E Cristo voltou a chorar nos jardins vaticanos

Faz um ano que Leonardo Boff nos surpreendia com a impressionante parábola O jardineiro vaticano. Há uma semana, nos mesmos jardins, aconteceu um encontro inédito, "sem precedentes", porém real entre o presidente George Bush e seu anfitrião, o Papa Bento XVI. Aquela lúcida visão, profética, da parábola do jardineiro, de Boff se cumpria.

Um encontro "inédito", "um protocolo para expressar sua gratidão pelo recebimento que teve em sua recente visita à nação estadunidense", destacavam os meios. O manda-chuva da política mundial e o manda-chuva da Igreja Católica Apostólica Romana passeando belamente pelos bucólicos jardins vaticanos após um encontro privado de 31 minutos, na medieval torre de São João, conversando sobre "os principais temas da política internacional".

Curiosamente, ninguém contava que lá, no estúdio da Torre, foi onde João XXIII acostumava meditar. Talvez lá, com as janelas abertas, foi surpreendido pelo mítico sopro de ar fresco, "como inesperada primavera" de convocar um Concílio (o Concílio que, segundo palavras do teólogo José María Gonzáles Ruiz, derrubou a Igreja Medieval da Cristandade), "para devolver ao rosto da Igreja de Cristo todo o seu esplendor, revelando os traços mais simples e mais puros de sua origem" (João XXIII, Discurso preparatório do Concílio, 13 de novembro, 1960)

Era a sétima vez que o imperador do momento se reunia com o Pontífice. Três encontros com João Paulo II (2001, 2002 e 2004) e este já era o quarto -um recorde em três anos de pontificado- com Bento XVI (9 de junho de 2007, 15 e 16 de abril de 2008, 13 de junho de 2008). Enquanto durou o reencontro, em meio a imponentes medidas de segurança, a Basílica de São Pedro foi cerrada aos turistas e sua imponente cúpula foi tomada por franco-atiradores.

O presidente Bush dirigiu-se ao Romano Pontífice com os braços abertos e dizendo: "obrigado, que honra, que honra". Uma recepção inédita com a qual o Papa quis agradecer a George W. Bush sua férrea defesa dos "valores morais e fundamentais". Muitos prelados do Vaticano lamentaram (sob um "férreo" anonimato) que o Papa desse tão excepcional e familiar recepção ("rompendo o protocolo tradicional para corresponder à faustosa cerimônia de boas-vindas que recebeu no dia 16 de abril na Casa Branca, no início de sua viagem apostólica aos Estados Unidos") a um líder que não escutou as exortações papais contra a guerra e a favor da paz. Outros, na Igreja, deram a cara, denunciando que semelhante acolhida e reconhecimento é um Diploma imoral. (www.comayala.es)

Nos jardins do Vaticano foi encenada uma nova edição da antiqüíssima aliança entre o poder e o altar, que faz de Roma a nova Babilônia, a prostituta da história. "E ninguém se recordou nunca mais das palavras que o Senhor havia dito": assim termina a parábola do jardineiro vaticano, de Leonardo Boff. O Papa também se esqueceu ou passou por alto que as decisões de Bus, declarando e mantendo uma guerra injusta, como é reconhecido por todos, causando mais de meio milhão de vítimas, muitas delas inocentes. Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, declarou que a guerra do Iraque é "Uma guerra que não tem mais do que dois vencedores: as companhias petroleiras e os contratantes de defesa".

Quando o Cardeal Ratzinger foi eleito Papa e elegeu chamar-se Bento XVI, alguém imaginou nesse gesto uma possibilidade de renovação. O último papa Bento -Giacomo della Chiesa (1914-1922)- foi um papa muito crítico com a guerra e com o integralismo. Recém estreado pontificado, Bento XVI encontrou em seu escritório uma denúncia secreta contra ele, dirigida a Pio X, seu antecessor, na qual o acusavam de modernismo. "O último papa Bento se havia oposto à primeira guerra mundial, considerando-a uma "matança inútil" e a exaltação nacionalista que chegava-lhe dos diversos frentes, adotando medidas para melhorar a situação dos prisioneiros, dos refugiados e dos deportados. Então, o Vaticano funcionou como uma segunda Cruz Vermelha. Ante as guerras atuais, teremos que ver que atitude adota o novo papa". Registrava o sacerdote Jesús López Sáez, em uma nota da Comunidade de Ayala, onde também registrava que Hans Küng, ou o cardeal Martini, entre outros, davam ao papa Ratzinger um voto de confiança. Há um ano, aquela remota possibilidade de renovação era definitivamente desvanecida.

O encontro entre Bento XVI e o presidente Bush tem sido percebido como a consumação da volta à Igreja da Cristandade. A Igreja do prestígio entre os poderosos da terra. Em sua última viagem aos Estados Unidos, o Papa Bento XVI desembarcou em uma base militar e foi saudado com salvas de 21 canhões. "O aniversários são celebrados entre amigos", disse o presidente Bus ao Papa, um senhor da guerra que alardeia-se como cristão e com uma missão divina, disfarçando de fé religiosa a invasão e a Guerra do Iraque. "A invasão americana do Iraque criará novas e excitantes possibilidades de converter os mulçumanos", disse Marvin Olasky, um dos conselheiros de Bush (Quase todos falam com Deus nos Estados Unidos, artigo de Emilio Menéndez del Valle, embaixador, El País, 26/05/08)

Agora, o Papa correspondeu. Coroando sua visita, aproximaram-se da Gruta de Lourdes, uma réplica exata da que existe na França, próxima à Torre de São João. Lá, "rompendo completamente o protocolo, o Papa e Bus, junto a sua esposa, sentaram-se em grandes cadeiras de jardim estilo italiano e deu um estilo familiar ao momento. Lá, o coro da Capela Musical Pontifícia Sixtina, dirigida pelo maestro Giuseppe Liberto, executou as melodias 'Exultate Deo' e 'Alma Redemptoris Mater' e, nesse mesmo lugar, ouvindo música religiosa, despediram-se para concluir o encontro"

Na última circular do bispo Casaldáliga Parar a roda bloqueando seus raios (expressão do teólogo protestante  Bonhoeffer, pronunciada na véspera de seu martírio pelo nazismo), Casaldáliga nos recordava esta frase: "Ninguém que não tenha gritado contra o nazismo pode cantar gregoriano". Pois que sejam aplicados pelos que concedem "diplomas" de "valores morais e fundamentais" aos imperadores que decretam e mantém guerras injustas, com suas seqüelas; ou aplicam torturas desenhadas para destruir a pessoa, em suas inexpugnáveis Guantánamos, violando impunemente os direitos fundamentais da pessoa e driblando a legalidade internacional. (Manifestaciones contra la guerra de Irak).


* Artigo escrito por Braulio Hernández, Licenciado en Filosofia. Disponível em <http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=33607>