Documento de Aparecida - V CELAM

        Ao ler e analisar o Documento de Aparecida é preciso ter em mente a exortação de João Paulo II: “Avancemos para águas mais profundas, transformemos nossas pias batismais em fontes de todas as vocações. É preciso que o Batismo seja, efetivamente, a raiz e o significado da vocação e da missão de todos os cristãos e cristãs”.
        E mais: “Na Igreja Particular todos são constituídos sujeitos da missão pela graça do Batismo e da Crisma. Tornar cada batizado sujeito ativo da missão constitui realmente a meta da ação pastoral e tarefa indispensável para fazer frente aos novos contextos da missão evangelizadora”.
        A CNBB de há muito já dizia: “Hoje, a renovação da consciência eclesial e da responsabilidade missionária do povo de Deus, que se expressa exemplarmente nas orientações do Concílio Vaticano II, amplia os sujeitos eclesiais da missão, passando da missão de alguns para a missão de todos. O desafio para a Igreja hoje está justamente em despertar cada batizado e cada comunidade eclesial para essa responsabilidade primeira e intransferível”.
        Estas orientações, as orientações programáticas da carta Novo Milenio Ineunte e o Discurso de Inaugural da V Conferência do Celam, são as linhas de força deste admirável documento.
        Onde o texto quer nos levar?
        À concretização das palavras finais do documento: “No vigor do Espírito Santo, convocamos a todos os nossos irmãos e irmãs, para que, unidos, com entusiasmo, realizemos uma Grande Missão Continental. Será um novo Pentecostes que deve nos impulsionar a ir, de maneira especial, em busca dos católicos afastados e dos que pouco ou nada conhecem de Jesus Cristo, para que formemos com alegria a comunidade de amor de nosso PAI Deus. Missão que deve chegar a todos e ser permanente e profunda”.
        O maior propósito desta V Conferencia é realizar a grande tarefa de proteger e alimentar a fé do povo de Deus e recordar também aos fiéis deste continente que, em virtude de seu batismo, são chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo. (10)
        O objetivo é dar novo impulso à evangelização para crescer e amadurecer na fé, ser luz do mundo, testemunhas de Jesus Cristo com a própria vida. (14)
        Portanto a prioridade é sermos instrumentos do Espírito de Deus na Igreja, para que Jesus Cristo seja encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado a todos, não obstante todas as dificuldades e resistências.(14)
        O desafio fundamental é mostrar a capacidade da Igreja para promover e formar discípulos e missionários que respondam à vocação recebida e comuniquem por toda parte, transbordando de gratidão e alegria, o dom do encontro com Jesus Cristo. (14)
        O documento é profundamente pastoral e busca traçar em comunhão linhas comuns para prosseguir a nova evangelização em âmbito continental.
        A grande proposta, tendo em vista a acelerada urbanização, é renovar as estruturas paroquiais e as estruturas pastorais para encontrar as mediações da transmissão da fé em Cristo, como fonte de vida plena e digna para todos, para que a fé, a esperança e o amor renovem a existência das pessoas e transformem as culturas dos povos.
        O texto retoma o método de reflexão teológico-pastoral; ver, julgar e agir e por isto está estruturado em três partes.·         a vida de nossos povos hoje;·         a vida de Jesus Cristo nos discípulos hoje;·         a vida de Jesus Cristo para nossos povos.        Desta maneira olha a realidade com os olhos iluminados pela fé, com o coração aquecido pelo amor, com a alegria cristã de anunciar o Evangelho que ilumina o caminho da vida humana até a sua meta. Busca mediante o discernimento comunitário aberto ao sopro do Espírito Santo, linhas comuns de uma ação missionária, que coloque o Povo de Deus num estado permanente de missão.
        O fio condutor que alinhava todo o texto é a vida, notadamente a Vida em Cristo. O eixo que tece transversalmente o texto são as palavras: Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundancia (Jo 10,10).
