Recuperar a mensagem do Reino de Deus para recuperar o sentido da vida

A sua vida tem sentido? Ou será que se sente jogado neste mundo, sem a mínima idéia do por quê? Você é senhor de seus atos, conduzindo eles conforme os seus próprios projetos? Ou, pelo contrário, se sente brinquedo nas mãos de poderes supremos, políticos, econômicos ou sociais? Perguntas e indagações!

A sua vida tem valor para esta sociedade? Os seus atos exercem alguma influência sobre o curso da história? Ou será que se sente insignificante, tendo uma vida que também não poderia ser vivida, porque não tem a mínima influência sobre os acontecimentos históricos? Será que não faz diferença nenhuma para este mundo, se você viveu a sua vida, ou se nem existiu?

Estas e outras indagações semelhantes, até alguns anos atrás, eram consideradas típicas para uma classe média que podia se dar ao luxo de tais preocupações, enquanto que a grande maioria do povo, tinha outros problemas. Problemas de sobrevivência, de saúde, de desemprego, e tanto mais. Problemas sociais que nem deixaram lugar a dúvidas existenciais.

Assim foi dito. Assim às vezes até os teólogos falavam. E os cristãos citavam o catecismo, para responder a qualquer dúvida, com as fórmulas pré-fixadas de sua fé. Assim, o problema era resolvido, e a religião, mais uma vez, mostrou a sua capacidade de responder de maneira satisfatória às grandes perguntas humanas.

Era esta a situação, até alguns anos atrás.

E muitos estão convencidos de que ainda é assim hoje e que continuará sendo assim no futuro: para o povo, a busca pelo sentido da vida se resolve na busca por emprego. O resto é resolvido pelas fórmulas da fé, - ou pelas propostas alternativas da indústria de propaganda. Há muitos que ainda hoje pensam desta maneira - mas eles se enganam. A situação mudou.

O problema da busca de sentido se põe não só a um pequeno grupo de privilegiados que se podem dar ao luxo de tais reflexões. O grito por um sentido maior da vida, sobe hoje em primeiro lugar a partir das grandes massas excluídas e marginalizadas do povo.

A experiência de um vazio existencial ameaça todas as classes da população.

Neuroses de desemprego, neuroses do Domingo, neuroses do tempo livre, passam a ser problemas, encontradas em todas as camadas sociais. Para muitos, Deus até se tornou ausente, e a vozearia dos vendedores se sobrepõe à voz da Igreja.

Em todo este barulho, porém, está voltando com insistência renovada a busca por respostas que vão além das promessas de prazer, formuladas pelos vendedores. E as indagações estão sendo formuladas cada vez mais também pelos integrantes das camadas mais humildes de nosso povo: Qual é o sentido de nossa vida humana? Quem garante o nosso valor, neste sistema, que cada vez menos precisa de nós? Onde encontramos a nossa dignidade, quando todas as estruturas em torno, nos dizem que não temos valor, porque não somos interessantes para o sistema de consumo? Assim perguntam os nossos irmãos e as nossas irmãs excluídos, e o seu grito se une às indagações de todos os incluídos, que se sentem cada vez mais instrumentalizados, usados, esvaziados por um sistema que só se interessa por seu valor enquanto força de trabalho. A crise de sentido de todos eles os une com a crise de sentido daqueles que nem mais estão sendo considerados pelo sistema e pelos seus mecanismos de maximização do lucro: Os desempregados, os pobres, os não formados, os não mais utilizados, os doentes, os velhos e todas as camadas populares que se encontram à margem do sistema.

Onde está o sentido da vida deles e delas? Onde está o seu valor, que deriva do fato de a sua existência também ser necessária e cheia de significado? Mas, é exatamente este significado, que o sistema lhes nega? Como é que todas as imensas camadas da população, marcadas por este estigma de exclusão, podem recuperar o seu sentido de vida e de existência?

Nos meios religiosos, costumamos apontar para a dimensão religiosa - e nós temos toda razão. Só que, se quisermos realmente dar uma resposta religiosa, devemos primeiro limpar estas respostas, de todo o seu peso histórico de espiritualização e de transcendentalismo; devemos de verdade começar a recorrer a uma nova linguagem, a um novo conteúdo e a novos métodos. Em uma palavra, devemos recorrer àquela tão citada "nova evangelização".

Será que uma "nova evangelização" tem algo a dizer, frente ao grito de milhões e milhões de seres humanos, cada vez menos respondido: "Porque vivemos"? "Porque Deus nos colocou nesta vida"? "Qual é a nossa tarefa específica e especial a cumprir nesta terra"? "Será que temos uma tal tarefa"? A estas indagações fundamentais, a nova evangelização deve responder, se ela não quer correr o risco de permanecer sendo "papo furado". Ou se quiser evitar de se perder em atividades exteriores e sem conteúdo, pelo grande prazer dos vendedores de todo tipo de produtos de devoção.

Qual é a nossa tarefa específica, para a qual Deus nos colocou na vida?

Recuperar a mensagem do Reino de Deus para recuperar o sentido da vida. Qual é a nossa tarefa específica, para a qual Deus nos colocou na vida? Eis a indagação chave, à qual devemos dar uma resposta.

