Prática e cultura da corrupção

Diante de constantes matérias sobre a prática da corrupção no Brasil, vai se sedimentando na mente da população uma cultura da corrupção. A sucessão de casos de prática da corrupção acontece com uma impressionante incidência. Graças ao papel de uma imprensa livre e democrática, a população vai tomando conhecimento dessa prática que sempre envolve homens e mulheres que atuam no âmbito dos Poderes Públicos e da iniciativa privada. As diversas CPIs, umas já arquivadas no esquecimento do povo, embora os papéis ainda estejam nas estantes da burocracia, mostram a extensão do problema e a capacidade de organização de seus protagonistas.


O dinheiro é o denominador comum da prática da corrupção e diante dele diluem-se os valores éticos, religiosos, familiares, profissionais, porventura ainda existentes na consciência de indivíduos; na verdade, o roubo, a sonegação, o suborno, a propina, a extorsão, a fraude, o peculato e quaisquer outras formas de corrupção, de fato, anestesiam a consciência das pessoas, por levar ao ganho fácil e ao enriquecimento ilícito. Com certeza, a perda dos parâmetros fundamentais que regem a vida das pessoas e da sociedade está gerando esse alicerçado e crescente fenômeno da corrupção que, por sinal, também foi sempre praticado por “pessoas de bem”. A propósito, os antigos cravaram uma célebre máxima, ante a constatação da prática da corrupção, por parte de pessoas boas: “Corruptio optimi pessima” (a corrupção do ótimo é péssima); com efeito, ao ser presa uma pessoa que desfruta da melhor imagem e do melhor conceito na família, no ambiente de trabalho e na sociedade, em face de seu envolvimento numa dessas conhecidas falcatruas, cai a máscara de sua verdade, de sua bondade, de sua honestidade. Em muitos casos, a pessoa é um verdadeiro ícone na convicção da família, uma transparência na leitura dos conhecidos, uma referência perante os admiradores, em razão da função que lhe dá uma visibilidade social. O esposo/pai exemplar, o religioso irretocável, o político sério e o empresário honesto, por engenhosas artimanhas, conseguem passar a melhor imagem no mundo de seu relacionamento, muito embora sejam problemáticos, em sua conduta pessoal. Quando caem o véu da credibilidade e a máscara do engano, desmorona o seu valor, precisamente, por serem consideradas ótimas pessoas; dessa maneira, quem antes era motivo de orgulho, é causador de perplexidade, é gerador de constrangimento.


Ao lado dessa perda de valores morais, a prática da corrupção é injusta porque lesa a população, atingida nos seus direitos básicos. O desvio de recursos, por parte de administradores do setor público e privado, sempre acarreta prejuízos sociais. Por exemplo, a vida útil das estradas não atingiu o tempo tecnicamente calculado, por não terem sido observadas as discriminações do projeto; a rachadura no prédio público, recentemente inaugurado, não decorre de erro do engenheiro de cálculo, mas da rapinagem do construtor; a precariedade da rede hospitalar pública, em muitos casos, está ligada à administração fraudulenta; por acaso, o cidadão mais simples e o gestor mais atento não têm a mesma explicação pra tudo isso?


Todavia, o problema mais preocupante é a cultura que subaz na prática da corrupção que está presente na consciência dos seus protagonistas, na leitura daquelas pessoas que têm a responsabilidade política e técnica de combatê-la e na postura da própria sociedade que, às vezes, emite sinais de mobilização cidadã, porém, com memória fraca e descomprometida, age diferentemente nas eleições seguintes. E, lamentavelmente, como na canção, “Tudo tomou seu lugar depois que a banda passou”.

Dom Genival Saraiva
Bispo de Palmares - PE

CNBB - Regional Nordeste 2