As eleições para presidente no Paraguai surpreenderam a todos por duas razões principais: a queda de um partido há 60 anos no governo e no poder, o Partido Colorado, e a vitória de um bispo da Teologia da Libertação, monsenhor Fernando Lugo.
Não é pouca coisa. Imaginemos o Brasil governado há 60 anos pelo mesmo partido ininterruptamente. Começa que no Brasil os partidos nunca chegaram a 30 anos de existência. O Partido Colorado existe desde 1887. É verdade que aqui sempre as elites deram as cartas, por diferentes partidos, sob ditadura a maior parte do tempo, e em períodos democráticos. Mesmo assim, de algum modo, houve algum tipo de alternância em diferentes momentos históricos.
No Paraguai, não, sempre o mesmo partido, com a mesma dominação sobre o povo. Por isso a vitória de Fernando Lugo e de sua Aliança (APV) é um verdadeiro grito de libertação popular de um jugo de décadas. Como disse o garçom Eladio Casanova antes da eleição: "Tenho 59 anos, nasci com o Partido Colorado. Já realizei vários sonhos na vida: vi o Olímpia campeão, tive um filho, assisti à queda da ditadura Stroessner. Só me falta ver cair o Partido Colorado. Há cheiro de mudança no ar."
É como abrir-se as portas da liberdade e da luz para quem parecia estar em prisão perpétua e estava sob o controle do mesmo carcereiro que lhe servia a comida todos os dias ou do guarda noturno que vinha desligar a luz.
E foi a vitória de um bispo da Teologia da Libertação, elemento político-simbólico forte, dando-lhe um caráter e uma autoridade especiais.
Não será fácil governar e promover as mudanças propostas e necessárias. O Paraguai está entre os três países mais pobres da América do Sul. Só ganha da Bolívia e da Guiana em termos de PIB (Produto Interno Bruto) per capita, menos de U$ 2.000. Tem um modelo agrícola baseado no latifúndio dominado pelos brasiguaios plantadores de soja, que já anunciaram resistência à reforma agrária. Tem uma estrutura de Estado e de governo viciada pelos 60 anos de dominação colorada. A aliança construída para ganhar a eleição tem participação de setores liberais e até conservadores, semelhante à aliança construída no Brasil.
A possibilidade de sucesso possivelmente esteja em duas coisas. A resistência histórica do povo paraguaio, que já enfrentou as potências estrangeiras no século XIX, Brasil e Argentina, embora tenha sido rendido na Guerra do Paraguai e dizimado, e a resistência na língua guarani falada ao lado do espanhol, sinal cultural da identidade de um povo. E o fato de somar-se a mais uma vitória no continente que sempre foi subjugado pelas grandes potências e que hoje tem um Lula, um Chávez, um Evo, um Rafael Correa como presidentes do povo e da luta popular e que, nas suas peculiaridades nacionais e históricas e suas contradições e limites, promovem mudanças estruturais, inclusão social, soberania e desenvolvimento voltado para sua gente, sem depender dos dominadores históricos do Norte.
Este contexto sul-americano talvez seja a chance de Fernando Lugo e do Paraguai conseguirem avançar e consolidarem-se no governo. Porque a igreja católica, na sua estrutura hierárquica e seu crescente conservadorismo a partir do Vaticano, não é garantia, infelizmente, de apoio na sobrevivência política e na efetivação das mudanças. Como disse o bispo sucessor de Lugo na diocese de San Pedro, Adalberto Martinez: "A situação do seminário (criado por Lugo quando bispo) foi lamentável. Não se formou ninguém e quando ele renunciou tivemos que reenviar os seminaristas para outros lugares. Quando cheguei, dei-me conta que a pastoral social tinha de se articular, e não havia ações concretas para fortalecer os pobres."
A sorte está lançada. O Paraguai é mais um passo na construção da Pátria Grande, no sonho de Pedro Casaldáliga. Falta agora a Colômbia, onde a esquerda já governa a capital, Bogotá. Monsenhor Lugo e o povo paraguaio são mais um tijolo na construção da unidade latino-americana sonhada e praticada por Che Guevara. Deve contar com o apoio solidário, as orações e bênçãos de todas e todos que anseiam e lutam por liberdade e justiça.
* Artigo escrito por Selvino Heck, Assessor Especial do Presidente da República. Fundador e Coordenador do Movimento Fé e Política. Artigo disponível em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=32753