terra, é certamente porque enxergava, com o olhar da fé, a presença de Deus que com a sua Palavra criou e com a sua força sustenta toda a criação, colocando cada ser ao lado do outro num serviço recíproco, na harmonia do AMOR que a tudo dá sentido e vida. O livro da criação contém inúmeras palavras de Deus. Basta saber ler e interpretar!
A criação é o livro aberto para todos, de qualquer religião, raça e cultura. É sem dúvida o livro que mais une as pessoas no reconhecimento das obras de Deus e faz a todos exclamar com o salmista: “Os céus narram a glória de Deus, o firmamento anuncia a obra de suas mãos. O dia transmite ao dia a mensagem e a noite conta a notícia a outra noite. Não é uma fala, nem são palavras, não se escuta a sua voz. Por toda a terra difundiu-se a sua voz e aos confins do mundo chegou a sua palavra!” (Salmo 19,2-5)
Para refletir:
• A gente tem o hábito de “ler e contemplar” a presença de Deus que nos fala através da criação?
• Nós, cristãos, de que forma nos colocamos diante da destruição da terra, obra de Deus, causada pelo lucro e pela ganância?
• Sentimos a grandeza da fraternidade universal, pondo-nos ao lado de irmãos de outras igrejas e de outras religiões por sermos filhos do mesmo Pai e por habitarmos a mesma “casa” onde Deus colocou os seus filhos?
2. MUITAS VEZES E DE MODOS DIVERSOS FALOU DEUS, OUTRORA, AOS PAIS PELOS PROFETAS. (Hb 1,10)
Como é bonito, numa procissão onde participam milhares de pessoas, ao fim de uma subidinha, olhar para trás e ver a multidão caminhando e cantando! Na procissão da história é bonito também olhar para trás e ver que a mesma Palavra iluminou, orientou e sustentou a vida dos nossos pais.
Deus nunca se ausentou da história da humanidade e particularmente do seu povo. Ele usou de muitos e variados instrumentos para falar. Um deles, o privilegiado, foram os profetas!
Na história do povo de Deus, os profetas foram a própria voz de Deus, a partir da experiência de fé dos pobres e dos pequenos. “Os pobres de Javé”, o “pequeno resto de Israel” foram o chão do qual brotaram os profetas e seus discípulos. As profecias por eles anunciadas sempre se colocaram em contraste com os grandes e poderosos que oprimiam os pequenos e tentaram fazer a história a partir de projetos de vanglória e de poder.
Os grandes profetas sempre surgiram em tempo de grande provação para o povo, sobretudo no cativeiro, para animar-lhe a esperança e indicar-lhe caminhos novos na fidelidade à aliança com seu Deus. Podemos comparar os períodos do cativeiro a uma tempestade que, sacudindo a flor, espalha a semente e prepara assim uma nova floração.
Da mesma forma, os fatos violentos do exílio sacudiram o povo, dispersando-o como semente no meio do mundo, preparando-o para uma nova missão: ser “luz das nações” (Is 42,6; 49,6). Deus tirou a sua videira da cerca protegida da Palestina (Is 5,1-2; Sl 80,9-17) e a plantou no meio das nações para que fosse servidora de Deus para todos os povos (Is 41,8; 42,1) e “fonte de bênção para todas as famílias da terra” (Gn 12,3). Deste modo, à luz da experiência de Deus e das profecias do passado, a situação de cativeiro e de dispersão, que parecia um golpe mortal para o povo, tornou-se apelo de Deus e anúncio de esperança e de vida nova.
Foi assim que também Jesus fez a releitura de “Moisés e dos profetas” no caminho de Emaús: a cruz, sinal de morte e causa de incredulidade e de desespero, tornou-se sinal de ressurreição e de vida.
Para refletir:
• Temos o hábito de iluminar a nossa oração e a nossa reflexão com as palavras dos profetas a fim de compreendermos melhor as palavras, as atitudes e a obra de Jesus?
• Temos confiança na missão que Deus confiou aos pobres e aos pequenos, animados pelos profetas em tempos difíceis e que hoje ele confia a nós (pequenos e pobres), ou nos consideramos sempre dependentes dos outros (padres, professores, autoridades, etc.) incapazes e medrosos diante das dificuldades?
