O negócio é fazer acontecer

Sabe, cara, eu me desenfurnei. Agora vou lá no hospital infantil ler histórias pra toda aquela criançada que padece mil males. Ou melhor, no início eu ia sozinho, cara e coragem. Levava uns Monteiro Lobato debaixo do sovaco, entrava lá e curtia aquela meninada.

Depois, enturmei-me. Hoje, vou com Chicão, Pedrinho e Azeitona, o sinistro do meu vizinho. Agora este aí até melhorou, porque sabe fazer a garotada rir. Eu leio as histórias, Chicão toca guitarra e Pedrinho dança com os pacientes. Tamo que tamo.

É, a gente só ganha o prazer de dar uma aliviada no sofrimento alheio. Porque é tudo na base do voluntariado. Fazer o bem sem ver a quem. A coisa pegou de tal modo que temos ido também lá no asilo. Dona Eva queixou-se do frio, da falta de cobertor. Num deu outra. Aprontamos o maior fuzuê lá na escola. Choveu cobertores. Agora os velhinhos estão todos enroladinhos, quentinhos, quentinhos.

Mas não ficamos nisso. Demos uma linkada com o pessoal do hip-hop lá das quebradas. Todo sábado tem curtição. Pinta mais gente que formiga no mel. E é aquela mensagem, enquanto o pessoal rebola fogoso. Pra entrar, um quilo de alimento não perecível. Levamos lá na favela. Mas não naquela de sair distribuindo por aí. O Chicão criou uma banda mirim no pedaço. Só leva mantimento pra casa o garoto que freqüentar as aulas da banda. Sucesso total!

O Pedrinho montou uma academia de dança só pra gente da melhor idade. O mais novo já maturou setenta anos. A matrícula é tomar conta de uma árvore do bairro. E plantar outra na mesma rua, deixando sombra de herança. A animação é geral. E, vez ou outra, o Azeitona promove no centro comunitário do bairro o Papo Cabeça. Chama um entendido qualquer TV, política nacional ou internacional, religião, ética, cidadania e deixa o sujeito soltar o berro.

Imagina, tem gente saindo pelo ladrão. Porque o pessoal anda faminto de saber das coisas. E dali surgiu um movimento pró-cidadania. Tudo na base do queremos fazer e do muito obrigado. Estamos pondo em ordem a documentação do pessoal do pedaço. E já partimos pra outra: conseguimos na prefeitura uma creche, uma escola e um posto de saúde. O Azeitona é que movimentou a turma da pressão. Foi todo mundo lá. Não, ninguém se machucou. Tudo na base do variado.

Montamos uma cena de creche em frente ao gabinete do prefeito, abrimos o berreiro no choro, todo mundo de chupeta na boca e toquinha na cabeça, deu imprensa e, dia seguinte, decreto assinado. Descolamos também o posto de saúde e organizamos a brigada Com Dengue Não Tem Dengo. Vamos de casa um casa, lote em lote, rua em rua, secando tudo quanto é piscina de mosquito. E ensinando pro pessoal como se cuidar. Já esquentamos a cuca pra fazer campanhas em prol da água potável, da higiene caseira, dos cuidados sexuais e dos primeiros socorros.

É um barato, cara, pois saímos da leseira e metemos a mão na massa. Tudo isso anda fazendo um bem danado pra gente. Nunca pensei que abraçar o voluntariado fosse uma curtição tão forte. Agora vamos partir pra escola. Engajados no projeto "Jovem voluntário, escola solidária", vamos organizar o grêmio, movimentar o diretório, virar aquilo lá de cabeça pra cima, pra ver se a colegada desprega do umbigo e dá uma força no social. É como se diz: Faça parte.


* Artigo escrito por Frei Betto, escritor, autor de "Alucinado Som de Tuba" (Ática), entre outros livros.