MARCOS MARIANO DA SILVA é preso. Não houve qualquer acusação, não havia inquérito, não houve flagrante e nem ordem judicial.
Marcos gozava de boa saúde, era casado e tinha 11 filhos.
Naquele dia, nenhum juiz, ministro e muito menos Presidente de Tribunal, nenhuma autoridade, OAB ou associação de procuradores, juízes ou outra categoria profissional, ninguém deu entrevista em horário nobre da TV criticando a ação policial.
25 de agosto de 1998, 13 anos depois!
MARCOS MARIANO DA SILVA é solto. Tuberculoso e cego dos dois olhos. Família desfeita, a mulher abandonou-o e os filhos espalharam-se.
Nunca houve denúncia nem processo! Não havia sentença nem condenação! Ele não sabe até hoje porque ficou 13 anos preso.
Naquele dia, também não vimos entrevista de juiz, ministro ou procurador. Nenhuma declaração de governador, secretário ou presidente. Nenhum parlamentar subiu à tribuna. Nenhum jornal deu esse furo. Nenhuma crítica pública à ação policial e muito menos à omissão do MP e do Judiciário.
O então Presidente do STF (não é relevante quem era) poderia, em horário nobre de TV, apresentar pedido desculpas em nome de todo o Judiciário brasileiro. Mas não o fez.
Mas por quê? Quem é Marcos Mariano? Por que ele chamaria a atenção da imprensa, das associações ou das autoridades? Marcos Mariano é um "zé-do-povo". Ninguém se interessa, não era notícia.
O caso ganhou a imprensa somente algum tempo depois, quando Marcos Mariano lutou (por anos) para conseguir uma indenização (STJ: RESP 802435).
Quero com esse exemplo chamar à reflexão a respeito da INDIGNAÇÃO SELETIVA que nos atinge.
- As algemas são utilizadas em nosso país há décadas. Qualquer batedor-de-carteira, quando preso, vai algemado e preso no camburão. As TVs locais filmam, constrangem. Os jornais estampam a foto e o chamam de ladrão. São achicalhados, humilhados e por vezes torturados.
Nunca houve o nível de indignação que se vê agora.
- Barracos são invadidos pela polícia em todos os cantos do Brasil, sem ordem judicial, sem mandato.
- Outros "Marcos Marianos" são presos sem ordem judicial, sem flagrante, sem condenação. Não se tem a mesma indignação.
Mas basta algum político, empresário ou juiz ser preso para nos lembramos de que tais condutas são contrárias ao Estado de Direito. E são mesmo! E ofendem a dignidade da pessoa humana, sim!
Para evitar mal entendidos, deixo claro que:
- SOU ABSOLUTAMENTE CONTRA a "espetacularização" das operações policiais.
- SOU ABSOLUTAMENTE CONTRA o vazamento de gravações e provas. Os responsáveis devem ser identificados e punidos.
- SOU ABSOLUTAMENTE CONTRA que se utilize do instituto da prisão cautelar com o único objetivo de interrogar.
Apenas não me conformo com a SELETIVIDADE DA INDIGNAÇÃO.
PS - Não pretendo comentar as decisões judiciais do caso Daniel Dantas, Nahas e Pitta. Não conheço as decisões na íntegra e a LOMAN veda comentários.
* Artigo escrito por Ivo Höhn Júnior, Juiz federal no Maranhão. Disponível em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=34032