Querendo responder, porém, a esta indagação, nós nos confrontamos, inevitavelmente, com as palavras de Jesus.

No centro da mensagem dele, descobrimos a preocupação com aquilo que chamou de Reino de Deus. Mensagem chave de toda a sua vida. - Mas, mensagem tão esquecida por tantos cristãos. Mensagem tantas vezes deturpada no decorrer da história. Proposta escurecida por interpretações espiritualizantes, legalistas, moralistas e triunfalistas.

É esta mensagem que a nova evangelização deve recuperar no seu sentido original.

Fazendo isso, descobriremos nela também a resposta ao grito que sai hoje de tantos corações humanos: qual é a tarefa que deus nos deu para que a cumpramos nesta vida? será que uma tal tarefa existe? qual é a razão de nossa vida aqui na terra? porque vivemos?

À esta indagação já respondeu o antigo catecismo romano antes do Concílio. Nele podemos ler a seguinte resposta à indagação "Porque vivemos na terra"? "Vivemos na terra para servir a Deus e através disso, ganhar o céu".

Assim, gerações de cristãos e cristãs o aprenderam. Eles decoraram a fórmula sem questioná-la, e esta fórmula conseguiu responder à sua indagação através do sentido da vida.

Hoje, porém, a mesma fórmula não é mais satisfatória.

O seu conteúdo não consegue mais saciar o desejo de achar uma resposta específica, frente à indagação, por quê razão, Deus nos colocou neste mundo. Qual é o objetivo que ele tinha nos dando esta vida?

Por causa de sua insatisfação com as fórmulas religiosas, muitas pessoas se afastam da resposta da fé, e buscam solução em outros campos. Elas não compreendem mais o profundo sentido da fórmula que satisfez os seus pais. "Servir a Deus", lhes parece religioso demais, espiritual demais, ou simplesmente fora de toda a verdadeira realidade de vida.

Frente a uma tal situação, nós, que defendemos uma nova evangelização, estamos sendo indagados e questionados de uma maneira muito especial. Se as nossas fórmulas tradicionais não satisfazem mais, o que respondemos? O que deve ser "novo" na resposta que no passado satisfez gerações de cristãos?

Esta pergunta nos leva de volta ao início de nossas reflexões e à exigência, formulada ali como postulado: para que a evangelização realmente seja nova, devemos limpar as suas respostas, das espiritualizações e transcendentalismos históricos. Espiritualizações que escurecem o verdadeiro alcance das palavras originais de Jesus. Transcendentalismos que deslocam o interesse para dimensões celestes, escurecendo assim que Deus desceu do céu para a terra, porque é por este mundo que ele se interessa em primeiro lugar.

Voltando às palavras dele, assim como ele as formulou na sua mais clara manifestação em Jesus Cristo, podemos superar as espiritualizações históricas de sua mensagem. Espiritualizações, através das quais, os homens, no decorrer da história, tentavam encobrir o escândalo de um Deus que deixou o céu, para morar junto conosco na terra.

Transcendentalizações, através das quais era possível esquecer a verdade tão incomodante, que os nossos louvores, no fundo, em nada interessam a Deus; enquanto que para as nossas ações em superar a exclusão, a pobreza e a injustiça, ele se deixa entusiasmar. ( cf. Am 5, 21-24; Os 6, 6; Is 1, 11-17; Is 58, 5-6).
Voltando ao sentido original das palavras deste Deus que se tornou homem, é possível responder também ao grito pelo sentido, formulado pelas pessoas de hoje. Grito, articulado com urgência cada vez maior.

Enquanto ainda ficamos presos a fórmulas como a citada, definindo que a última razão da vida humana é "servir a Deus", as pessoas nos abandonam; e em muitos, tal atitude até é compreensível.

Fórmulas espiritualizadas do passado, hoje não satisfazem mais.
O conteúdo daquelas fórmulas, porém, permanece válido também para hoje.

O desafio para a nova evangelização do século 21, consiste em recuperar este conteúdo. Devemos superar a fórmula e voltar ao seu conteúdo original nas palavras de Jesus. Ali encontramos respostas convincentes também para o homem de hoje.

O sentido último da existência, diz a fórmula tradicional do catecismo, é servir a Deus. Afirmação muito profunda e muito certa.

Declaração aprofundada por um discurso pastoral de séculos.

No decorrer de todos eles se insistiu muito na definição moral e cúltica daquilo que seria este servir. Pouco, porém se falava em geral das bases teológicas, onde se fundamentava a noção.

Estas bases se chamam "O REINO DE DEUS". Proposta, cuja verdadeiro alcance, até os cristãos de hoje por grande parte esqueceram.

E o verdadeiro significado daquilo que chamamos "servir a Deus", cada vez menos pessoas compreendem. Como conseqüência, rejeitam esta noção e seu conteúdo.

Frente a este quadro, torna-se urgente uma volta às nossas bases originais que se encontram nas palavras do próprio Jesus. Este Jesus nem falou tanto em servir a Deus, mas ele pediu de "fazer a vontade do pai". (Mt 7, 21). Na concepção dele, servir a Deus significa "fazer a vontade do pai que está no céu". Qual, porém, é a vontade deste pai?

Conforme a tradição bíblica, a vontade do Pai é esta: que nesta terra se estabeleça uma situação, onde é possível a realização dos critérios dele!

Baseado na tradição bíblica, a vontade dele é que nesta terra e nesta história se estabeleça uma situação, onde seja possível a realização dos critérios dele.

Para esta situação é utilizada nos textos bíblicos a noção de "Reino de Deus".

A vontade do Pai é que ele possa reinar nesta terra de maneira plena e absoluta. E para que isso seja possível, este Deus-Pai recorre aos homens e às mulheres, pedindo a eles e a elas, que preparem o terreno. Implorando a eles e a elas que sejam os seus instrumentos de transformação. Deus pede aos homens e às mulheres, para que se engajem num trabalho em todas as dimensões da vida histórica, para que esta vida e esta história sejam transformadas conforme seus critérios. Critérios que, como todo mundo sabe e já esqueceu, são tais como: justiça em vez de injustiça; amor em vez de egoísmo; serviço em vez de poder; verdade em vez de manipulação; fraternidade em vez de opressão; paz em vez de brigas; misericórdia em vez de legalismo.

São estas as características que Deus quer realizar aqui na terra e na convivência humana. São estes os planos dele com este mundo.

Contudo, na concretização destes planos, Deus não age sozinho. Deus não age de maneira milagrosa e miraculosa para realizar o seu projeto. Deus age através de nós!

Deus chama as pessoas, para que sejam colaboradores e colaboradoras na realização de seu projeto histórico. Deus incentiva as pessoas para que se engajem num processo de transformação do mundo. A sigla para esta transformação é "Reino de Deus".

Na medida, em que as pessoas se deixam engajar na sua dinâmica, elas servem a Deus. Na medida, porém, em que servem a Deus, realizam o sentido de sua vida. Eis a grande e profunda verdade da mensagem de Jesus, sobre o Reino de Deus.

Eis também, no entanto, a problemática trágica de toda uma codificação espiritualizante desta verdade. Espiritualização esta que no decorrer dos tempos conseguiu escurecer cada vez mais esta verdade tão simples e tão profunda.

A religião falava que se deve servir a Deus, mas não dizia, o que este servir, em última análise, significa.

Se falava de mandamentos e exigências morais ou espirituais, quando primeiro, teria sido necessário transmitir e explicar a primeira e mais básica verdade de toda vida cristã: Aquela verdade que unicamente é capaz de dar a resposta à nossa indagação pelo sentido da vida. A verdade fundamental, na qual se esgota todo questionamento sobre o último sentido da existência humana.

Esta verdade é tão simples e tão profunda que, no decorrer dos séculos, foi progressivamente esquecida.

É esta verdade que devemos recuperar. É ela que deve novamente ocupar o primeiro plano em todo e qualquer trabalho de catequese.

Toda nova evangelização deve transmiti-la e toda homilia a deve acentuar: o último sentido de toda vida humana é este: trabalhar, para que o Reino de Deus se realize. O último sentido da existência terrena do ser humano é trabalhar, para que o Reino de Deus se realize.

Na medida em que o indivíduo se engaja neste trabalho, recupera o sentido de sua vida. Na medida em que a pessoa realiza, no seu contexto e na sua história, os valores do Reino de Deus, a pessoa realiza o sentido de sua própria existência. Porque é esta a última razão, pela qual nós vivemos na terra.

Nós estamos na terra, para colaborar com a realização do projeto histórico de Deus que é o Reino de Deus. É através deste trabalho que toda pessoa humana acha o seu sentido da vida. A problemática da perda de sentido se resolve na medida, em que as pessoas recuperem esta consciência. Toda busca de sentido da vida encontra a sua última resposta, quando a pessoa começa a engajar-se no processo de transformação do mundo, rumo ao Reino de Deus. Porque é para isso que Deus chamou a cada um de nós. É para isso que ele nos destinou.

• Na medida em que os critérios do Reino se tornam os critérios de seu agir, a pessoa responde ou não responde ao chamado de Deus. Naquela mesma medida, também, a sua vida alcança ou não alcança um último e definitivo sentido.
• Na medida em que a pessoa, no seu agir, corresponde ou não aos critérios deste Reino de Deus em construção, a sua vida se revela nos olhos de Deus como ouro, cheio de valor e sentido, ou como palha, desprovido de qualquer valor ( 1 Cor 3, 12-15).

Transmitir esta verdade em termos claros é o grande desafio para toda pastoral.

Conscientizar as pessoas sobre a verdadeira dimensão de sua vocação e de seu sentido de vida, é a exigência mais urgente para toda nova evangelização do século 21.


* Artigo escrito por Renold J. Blank, publicado na Revista VIDA PASTORAL nº 216, Jan./Fev. 2001, São Paulo, ed. Paulus. Renold J. Blank é doutor em Teologia e em Filosofia, é professor titular da Pontifícia Faculdade de Teologia de São Paulo