A PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO NA GESTÃO PÚBLICA
Abrimos esta série de boletins falando de políticas públicas: os procedimentos governamentais que influenciam as condições de existência dos cidadãos. Há políticas de competência exclusiva da União, como o controle da moeda e a defesa nacional, e outras de competência dos Estados, como a segurança pública. Ao município cabe tomar as medidas que afetam diretamente nosso dia-a-dia. É sobre elas que refletiremos aqui, para apontar as formas de participação da população em sua formulação e execução.
Respeitadas as diretrizes determinadas pela União e pelo Estado, cabe ao município definir e executar as ações referentes ao ensino fundamental, saúde, lazer, ocupação urbana, transporte municipal, coleta e tratamento e lixo, saneamento e abastecimento de água. Cabe então perguntar como são definidas essas ações. Quem decide o que será feito? Pode-se garantir que os recursos públicos serão corretamente aplicados? Quem tem o poder de fiscalizar o cumprimento do que foi programado?
O sistema político brasileiro por muitos anos atribuiu a definição das ações ao Poder Executivo (o prefeito e os secretários por ele nomeados) e sua fiscalização ao Poder Legislativo (vereadores e vereadoras) e aos Tribunais de Contas (estaduais e da União). Nesse sistema, após eleger o prefeito e os vereadores, a população ficava sem meios de participar nas decisões: não opinava nem acompanhava a execução das políticas publicas. Esse sistema favorecia o tráfico de influências, a troca de favores e, no limite, a corrupção. Pois quanto mais distante fica o povo, mais facilmente se instalam os vícios da “politicagem”.
Foi para mudar esse sistema que a Constituição de 1988 estabeleceu instrumentos de participação da sociedade nas ações governamentais e na sua fiscalização. Este é um dos motivos pelos quais ela ficou conhecida como Constituição Cidadã. O problema é que as inovações constitucionais ainda não entraram na cultura do povo, que em sua maioria continua pensando e agindo como se vivêssemos sob a antiga Constituição. É preciso, então, traduzir em prática popular as conquistas cidadãs garantidas por nossa Lei Maior. Só assim teremos políticas públicas voltadas efetivamente para o bem de todos, principalmente os que mais precisam.
Apesar de a Constituição ter sido aprovada há quase 20 anos, só agora a população começa a ver na prática suas inovações. Estamos aprendendo a recorrer ao Ministério Público, tivemos em 2005 a experiência de um referendo (sobre o comércio de armas) e em 1989 fizemos um plebiscito para escolher entre monarquia parlamentar e presidencialismo. Tivemos também aprovado um projeto de lei de iniciativa popular contra a corrupção eleitoral (lei 9.840), de que falaremos noutro boletim. Mas nem todos sabem que a população pode propor leis nas Câmaras Municipais, desde que tenham um número mínimo de assinaturas fixado pela Lei Orgânica de cada município.
CONSELHOS DE DIREITOS
Importantes, também, são os Conselhos de Cidadania ou de Direitos, órgãos compostos por representantes do governo e da sociedade civil. A sociedade participa por meio de entidades organizadas (sindicatos, associações, movimentos sociais, ONGs,...) que devem indicar seus representantes. Por meio deles, a sociedade participa da gestão pública fiscalizando, apresentando demandas, elaborando políticas públicas e até diretrizes de ação para o governo. Os Conselhos podem ser municipais, estaduais e nacionais e atingem diversas áreas sociais, sendo alguns obrigatórios. Em âmbito municipal, existem os Conselhos de Segurança Alimentar, Saúde, Criança e Adolescente, Assistência Social, Segurança Pública, Direitos Humanos, Educação, Direitos da Mulhe r, Igualdade Racial, Idoso, Meio-Ambiente, Pessoa Portadora de Deficiência, Juventude, além de outros nas áreas de desenvolvimento econômico e da cultura.
Os Conselhos são canais por onde passa a vontade popular na elaboração da agenda governamental. Quando funcionam bem, asseguram a eficiência das políticas públicas, impedem que o interesse privado prevaleça sobre o interesse público e tornam-se uma verdadeira escola de democracia. A sabedoria dos antigos já ensinava isso:
”Escolha entre o povo homens capazes e tementes a Deus, que sejam seguros e inimigos do suborno: estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinqüenta e de dez. Desse modo, vocês repartirão a tarefa e você poderá realizar a sua parte.” (Ex 18, 21,23)
Outro mecanismo de participação da sociedade na gestão governamental é o Orçamento Participativo. Embora não esteja previsto na Constituição Federal, ele foi criado em Vila Velha-ES há mais de vinte anos e depois de seu êxito em Porto Alegre-RS, disseminou-se pelo Brasil como forma de participação popular na definição do orçamento municipal. Em sua base, estão as assembléias periódicas, abertas a toda pessoa, em todos os bairros e distritos, tendo na pauta temas específicos. Qualquer cidadão pode pronunciar-se sobre como a prefeitura deve aplicar os recursos do orçamento destinados aos investimentos. Certos municípios, como Belo-Horizonte, adotaram consultas também pela internet. As assembléias elegem delegados para negociarem com o gov erno. Eles formarão um Conselho anual que deve dialogar diretamente com os representantes da prefeitura sobre a viabilidade das obras aprovadas nas assembléias. Podem propor, também, mudanças nas regras de funcionamento do Orçamento Participativo e definir as prioridades dos investimentos.
VAMOS PARTICIPAR!
Já que a experiência está dando certo, o desafio agora nos municípios onde já se pratica o Orçamento Participativo é aumentar a participação popular, criando mecanismos mais eficazes de acompanhamento e de cobrança. Nos outros municípios (que são a maioria), cabe à sociedade local se mobilizar e pressionar vereadores e prefeito, a fim de que seja implantada essa forma de participação cidadã.
Para os cristãos, há um outro desafio especial. Em sua visita ao Brasil, Bento XVI referiu-se à Igreja como “advogada da justiça e dos pobres”. Isso significa que nossa participação não deve ser apenas para defender os interesses do nosso bairro ou dos setores aos quais estamos ligados, mas deve ter sempre presente o imperativo da justiça e o atendimento aos setores mais carentes da sociedade.
Você participa ou já participou de algum Conselho de Cidadania? Ou de uma assembléia de Orçamento Participativo? Se sim, transmita sua experiência a outras pessoas. Se não, procure informar-se com quem tem participado.
* Boletim produzido pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Arquidiocese de Belo Horizonte em parceria com o Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião – PUC Minas. Mais informações no site www.pucminas.br/nesp, ou no Vicariato para Ação Social e Política:(31)34224430