• Temos usado a sabedoria para ler os fatos da nossa vida pessoal, comunitária e social à luz da Palavra de Deus ou adotamos o pensamento fornecido pela televisão e pela opinião pública?
3. ESCUTA, ISRAEL!
“Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor!” (Dt 6,4). Inicia assim a profissão de fé do piedoso israelita, afirmando de um lado a iniciativa de Deus em comunicar-se para salvar, e do outro, a abertura do coração do fiel para acolher a salvação em consonância com a Palavra que salva.
Quem se põe a escutar não é o fiel em particular, mas o próprio povo: é Israel. É uma escuta comunitária, de povo, e isso acontecia nas famílias, nas sinagogas e no deserto, ao redor de uma fogueira ao entrar da noite, no meio das tendas. A vivência comunitária dava um gosto particular à escuta da Palavra e mantinha viva a fé do povo diante das dificuldades da sua caminhada histórica. Encontramos rastros dessa vivência e dessas tradições nos livros do Êxodo e do Deuteronômio, assim como nos Salmos que contam e cantam em versos a história do povo de Israel libertado pelo poder de Javé. Muitos Salmos, de fato, eram hinos cantados pelo povo para comemorar as vitórias alcançadas pela mão forte do Senhor: assim não se perdia a sua memória histórica e celebrativa.
Típica, neste sentido, é a versão de Ex 13, 14-16, quando conta a celebração da Páscoa numa família judaica: “E quando amanhã teu filho te perguntar: - Que é isso? - responder-lhe-ás: - Javé tirou-nos do Egito, da casa da escravidão, com mão forte. Pois, tendo-se obstinado Faraó e não querendo deixar-nos partir, Javé matou todos os primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito do homem até o primogênito dos animais. É por isso que sacrifico a Javé todo macho que sai primogênito do útero materno e resgato todo primogênito de meus filhos. Isto será, pois, como um sinal na tua mão e como um frontal entre os teus olhos, porque Javé nos tirou do Egito com mão forte -”.
Podemos afirmar, com toda certeza, que a religião do povo de Israel é antes de tudo uma religião da escuta que, na tradição mais pura herdada pelos profetas, suscitava a fé como resposta coletiva e fiel à iniciativa de Deus de salvar o seu povo.
Para refletir:
• Cultivamos a atitude da escuta de Deus e dos outros na nossa vida ou vivemos distraídos, dissipando o nosso tempo em coisas inúteis?
• Conseguimos transmitir aos nossos filhos - ou às novas gerações - os valores permanentes do evangelho e da vida? Como fazemos isso?
• Como se dá, em nosso meio, a escuta comunitária da Palavra de Deus a fim de podermos encontrar caminhos comuns para respondermos aos desafios do mundo de hoje?
4. “QUANDO CHEGOU A PLENITUDE DO TEMPO, DEUS ENVIOU O SEU FILHO, NASCIDO DE UMA MULHER...” (Gal 4,4)
Deus plenificou o nosso tempo, isto é, a nossa história, quando enviou o seu Filho. Poderíamos dizer que o “relógio de Deus” sincronizou com o nosso quando “a Palavra se fez carne e habitou entre nós!”(Jo 1,14a). A comunicação entre Deus e a humanidade sintonizou-se perfeita e plenamente quando, da parte de Deus houve a iniciativa de enviar o seu Filho (Gal 4,4), e quando, da parte da humanidade, Maria disse: “Eis a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua Palavra!” (Lc 1,38)
O mistério da Encarnação e a realidade da Palavra estão reciprocamente tão relacionados que quem acolhe a Palavra acolhe o próprio Jesus, e não é possível acolher e compreender Jesus sem ter acesso ao sentido “espiritual” (segundo o Espírito) da Palavra: aqui, quando se diz Palavra não se diz letra ou conjunto de letras que formam uma palavra, mas a presença de Deus que pela força do Espírito dá vida e sentido à Palavra. A esse respeito bem diz Paulo: “A letra mata, o Espírito é que dá a vida!” (2Cor 3,6).
