Maria - a estrela do mes maio

 


Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer

O mês de maio que agora começamos é tradicionalmente, na Igreja, dedicado a Maria. Isto
nos convida, portanto, a conhecer um pouco mais, segundo a revelação bíblica, quem é esta
mulher que Deus escolheu desde toda a eternidade para ser a mãe de Seu Filho Jesus.
Na Sagrada Escritura, aquilo que é narrado, ainda que se centre mais em um determinado
personagem, se refere em verdade a um coletivo, a um povo. Assim, as figuras masculinas
e femininas que precedem a aparição de Maria no Antigo Testamento: Abraão, Moisés,
Miriam, Ana, Rute, Judite, Ester e outras, são, ao mesmo tempo, imagens de homens e
mulheres individuais e imagens de um povo. Através de suas ações se revela a força de
Deus que salva seu povo e a resistência desse mesmo povo, expressada naquelas figuras de
homem e de mulher. A missão de cada pessoa e especialmente de algumas com carismas
especiais, ressaltam, pois, a dimensão coletiva das ações humanas, e a construção coletiva
da história.
Á luz dessa leitura da Sagrada Escritura se procura entender o lugar e o papel de Maria.
Não se trata somente da pessoa individual Miriam de Nazaré, senão da mulher que é
imagem do povo fiel, particular morada de Deus. A afirmação de que Deus se fez carne em
Jesus deve ser completada com outra com o mesmo valor teológico: Deus nasce de uma
mulher. O Novo Testamento quer mostrar que com Maria e com Jesus começa um novo
tempo para a história da humanidade. Há uma espécie de salto de qualidade em sua prática
e consciência religiosa. É a consciência da presença de Deus na carne humana. Deus
habita a terra humana e é descoberto e amado na carne humana.
Maria, ainda que nascida em um contexto patriarcal, onde a mulher é coisa, propriedade do
homem a todos os níveis, é uma figura que vive entre os dois Testamentos. Participa e
saboreia da nova experiência libertadora do movimento de seu Filho, que inaugura um
discipulado igual para homens e mulheres. É portadora, justamente com as outras
mulheres da primeira hora da Igreja, de uma nova esperança e um novo modo de ser
mulher. Representante legítima do povo de Israel, figura-símbolo da Sião fiel, Maria é
também e não menos - portadora do novo Israel, do novo povo, da nova aliança que Deus
faz com a humanidade, onde a mulher já não aparece passiva e submissa ao homem, não
mais como ser inferior, mas como sujeito ativo e responsável, companheira do homem,
assumindo com ele, ombro com ombro, muitas das tarefas inerentes ao anúncio da Boa
Nova.
O Novo Testamento, nos poucos textos que recolhe sobre Maria, ilustra estas perspectivas.
Paulo: Em Gl 4, 1-7, Paulo diz que “na plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho,
nascido de mulher”. A teologia deste versículo paulino oferece, na figura da mulher que dá
à luz o Filho de Deus na plenitude dos tempos, a convergência entre escatologia e história,
antropologia e teologia. A partir daí, não há mais lugar para androcentrismo ou dualismo
de qualquer espécie, senão que todo reducionismo antropológico ou teológico cede seu
lugar à confissão de fé de que o Verbo se fez carne na carne humana, carne de homem e
mulher, na realidade e nos limites da história. Diz também que o reino chegou, a plenitude
do tempo está aí , sob nossos olhos, a nova criação já é realidade porque Deus enviou seu
Filho nascido de mulher. A luz de este mistério, o reino acontece na comunidade de
homens e mulheres que, com suas lutas e sofrimentos, dores e alegrias, fazem explodir em
todo momento a novidade incansável e bela do amor.
Mateus: Este evangelho lê os novos acontecimentos desencadeados pelo fato-Jesus
como cumprimento das promessas de Yahvé al povo eleito. Sobre a mulher Maria de
Nazaré, símbolo do Israel fiel, vem o Espírito de Deus, como no texto da criação (Gen 1,
2). Por isso, Maria deu à luz “sem que José a conhecesse”. José é a síntese do povo
antigo, da tradição judaica primitiva que reconhece o Messias apesar das dúvidas e
dificuldades. A mulher aqui é o símbolo do povo fiel do qual nasce o Messias e José do
povo antigo que é chamado a novas núpcias para começar o amor outra vez. A Maria de
Mateus é o símbolo da esperança virgem: mulher intocada e ao mesmo tempo prenhe de
vida, rosto do povo cheio de luz, rosto de Deus que renasce sempre dos escombros da
destruição do pecado e de a morte.
Marcos: A maternidade de Maria é uma referência histórica, um fato capaz de
identificar no tempo e no espaço ao carpinteiro fazedor de milagres, conhecedor da lei e
dos profetas e defensor dos pobres, acolhido por uns e rejeitado por outros. Maria, a mãe
de Jesus, participa desse ambiente que abre e fecha espaços, que acolhe e rejeita Jesus.
Posta ao lado da humanidade que «quase» o rejeita, e envolta no mesmo grupo dos que
pensam que «está louco», é situada, por outro lado, como a figura que, superando o nível
biológico da relação com Jesus, está entre os que fazem a vontade de Deus (Cf. Mc 3, 35).
Lucas: É aquele que mais textos tem referentes a Maria. O que é anunciado a Maria na
