Entre as aparições do Ressuscitado, o evangelista João apresenta o diálogo inusitado de Jesus com Simão Pedro (Jo 21,15-19). Sucedem-se três perguntas e três respostas afirmativas, as quais, segundo alguns estudiosos, estariam relacionadas às três negações do apóstolo, no processo da paixão e morte, narradas pelo mesmo evangelista (Jo, 18,15-27). O paralelo parece bem sugestivo, tanto mais que a experiência pós-pascal de encontro com o Cristo se dá num clima de perdão.
Três negações, três perguntas e três respostas! A cada uma das perguntas de Jesus seria lícito supor uma outra interrogação oculta. Tomemos a primeira: "Pedro, tu me amas?" Implicitamente, Jesus parece perguntar se Pedro o conhece como enviado do Pai, se conhece a fundo seu amor e sua fidelidade ao Projeto de Deus. A interrogação vai dirigida à pessoa e à missão do Jesus de Nazaré, com quem o apóstolo caminhou pelos caminhos da Galiléia. Faz lembrar outro diálogo igualmente interpelador entre o Mestre e os discípulos: "Quem dizem os homens que eu sou?", e logo, "E vós, quem dizeis que eu sou?" Ou seja, está em jogo a fé viva na presença e na obra do Messias como enviado do Pai. É verdade que Pedro conviveu com Ele, foi testemunha de suas obras, fugiu espavorido da cruz... Mas, daí a conhecer e identificar no Mestre a face visível do Deus invisível, o caminho é longo e laborioso. É isso, aliás, o que justifica a tríplice interrogação.
A segunda pergunta parece dirigir-se, antes, à pessoa mesma de Pedro. Nas entrelinhas da interrogação aberta - "Pedro, tu me amas?" - esconde-se uma interpelação velada que poderia ser traduzida assim: "Pedro, tu te conheces?". É como se Jesus orientasse a atenção de Pedro para o interior de sua própria consciência. O olhar do Mestre abre novamente a ferida da negação, não para apontar o dedo sobre ela nem para expô-la em público, mas para saná-la definitivamente com sua infinita misericórdia. Olhar de bisturi: rasga o tumor para buscar a cura. Pedro é convidado a tomar consciência de suas debilidades, de suas fraquezas, de seus limites, de sua natureza humana de pecador, ao mesmo tempo que, de agora em diante, pode confiar inteiramente no amor do Filho que revela a face compassiva e luminosa de Deus. É a garantia de que a fragilidade de Pedro, e de todos os missionários, será revestida com a graça do Espírito Santo.
Mas o Ressuscitado insiste: "Pedro, tu me amas?" Poderíamos imaginar uma nova pergunta oculta nesta terceira interpelação: "Pedro, tu conheces o destino que te espera?" Aqui a preocupação se desloca para os desafios relacionados à missão. Desafios que, de resto, acompanham o diálogo desde o começo, se considerarmos a expressão "apascenta minhas ovelhas!", esta também repetida três vezes. Pedro já conhece o preço da fidelidade incondicional ao Projeto do Pai. A sombra da cruz e o gosto amargo da negação ainda são experiências bem vivas na sua memória. Se fizeram isso com o Mestre, o que não estará reservado a ele! É o próprio Jesus que o adverte: "Quando eras jovem, colocavas o cinto e ias para onde querias; quando fores mais velho, estenderás as mãos, outros te cingirão e te levarão para onde não queres ir".
O alerta faz referência, por um lado, às exigências do seguimento de Jesus e, por outro, à possibilidade de perseguição para aqueles que trabalham pela Boa Nova do Reino de Deus. São muitas e muito graves as injustiças, assimetrias e corrupções a serem combatidas. As implicações desse "bom combate" são sempre imprevisíveis. Pensemos por exemplo, em nível de América Latina, nos testemunhos de Dom Oscar Romero e Ir. Dorothy, para ficar apenas nesses dois mártires. O primeiro, pelo que representa para os cristãos do continente; a segunda, por ser simbólica e novamente assassinada, com a absolvição recente do fazendeiro que a mandou matar.
* Artigo escrito por Pe. Alfredo J. Gonçalves, sacerdote carlista e pároco da Parroquia Personal de los Migrantes, Ciudad del Este, Paraguai.