Os Padres da Igreja, isto é, os primeiros autores cristãos depois dos Apóstolos, identificam a Palavra com o próprio Corpo de Cristo. Santo Inácio de Antioquia, mártir, afirma: “Meu refúgio é o Evangelho que é para mim como a carne de Jesus” (Carta aos cristãos de Filadélfia, 5). E Santo Agostinho pronuncia este discurso: “Digam-me, irmãos, o que lhes parece valer mais: a Palavra de Deus ou o Corpo de Cristo? Se quiserem responder a verdade, devem admitir que não seja menos importante a Palavra que o Corpo de Cristo. Portanto, se no momento em que nos é ministrado o Corpo de Cristo prestamos toda atenção para que nada caia das nossas mãos por terra, do mesmo modo devemos prestar atenção para que, quando nos é ministrada a Palavra de Deus, ela não desapareça do nosso coração, por pensarmos ou falarmos em outro assunto. Não terá menos culpa quem terá acolhido negligentemente a Palavra de Deus do que aquele que, por estar distraído, terá deixado cair por terra o Corpo de Cristo” (Sermão 300: Sobre como se deve receber a Palavra de Deus)
Para concluir, lembremos do que nos diz a Igreja a esse respeito: “A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, como também o Corpo do Senhor; sobretudo na sagrada liturgia, nunca deixou de tomar e distribuir aos fiéis, da mesa tanto da Palavra de Deus como do Corpo de Cristo, o pão da vida”. (Constituição Dei Verbum sobre a Palavra de Deus, 21)
Para refletir:
• Durante a liturgia, damos a devida atenção quando se proclama a Palavra de Deus, assim como quando recebemos o Corpo do Senhor no Pão consagrado? Como é a nossa prática?
• A nossa vida e o nosso tempo estão penetrados pela Palavra de Deus? Em que sentido?
• Costumamos interpretar a Palavra de Deus ao “pé da letra” ou temos o cuidado de buscar compreendê-la em seu contexto, à luz do Espírito Santo que dá vida e sentido ao texto que meditamos?
5. “ESCUTAI HOJE A SUA VOZ! NÃO ENDUREÇAIS O VOSSO CORAÇÃO!” (Sl 95,8)
“O Senhor Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição que fossem, a santidade de vida, de que ele próprio é autor e consumador: “Sede perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5,48)” (LG 40) É com estas palavras que o Concílio Vaticano II convida todos os fiéis a uma vida de santidade. Mas como alcançar esta meta?
Tem um caminho simples, válido para todos: deixar-se guiar, dia após dia, pela Palavra de Deus, obedecendo ao seu querer. Assim ensinava Clemente de Alexandria: “Quem obedece ao Senhor e por seu meio segue a Escritura é transformado plenamente à imagem do Mestre: ele chega a viver como Deus em carne. Mas esta altura não pode ser alcançada por aqueles que não seguem a Deus que conduz e ele conduz pelas Escrituras divinamente inspiradas”. (Stromatum VII, 16)
No seu amor pessoal por cada um de nós, Deus pensou no nosso caminho e no-lo revela dia após dia, na medida em que caminhamos. De fato entramos no Reino dos céus somente se nos deixarmos conduzir por ele, como uma criança que se confia aos pais: “Em verdade vos digo: se não vos converterdes e não vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus!” (Mt 18,3)
O segredo consiste em escutar a voz do Senhor, acolhendo as suas palavras, uma por vez e vivê-las no presente, assim como uma longa caminhada é feita de pequenos passos, um após o outro. Basta uma palavra de cada vez, porque cada palavra contém todas as palavras, contém o Verbo. Vivendo bem uma palavra vivo todas elas e Cristo vive em mim.