anunciação (Lc 1, 26-38) está na esteira das múltiplas manifestações da fidelidade de Deus
para com seu povo (Sara, Abraão, a mãe de Sansão). Maria , símbolo e representante do
povo é a nova arca da Aliança, a morada de Deus, o lugar de sua habitação, o lugar onde
pode ser encontrado e amado. Lucas se apropria das experiências e expressões teológicas
dos judeus, dando-lhes um novo significado a partir da grande novidade vivida pelos
seguidores de Jesus. A visita de Maria a Isabel (Lc 1, 40-45) é o encontro do velho com o
novo e o reconhecimento, por parte do povo judeu, do novo. Maria é agora «bendita entre
as mulheres». Quem isso reconhece e proclama é Isabel, a anciã judia da qual nasce o
último dos profetas da antiga Lei, João Batista. O canto de Maria, o Magnificat (Lc 1, 46-
55), é um canto de guerra, canto do combate de Deus travado na história humana, combate
pela instauração de um mundo de relações igualitárias, de respeito profundo a cada ser, no
qual habita a divindade. A imagem da mulher grávida, capaz de dar à luz o novo, é a
imagem de Deus que, pela força de seu Espírito, faz nascer homens e mulheres dedicados à
justiça, vivendo a relação com Deus na amorosa relação com seus semelhantes. O canto de
Maria é o “programa do reino de Deus”, assim como o é o programa de Jesus, lido na
sinagoga de Nazaré (Lc 4, 1621) . O parto de Maria (Lc 2, 7) tem um significado coletivo,
no qual todos e todas estão implicados, superando os limites da biologia e da fisiologia
humanas. Trata-se do nascimento de Deus na humanidade. Nos dois últimos textos em
que menciona a Maria (Lc 2, 34-35 e Lc 2, 48-49), a profecia de Simeão dá a Maria um
alcance para todos os tempos. Os que lutam pelo reino de Deus são marcados pela
contradição com este mundo. Uma espada continua traspassando o coração daqueles e
aquelas que, como Maria, lutam pela justiça de Deus, dos que se ocupam em primeiro
lugar das coisas de Deus, possuídos pela paixão da libertação de seus irmãos.
Atos dos Apóstolos: Este livro – segunda parte da mesma obra lucana - nos mostra a Maria
presente nas raízes da primeira comunidade cristã, perseverante na oração e unida aos
discípulos de seu Filho. Presente como a mãe, a irmã, a companheira, a discípula e mestra
de um movimento organizado por seu filho Jesus, movimento cujas raízes históricas têm
por núcleo o anúncio da presença do reino em meio aos pobres, aos pecadores, aos gentios,
aqueles que estão longe e perdidos, pero igualmente daqueles que estão perto, mas privados
de todo reconhecimento por parte do poder estabelecido.
João: O quarto evangelho apresenta a Maria em duas ocasiões: a primeira é nas bodas de
Caná (Jo 2, 1-11), quando Jesus realiza, por sua intercessão, o primeiro de seus sinais,
transformando a água em vinho. A fé de Maria gesta e dá à luz a fé da nova era messiânica
e inaugura o tempo do novo povo, da comum comunidade do reino, onde a pobre e
desprezada Caná da Galiléia passa a ser lugar de manifestação da glória de Deus. O
segundo episódio é ao pé da cruz, no momento da morte de Jesus, onde ele lhe entrega o
discípulo amado como filho (cf. Jo 19, 36). Na esteira das grandes figuras femininas e
maternas do Antigo Testamento (Débora, a mãe dos Macabeus e outras), Maria aparece
como mãee da nova comunidade de homens e mulheres que são seguidores de Jesus porque
creram em sua Encarnação, vida, morte e ressurreição. Maria é aí a Mulher segundo a
glória de Deus manifestada em Jesus Cristo. No momento em que o Filho de Deus entrega
seu Espírito (pneuma), o evangelho de João coloca a Maria , no centro mesmo desse
acontecimento de salvação trazida por Jesus Cristo. Ela é aí o símbolo do povo que
acolherá a mensagem do reino e a plenitude dos tempos messiânicos.
Apocalipse: No capítulo 12 do Apocalipse aparece uma mulher vestida de sol e coroada
de estrelas, com dores de parto, lutando contra o dragão. Sua vocação é a vitória, é ser
esposa do cordeiro. Seu lugar é a nova cidade, a nova Jerusalém, onde se reunirão
finalmente todos aqueles e aquelas que cumprem os mandamentos de Deus e guardam o
testemunho de Jesus. O povo de Deus perseguido e mártir é quem leva consigo a prenda da
vitória de Jesus. Maria é, pois, em muitas interpretações, identificada como essa mulher de
Ap 12, figura da fé humilde e laboriosa do povo que sofre e crê no Salvador Crucificado,
sem perder a esperança. É, também, a figura de uma Igreja perseguida pelo mundo, pelas
forças do anti-reino e pelos poderosos e opressores de toda sorte que, como o dragão
descrito no Apocalipse, querem «devorar» os filhos e a descendência da mulher, querem
devorar o projeto do reino, tudo o que é vida e liberdade para o povo, tudo o que é fruto
maduro das entranhas fecundas da mulher. O novo povo de Deus, do qual Maria é símbolo
e figura, é o «sinal», que aparece no céu e na terra, de que à descendência da mulher-Eva
foi dada a graça e o poder de triunfar sobre a serpente mediante a descendência da mulher-
María, de cuja carne o Espírito formou a encarnação de Deus; da mulher-povo de Deus, de
cujo seio brotou a salvação e a comunidade daqueles que cumprem os mandamentos de
Deus e guardam o testemunho de Jesus.