«O dia seguinte» (sobre o uso de células-tronco embionárias em pesquisas)

O voto do Ministro Britto calca-se em que o embrião resultante da relação sexual não é o embrião resultante da fecundação in vitro.
O primeiro é início da vida, mas a vida só acontece com o nascimento, registrado em cartório. O segundo vida não é.

Ora, o raciocínio equivoca-se, em muito, por definir o conteúdo, pelo continente. Com efeito, o fundamento, o conteúdo, é a fecundação. Se aconteceu, fruto de relação sexual, no quarto, na sala, ou no banheiro, ou se se deu em laboratório, o lugar onde aconteceu a fecundação é, por óbvio, irrelevante. A fecundação é que gera a vida.

Aliás, e muito a propósito, disse o jornalista Élio Gaspari: "Achar que só há vida depois que ela é reconhecida em cartório ou autenticada pela OAB equivale a regredir ao período em que o cérebro do nosso macaco mal sabia comandar as pernas".

Tornando aos dias de hoje, e eis que a imprensa escrita brasileira, em decisiva matéria sobre o assunto, documenta a existência do menino Vinícius, de seis meses, embrião congelado por oito anos, destacada a frase de sua mãe, Maria Roseli, a dizer: "Imagine se eu tivesse doado o embrião para a pesquisa".

É a comprovação clara do que a professora Alice Teixeira asseverou na audiência pública - no que não foi contestada até hoje - no sentido de que há no mundo, especificamente nos Estados Unidos, pessoas, embriões congelados por 7, 9 e até 13 anos.

No Brasil, a Professora Alice Teixeira apontou o caso de Alissa, embrião congelado por 6 anos. Por certo, inúmeras são as pessoas, embriões congelados por vários anos.

Tais fatos, tão inequívocos, constatam que o prazo único de 3 anos, posto no artigo 5º da lei de biossegurança, após o que autorizada estava a pesquisa com embriões, é prazo aleatório, destituído de qualquer fundamento científico sério.

O princípio constitucional, que consagra como direito individual fundamental a inviolabilidade da vida humana, queda inexoravelmente comprometido a permitir-se permaneça a eliminação do embrião humano, para qualquer fim.

Inviolabilidade da vida humana significa destacar e colocar em patamar supremo a existência do ser humano.

Como manter-se pesquisa cujo objeto é embriões humanos congelados se, quando descongelados e implantados no útero materno, vivem?

Se há os que morrem, há os que vivem.

Aí estão Alissa, Vinícius, e tantos mais.

O princípio da inviolabilidade da vida humana não se define por estatísticas.

Demonstrado, e provado, como está, e por forma inequívoca, que o embrião congelado, por mais de 3 anos, vive, a norma jurídica, que autoriza sua eliminação para pesquisa, é flagrantemente inconstitucional.

Há, ainda, outro aspecto a considerar.

Tantos são os casais que buscam a adoção de filhos. Permanecem em filas de angústia.

O governo brasileiro, se realmente quiser realizar política séria em defesa da vida - vez que permanece omisso na criação de centros públicos de coleta e preservação do cordão umbilical, para que não se tenha que pagar ao particular a preservação desta célula adulta, que é o próprio cordão umbilical dotado de pluripotência no combate às doenças degenerativas -, por que não incrementa política nacional de adoção de embriões congelados, desde que assim autorizados por seus pais?

A mãe adotiva, inclusive, assim há de experimentar o momento magnífico da gestação e da amamentação.

A sucessão dos fatos está a demonstrar a brutal incorreção, por onde quer que se considere, a pesquisa com células-tronco embrionárias.

O promotor Diaulas, fervoroso defensor das pesquisas com células tronco embrionárias, indispondo-se contra lei local que incentiva a doação de órgãos post-mortem - e a doação dos órgãos é atitude a se aplaudir sempre pelo que significa de gesto concreto e eficaz de solidariedade humana - é textual: "O desenvolvimento da ciência fez surgir a expectativa de um direito fundamental à imortalidade".

Por certo, o promotor Diaulas encanta-se com o romance: "O retrato de Dorian Gray". Opções literárias não se discutem, havemos de respeitá-las...

Já que estamos, no dia seguinte, em frases de arroubo e encantamento, o Ministro Britto brinda-nos com a proclamação: "Chega de Trevas", emoldurada por gesto largo seu, mãos abertas, olhos ao céu a pedir luz. Ocorreu-me a passagem do Gênesis quando o próprio Deus, prescindindo da linguagem gestual, disse simplesmente: "Faça-se a luz".

A terminar, reparo à monótona, de tão repetida, afirmação de que com a ação, que ajuizei, comprometida está a laicidade do Estado brasileiro.

Estado laico não é o que abole as convicções religiosas para consagrar o ateísmo, como opção única. Estado laico, porque democrático e plural, é o que garante a convivência pacífica e respeitosa dos que professam os mais variados credos, inclusive os que credo não têm.

Definitivo é Gomes Canotilho, constitucionalista emérito: "Para além dos momentos emocionais que o laicismo republicano transporta pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios: secularização do poder político, neutralidade do Estado perante as Igrejas e liberdade de consciência, religião e culto".


Artigo escrito por Claudio Fonteles - Professor e Subprocurador Geral da República. Fonteles foi o autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 3510 que questiona a autorização de pesquisas com células-tronco embrionárias prevista no artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/95).


FONTES:

1 - ADITAL, Portal de Notícias de Ameriaca Latina e Caribe (http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=32082);

2 - Para mais informações sobe o julgamento da ADI nº. 3510, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, consulte a sessão “Notícias” (coluna à esquerda), em nossa página na internet.