        A primeira parte - a vida de nossos povos hoje - aborda o ver. No seu primeiro capitulo os discípulos e missionários, resumidamente; o olhar a realidade com alegria, com louvor pelos dons, pelas graças recebidas, pela fé dos nossos povos que participam alegremente da missão do Povo de Deus. O segundo capitulo, o maior, é o olhar dos discípulos e missionários, seu olhar é teológico e pastoral. Apresenta a mudança de época em que vivemos, as grandes mudanças que questionam a evangelização que vem sendo feita e a que deve ser feita. São analisados os níveis sócio-cultural, econômico, sóciopolítico, étnico e ecológico. Os grandes desafios para a evangelização como a globalização, as estruturas injustas, a transmissão da fé em crise, o relativismo ético etc.. Aponta os aspectos negativos e os positivos. Dentre os positivos o valor fundamental da pessoa humana, a busca do sentido da vida e da transcendência.
        A segunda parte a vida de Jesus Cristo nos discípulos hoje entra no cerne do tema “discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos nele tenham vida”. Divide-se em quatro capítulos, do terceiro até o sexto, que tomam como eixo a vida que Cristo nos trouxe, vida plena, vida digna. Jesus a fonte de vida para todas as pessoas que se unem a ele, como discípulos e missionários. Fala da alegria de ser discípulo vocacionado para anunciar o Evangelho, a vocação à santidade que recebemos e que nos configura à Cristo no seu seguimento, sempre animados pelo Espírito Santo, a comunhão do Povo de Deus, unidade e diversidade nas vocações especificas, o dialogo ecumênico, o judaísmo e o dialogo inter-religioso. Trata da riqueza da piedade popular católica, uma espiritualidade trinitária, cristocêntrica e mariana comunitária e missionária. Cuida dos processos formativos, os critérios e os lugares desta formação de acordo com os diversos fiéis, destaca a iniciação cristã, a catequese permanente e a formação pastoral. Acentua nesta formação a revitalização da vida dos batizados, que retomem seu batismo e caminhem no seguimento de Jesus com perseverança.
        Já a terceira e ultima parte - a vida de Jesus Cristo para nossos povos - é rica em considerações sobre as principais ações pastorais voltadas para a missionariedade. O núcleo desta parte apresenta a missão dos discípulos e missionários a serviço da vida plena, considerando que Jesus comunica vida nova aos discípulos e nos chama para comunicar a missão, porque discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda.
        É nesta parte que se apresenta a opção da Conferencia de Aparecida: converter a Igreja naquilo que ela é, em sua essência, uma comunidade missionária. Para que isto aconteça é necessário promover a conversão pastoral e a renovação missionária das Igrejas Particulares, das comunidades eclesiais e dos organismos pastorais. O que se deseja é uma missão continental cujos agentes seriam as dioceses e os episcopados.
        A partir daí analisam-se alguns âmbitos e prioridades que se deve incentivar. O Reino de Deus, a promoção da dignidade humana, a opção preferencial pelos pobres e excluídos, a promoção da justiça e a solidariedade são também tratadas no oitavo capitulo. Trata ainda o texto, nesta parte, da Família, pessoas e vida, pede a promoção de uma cultura do amor no matrimônio e na família e uma cultura do respeito à vida na sociedade. Fala do acompanhamento pastoral da criança, do jovem, do idoso, de mulheres e homens, do incentivo para o cuidado do meio ambiente.
        No capitulo final - Nossos povos e a cultura - dá continuidade e atualiza Puebla e Santo Domingo pela evangelização da cultura e a evangelização inculturada.
        Cuida também dos desafios pastorais da educação cristã e da comunicação, da pastoral urbana, o grande desafio de nossa época, a questão dos cristãos leigos e a sua presença na vida publica, principalmente na política, os povos indígenas e os afro-descendentes, e ainda a ação evangelizadora que mostra caminhos de reconciliação, fraternidade e integração entre os povos do continente.
        Finalmente diz: “Levemos nosso navios mar adentro, com o poderoso sopro do Espírito Santo, sem medo das tormentas, seguros de que a Providência de Deus nos proporcionará grandes surpresas” (551).
        Conclui invocando a Virgem Maria que nos guia e nos aconselha fixar os olhos em Jesus Cristo, autor e consumador da fé, dizendo: “Fica conosco, pois cai a tarde e o dia já declina” (Lc 24, 29).

Mirian Nilvea Cantoni Berardo - Arquidiocese de Fraca-SP