Há alternativas? O Império e o pensar crítico

Um dos grandes desafios na luta contra por um "outro mundo possível" é superar a idéia disseminada de que após a derrocada do bloco socialista não há alternativas ao atual modelo capitalista de globalização. Para os ideólogos do sistema e os grandes meios de comunicação o atual processo de globalização se impõe de um modo imperial, sem possibilidade de resistência e sem nenhuma alternativa.

Os que propagam a tese de que "não há alternativas" reconhecem, ao defenderem essa posição, que há sim possibilidade de se pensar e/ou propor alternativas. Se realmente não houvesse essa possibilidade, a luta ideológica em torno desse assunto não teria nenhum sentido. Eles, por exemplo, não defendem teses do tipo "a terra gira em torno do sol" porque isto é considerado óbvio (apesar de que os olhos não enxergam isto) e não há razão para uma discussão científica ou ideológica em torno desse assunto. Ao entrar nessa discussão sobre alternativas, eles admitem implicitamente que não há ainda uma vitória definitiva da tese de que "não há alternativas".

A estratégia desses ideólogos do sistema é não entrar em debate sobre propostas ou grandes linhas das alternativas, pois isto seria admitir que há alternativas. Por isso, diante de qualquer grupo ou pessoa que critica a lógica central do atual sistema e propõe alguma alternativa viável, ou pelo menos discutível, eles os desqualificam como "jurássicos" ou como "ingênuos românticos". Eles admitem discutir somente questões pontuais que têm a ver com o gerenciamento do sistema. Por exemplo, o problema da corrupção dos governos e/ou de má gestão (políticas econômicas e sociais equivocadas ou ineficiência dos aparelhos do Estado) dos recursos escassos dos países chamados "em desenvolvimento". Em outras palavras, há alternativas no processo de gerenciamento do sistema, mas não ao sistema como um todo.

A razão de não haver alternativa sistêmica seria, em última análise, decorrente do fato de que a história já está escrita; seja "pelas estrelas", pelas leis da evolução do universo, pelas leis da história, ou pela vontade divina, ...ou por alguma outra teoria em moda.

Esta luta teórico-ideológica tem, pelo menos, dois níveis: a) o nível mais aparente que é o da formulação das afirmações e/ou argumentações como "não há alternativas" ou "um outro mundo é possível"; b) um outro mais profundo que tem a ver com a forma de pensar que subjaz a essas argumentações. Eu penso que essa distinção é importante para não lutarmos de uma forma que as conseqüências sejam contrárias às nossas boas intenções. Afinal, todas ações humanas produzem efeitos intencionais (os que estão de acordo com as intenções que levaram à ação) e os efeitos não-intencionais (que não estavam nas intenções originais e que podem ser bons/positivos ou maus/negativos). Um das funções importantes das reflexões teóricas é exatamente tentar diminuir os efeitos não-intencionais negativos das nossas ações. Se os efeitos não-intencionais negativos não ocorressem, as reflexões e os debates teóricos seriam desnecessários; as boas intenções seriam suficientes para garantir os bons resultados.

Voltando aos dois níveis na luta ideológica, eu penso que a existência de grupos em todo mundo que continuam afirmando que "um outro mundo é possível" nos mostra que a batalha no primeiro nível continua firme. Mas, isto não garante uma boa batalha no nível do modo do pensar. A única forma de luta contra o modo de pensar que o sistema dominante quer impor sobre o mundo ("não há alternativas" e a desqualificação dos que pensam diferente) é o desenvolvimento e a disseminação do pensamento crítico, um pensamento que não aceita nenhuma "verdade" como definitivo e nenhum juízo de valor (bem e o mal) como absoluto ou como aplicável para todos, independente das condições concretas em que se dá o acontecimento ou a relação. Um modo de pensar que não desqualifica em completo o pensamento do outro (seja ou não adversário ou inimigo) e muito menos usa a desqualificação do adversário como argumento para criticar a sua idéia.

Se não desenvolvermos o espírito crítico e simplesmente desqualificarmos os capitalistas e os seus ideólogos ou os que discordam das nossas estratégias de luta, podemos continuar afirmando que um outro mundo é possível, mas estaremos imitando os ideólogos do sistema e negando a nossa tese fundamental de que na vida há sempre diversos caminhos possíveis, que sempre é possível um modo diferente de viver e organizar a sociedade. Poderemos ganhar posições nas batalhas que ocorrem no primeiro nível, mas estaremos perdendo no nível mais importante, o do modo de pensar.

Além disso, se as nossas críticas às situações concretas dos nossos países apontarem somente para o problema do "gerenciamento" (a ineficiência, a corrupção, a má-vontade, a obsessão dos governantes com a reeleição ou perpetuação no poder, etc...), como muitas vezes acabamos fazendo por causa das nossas raivas ou frustrações com os nossos governantes, estaremos - mesmo que não intencionalmente - reafirmando a tese de que o problema fundamental não está no sistema, de que não é preciso mudar o atual sistema. Por outro lado, criticar somente o sistema capitalista atual, sem criticar os políticos e também os capitalistas (agentes de ações intencionais), reforça também o modo de pensar que o sistema quer nos impor. Pois afirmaremos, mesmo sem querer, que a história seria resultado só de ações impessoais dos sistemas e que lutas sociais e políticas não fazem diferenças na história. As nossas críticas e lutas precisam sempre articular estes dois pólos: a lógica e a dinâmica do sistema e as ações sócio-políticas que se dão no interior desse sistema.

Na luta contra o atual Império global, a capacidade de pensar de modo crítico (e autocrítico) e complexo (que articula os diversos aspectos da realidade) é um instrumento fundamental para afirmar que há sim alternativas e que um outro mundo mais humano e justo é desejável e possível.

Jung Mo Sung é professor de pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo