Vivemos em um tempo no qual a violência percorre diferentes espaços. Não são necessárias muitas explicações para constatar que vivemos numa cultura em que a banalização do mal é uma constante. Nesse sentido, a causa que levou Jesus à cruz, e que continua crucificando milhões de pessoas, necessita de reflexão para que a vida e a ressurreição possam ser celebradas. Passar simplesmente pela Páscoa, repetindo ritos e práticas sem entender seu significado, pode levar, pouco a pouco, a esvaziar seu sentido profundo e universal para a construção de novas relações.
Os mártires latino-americanos são exemplos de resistência ao mal e continuam alimentando o sentido da Páscoa cristã. Conhecê-los é uma realidade teológica que necessita ser aprofundada, cruzando fronteiras e indo além de seu contexto. Podemos citar alguns nomes de mártires, como o da irmã Dorothy Stang, assassinada brutalmente no norte do Brasil, em 2005, por garimpeiros que se opunham a seu trabalho social em favor da demarcação de terras indígenas. Servem ainda de exemplo outras mulheres que morreram na luta por terra no Brasil, como Dorselina Fuladorna, de Mato Grosso, e Rosani Nunes, do Rio Grande do Sul. Todas abriram caminhos de vida e esperança para seu povo.
Captar a presença amorosa de Deus na cruz revela sua proximidade, deixando a ressurreição de ser puro poder sem amor, alteridade sem proximidade, uma ação meramente transitiva de Deus para fora de si mesmo (um milagre ou uma revivificação). Torna-se um evento comunicativo e interativo entre Deus e Jesus, entre o Pai e o Filho encarnado, pelo qual o Filho envolve as pessoas e o cosmo em um movimento humanizador.
Para Deus, Jesus é o Filho fiel. Para nós, é quem continua entregando-se e comunicando seu Espírito, reagindo contra a banalização da violência. Pensando nisso, que espaços reflexivos e celebrativos podem ajudar a aprofundar o significado da Páscoa e humanizar relações humanas? Que mentalidades patriarcais de violência necessitam cair para criar novas relações culturais?
Maria Madalena, como verdadeira discípula e primeira testemunha do ressuscitado, faz a passagem da morte à ressurreição de Jesus, tornando-se anunciadora da vida. No entanto, ela foi historicamente reduzida a simples modelo de pecadora arrependida pela influência de mentalidades patriarcais. Quais modelos precisam hoje ser desconstruídos para que a Páscoa possa ser vivida como evento contracultural da banalização da violência e promotor da humanização?
* Artigo escrito por Ana María Formoso, publicado no jornal Zero Hora, 17-03-2008. Ana Maria Formoso é teóloga uruguaia, radicada no Brasil, trabalha no Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Em parceria com a teóloga Dra. Cleusa Andreata, coordena a programção Páscoa 2008 - Um grito contra a violência!