De fato Jesus nos ensina a pedir a comida de cada dia: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje” (Mt 6,11). Amanhã procuraremos a comida para amanhã: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação. A cada dia basta o seu mal!” (Mt 6,34). Amanhã nos alimentaremos com outra Palavra, aquela de hoje nos basta porque a obra da salvação se realiza sempre no hoje. “Hoje” se cumpre a Escritura lida por Jesus na sinagoga de Nazaré (cfr. Lc 4,21). “Hoje” Jesus deve hospedar-se na casa de Zaqueu, “hoje” a salvação entra em sua casa (cfr. Lc 19,5.9). “Hoje” o bom ladrão entra com Jesus no paraíso (cfr. Lc 23,43). É “hoje” que Deus quer encontrar corações dóceis e abertos que se deixem trabalhar por ele e saibam responder com amor e generosidade ao seu convite de amor.
Existem muitos métodos para viver assim:
1. A Palavra de vida: uma frase do evangelho a ser vivida durante um mês.
2. A Leitura orante da Bíblia ou “Lectio divina”: método antigo, reinterpretado hoje na vida religiosa e nas comunidades cristãs. Frei Carlos Mesters o apresentou no curso bíblico de fevereiro.
3. O dado do amor: trata-se de um dado onde em suas faces estão escritas frases do evangelho para viver o amor fraterno. A cada dia, o dado é lançado e se vive a frase que aparece na face superior.
4. O evangelho dominical: tira-se uma frase-chave do evangelho de cada domingo e se escreve em letreiro, ao lado do altar ou na entrada da igreja, para ser vivida pelos fiéis ao longo da semana. Na homilia, faz-se necessário preparar e frisar, com ênfase, esta frase.
Estes métodos, aplicados de acordo com as pessoas e as circunstâncias, sobretudo na catequese e nos pequenos grupos, produzem mudanças profundas na vida dos fiéis. Não é para desprezá-los!
O importante, com estes ou outros métodos, é colocar em prática a Palavra, a ela responder generosamente e verificar, ao fim do dia, se as nossas atitudes corresponderam à Palavra que nos propusemos viver.
Para refletir:
• Entre os muitos lembretes que todos os dias escrevo em algum lugar (para fazer compras, para o colégio, para telefonar para alguém, etc.), tem um lembrete da Palavra de Deus a me alimentar e orientar ao longo do dia?
• Adio sempre o meu compromisso com Deus e com a sua Palavra dizendo: “amanhã vou começar!” ou sei aproveitar do momento presente da vida, sabendo que a salvação se realiza “hoje”?
• Uso algum método para vivenciar a Palavra de Deus na minha vida? Qual?
6. UMA SÍNTESE MARAVILHOSA: A MENSAGEM FINAL DO SÍNODO DOS BISPOS SOBRE A PALAVRA
Não poderia deixar de mencionar nesta minha carta, a mensagem dos bispos que, no sínodo sobre a “Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, enviaram ao Povo de Deus, realçando brevemente os quatro pontos desta mensagem.
1. A voz da Palavra: a Revelação
“As Sagradas Escrituras são o “testemunho” de forma escrita da palavra divina. Portanto a Palavra de Deus precede e excede a Bíblia, que contudo é “inspirada” por Deus e contém a palavra divina eficaz. É por isso que a nossa fé não tem no centro um livro, mas uma história da salvação e uma pessoa, Jesus Cristo, Palavra de Deus que se fez carne, homem, história.”
2. O rosto da Palavra: Jesus Cristo.
“A tradição cristã muitas vezes estabeleceu um paralelo entre a Palavra divina que se faz carne e a mesma Palavra que se faz livro. Com efeito, também a Bíblia é “carne”, “letra”, porque se exprime em línguas particulares, em formas literárias e históricas, em concepções ligadas a uma cultura antiga, conserva memórias de acontecimentos muitas vezes trágicos. As suas páginas são freqüentemente manchadas de sangue e de violência, no seu interior ressoa o riso da humanidade e escorrem as suas lágrimas, assim como se eleva a oração dos infelizes e a alegria dos namorados.
