Com o olhar de Deus e também no plano da justiça, são identificados muitos abusos nas relações humanas que constituem verdadeiros pecados sociais. De muitas maneiras, acontecem esses abusos que, de uma ou outra forma, sempre atingem a dignidade e os direitos da pessoa humana. A lei natural, a lei divina e a legislação humana contêm disposições norteadoras para a consciência individual e para a conduta social. Na realidade, há uma sintonia entre os dispositivos da lei natural, entendida como lei inscrita na consciência e no coração do ser humano, e as prescrições da lei divina, aquela codificada nos Dez Mandamentos que Deus transmitiu ao povo, através de Moisés; os preceitos que foram acrescidos, na verdade, deviam explicitar a natureza dos mandamentos, mas, pouco a pouco, alguns a desvirtuaram, por terem se tornado verdadeira miudeza legal.
A legislação que encontramos no universo religioso e no mundo político tipifica muito bem a condição humana, por nela se encontrarem os melhores acertos e as mais gritantes contradições. O mundo das relações humanas, que se dá na instância interpessoal e na esfera institucional, necessariamente, deve reger-se por disciplinamentos legais que imprimem os rumos de uma conduta comum. No dia a dia, não obstante a existência de disposições normativas, nós constatamos muitos desvios de conduta individual e social. À luz da lei natural, da lei divina e da lei humana, podemos examinar determinadas situações nas relações humanas e, com facilidade, identificaremos abusos de comportamento social que se convertem em pecados sociais, realidade presente no Antigo Testamento, como se vê no livro do Levítico, nos tempos de Jesus, na Nova Aliança, e ao longo da história milenar da Igreja. Em matéria de injustiça social, a título de exemplo, as palavras da Escritura são muito claras: “Não explores o teu próximo, nem pratiques extorsão contra ele. Não retenhas contigo a diária do assalariado até o dia seguinte. (Lv 19,13) “Não cometas injustiça no exercício da justiça. Não favoreças o pobre, nem prestigies o poderoso. Julga teu próximo conforme a justiça. (Lv 19,15). Jesus encontrava situações semelhantes em seu tempo, a ponto de contar a parábola da viúva e do juiz iníquo: “Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, nem respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz e lhe pedia: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário! Durante muito tempo, o juiz se recusou.” (Lc 18, 2-4)
Ao olharmos o perfil da sociedade civil e política, de todos os lugares e tempos e, particularmente, entre nós e no momento presente, não é difícil identificarmos casos inadmissíveis de injustiça social. A exploração do ser humano é uma triste realidade, no mundo do trabalho, em termos de mão de obra, de condições de trabalho, de remuneração; que dizer dos salários nunca pagos, dos salários camuflados, das obrigações sociais não recolhidas aos cofres públicos e de tantos outros abusos contra os direitos dos trabalhadores? O problema da extorsão vai se generalizando no relacionamento das pessoas, no submundo das drogas, dos seqüestros, dos “jogos de azar”, da agiotagem, envolvendo delinqüentes isolados e grupos organizados. Quantos problemas no âmbito da justiça! A sábia e justa norma do Levítico não tem sido o critério para julgamento de pobres e ricos: “Não favoreças o pobre, nem prestigies o poderoso.” Embora seja uma “contradictio in terminis”, ainda hoje há juiz que não pratica a justiça, em seu julgamento, por ser “juiz iníquo” em sua prática.
Por esses e tantos outros abusos, praticados por pessoas e instituições públicas e privadas, são cometidos pecados sociais que aviltam a dignidade humana.
Dom Genival Saraiva
Bispo de Palmares - PE