Precisamente porque no centro da Revelação está a palavra divina que adquiriu um rosto, a meta final do conhecimento da Bíblia “não é uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, Cristo, que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (DCE 1)”
3. A casa da Palavra: a Igreja
A Igreja, casa da Palavra é sustentada por quatro pilares: o ensinamento dos apóstolos, a comunhão fraterna, a fração do pão e a oração (cfr.At 2,42). “Como Jesus recordava, para ser seus irmãos e suas irmãs, é necessário ser como “aqueles que ouvem a Palavra de Deus e que a põe em prática. (Lc 8,21). A escuta autêntica é obedecer e agir, é fazer prosperar na vida a justiça e o amor, é oferecer na existência e na sociedade um testemunho na linha do apelo dos profetas, que unia constantemente a Palavra de Deus e a vida, a fé e a retidão, o culto e o compromisso social”
4. Os caminhos da Palavra: a Missão.
“Cristo ressuscitado lança aos apóstolos receosos o apelo a saírem dos confins do seu horizonte protegido: “Ide, fazei discípulos de todas as nações... ensinando-as a observar tudo quanto vos tenho mandado”(Mt 28,19-20). A Bíblia está inteiramente imbuída de apelos a “não calar”, a “clamar com força”, a “ anunciar a Palavra oportuna e inoportunamente”, a ser sentinela que rompe o silêncio da indiferença. Os caminhos que se abrem diante de nós não são, pois, somente aqueles ao longo dos quais caminhavam São Paulo e os primeiros evangelizadores e, atrás deles, todos os missionários que se dirigiam aos povos de terras distantes”.
Nota: Os textos em itálico são da mensagem dos bispos ao Povo de Deus. Osservatore Romano 01/11/ 2008
7. MARIA: A DISCÍPULA FIEL
Ao terminar esta minha Carta Pastoral, desejo ardentemente apresentar a todos os fiéis, mas, sobretudo às irmãs e irmãos catequistas, a figura de Maria em duas atitudes autenticamente evangélicas. Trata-se da primeira e da última frase que os evangelhos colocam nos lábios dela.
A primeira das sete “palavras” pronunciadas por Maria é uma pergunta: “Como vai acontecer isso?” (Lc 1,34). A Palavra de Deus anunciada pelo anjo Gabriel parece impossível de ser realizada, é incompreensível. A revelação, feita de palavras e acontecimentos, é sempre difícil de ser compreendida e acolhida, também para Maria. Ela quer entender, penetrar no mistério. Não importa se precisa de tempo. Ela também, embora já santa na imaculada conceição, é chamada a percorrer um constante caminho de fé. Para ela, assim como para cada cristão, a compreensão das palavras e dos acontecimentos do evangelho acontece na medida em que adere à vontade do Pai e percorre o caminho do sofrimento: vivendo e amando tem a luz. (cfr. Paulo VI Marialis cultus, 56) A esta pergunta de Maria, como conseqüência vem a resposta: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Maria se rende incondicionalmente à Palavra de Deus, compreendida ou não. Torna-se, assim, o ícone do acolhimento e da disponibilidade. Orígenes, um escritor do 3° século, assim interpreta estas suas palavras: “Eu sou uma folha branca, onde o escrivão pode escrever o que ele quiser. Faça de mim o que quer o Senhor rei do universo!” (Comm. in Lucam, fragm. 17).
A última palavra de Maria relatada nos evangelhos é aquela dirigida aos servos, nas bodas de Caná da Galileia: “Fazei o que ele vos disser”(Jo 2,5). A sua última palavra orienta para a Palavra. Maria orienta a Cristo e nos convida a viver cada palavra sua. Torna-se destarte o ícone de quem anuncia a Palavra. Ela não a anunciou com a boca, pois não é um apóstolo enviado a proclamar a Palavra. Ela gerou a Palavra e, uma vez gerada, a apresenta, primeiro aos pastores, depois aos Magos e agora, em Caná, a aponta aos servos e, neles, a todos os homens e mulheres de todos os tempos: “Fazei o que ele disser!”. Mãe da Palavra não atrai a si, mas põe-se a seu serviço, tornando-se “serva da Palavra” para que resplandeça como luz das nações.
Também quem é chamado a anunciar a Palavra será autêntico servo da Palavra na medida em que tiver condições não apenas de anunciar, e sim de dar a própria Palavra, como fez Maria.
Pesqueira, 25 de março de 2009
Festa da anunciação do Senhor
em que a Palavra se fez carne e habitou entre nós