Tá certo! \"amo muito tudo isso\" também... Mas você está me parecendo mais um típico burguês... Não foi isso o combinado...
rs
Não tenho indignação nenhuma, nem inquietudes maiores. Levo uma vida bastante plana, tranquila, sem maiores assombros e alvoroços. Talvez, num mundo de tanto novidadismo, em que só vale o presenteísmo nu e cru, ter a ousadia de afirmar o absolutamente normal e corriqueiro seja uma absoluta inquietude.
Sou homem de uma mulher só, do meu trabalho, de minha família, de poucos amigos, do despertar às 6.00 da manhã... Gosto de ritmo, de calmaria, de pouca pressa e muitas preces, de contemplar o sol avermelhado do sertão, de escutar o gorjeio e o chilrear dos pássaros na algarobeira do pátio. Sou temente a Deus, e a coisa que mais amo é a Missa dominical. No mais, cascão de queijo e doce de leite lambido no dedo. E ainda: descobri que também é possível ser feliz para além de 68, para além dos imperativos categóricos e dos determinismos históricos.
Agora sim o Mural voltou a ter vida novamente...
Era por volta das quatro horas da tarde quando a velha camionete Ford F-350/1960, estacionou diante da casa de dona Inácia, trazendo uma encomenda inesperada. Se recordo bem, era uma quarta-feira. Malaquia, o motorista do veículo, seguiu direto até a cozinha, com o embrulho debaixo do braço, e o entregou à comadre.
Malaquia era um negro alto, magro, espandongado e calvo. Ganhava a vida transportando passageiros na carroceria de madeira da velha camionete azul. Ao vê-lo chegar naquela tarde com o estranho pacote, Inácia tomou um susto. Teria ocorrido algo de grave com o filho?
Ansiosa, Inácia abriu o embrulho. Envolto em um tecido de cambraia, havia um rosário, com contas grandes e vermelhas, que Francisco, seu filho, mandara de Goiás, onde morava havia mais de uma década. Preso ao papel do embrulho, Inácia encontrou um bilhete manuscrito, dobrado em quatro partes:
“Mãe, faz tempo que não mando notícias, mas as ocupações dessa vida acabam roubando nosso tempo. Sinto muita saudade de vocês. Penso na senhora e nos manos todos os dias, mesmo agora, depois de tanto tempo. Mercedes manda lembranças. Os meninos também. Estou mandando, de presente, um corte de tecido e um terço bento que comprei em Aparecida. Beijos. Sua benção, mãe. Que Nossa Senhora lhe guarde.”
Depois de ler a carta, Inácia foi até o quarto e guardou delicadamente o embrulho na gaveta menor do camiseiro. Na cabeceira da cama havia um quadro com a foto do esposo falecido, Sebastião. Inácia olhou para a imagem do marido e, apertando o porta-retrato contra o peito, com um fio de voz, rogou a Deus pela saúde do filho ausente. Que mãe não sente a falta do filho? Que mãe não daria tudo para tê-lo de novo por perto? De pé, diante da janela do quarto, Inácia pôs-se admirar o cenário acinzentado que se descortinava diante de seus olhos: sertão seco, sem chuva, como a procurar a silueta do filho no horizonte. No rádio, a canção de velho Gonzaga, alimentando ainda mais a saudade:
“De manhã muito cedin
Vi meu mano levantar
Acender o candeeiro
Começou a se arrumar
Me dizendo bem baixin
Mano eu vou viajar
Tu toma conta de mãe
Diz pra ela não chorar
E lá da curva da estrada
Eu vi meu mano acenar
Adeus mano, adeus mano ai ai
Adeus mano, a benção mãe ai ai
Virgem Maria mãe do senhor
Tudo morreu, tudo murchou
Peço por Deus
Paz no sertão
Traz meu irmão
Acaba esse horror
Não quero ouvir nunca mais,
O mano outra vez gritar
Adeus mano, adeus mano ai ai
Adeus mano, a benção mãe ai ai
Quantas saudades de Severino! Muitas vezes leio e relei-o a sua carta, destinada a quem interessar possa, procuro entender o seu íntimo, mas não consigo. Talvez seja por causa do meu egoismo, queria Severino aqui, pertinho de todos. É tanto que não consigo entender o seu exílio.
Contudo, desejo que ele consiga chegar aonde os seus sonhos o levarem.
Sinceramente.
A noite ameaçou cair com violência sobre a alma de Severino.
Mas este, como diria o velho Euclides, é antes de tudo um forte.
Urgia acreditar no amanhã.
Madrugada adentro Severino esperou, esperou e esperou.
O sol havia de chegar, como de costume.
A esperança haveria de brilhar, trazendo o riso, a vitória, o fim do engasgo.
Severino não podia hesitar, apesar dos seus medos, apesar dos ataques, apesar das mentiras. Precisava ser forte.
Disseram que o amanhã não viria. Que tudo estava perdido.
O pior da mentira é ser capaz de iludir os bons. Severino sabia disso.
Mas, cumpria esperar, e esperar e esperar o sol chegar com seus raios de fogo.
Com a alma em chamas, sentado sobre uma pedra à beira da estrada escura, Severino fitou o horizonte próximo, até avistar um facho de luz dançante no ponto mais longínquo da terra.
Tardaria a luz (que não vem) a chegar, antes que o breu tomasse de vez sua alma?
Cumpria ter esperança, e esperar e esperar e esperar.
Pobre Severino, quando os maus se unem para conjurar, maquinar, tramar contra o bem, uma coisa é certa: convém resistir e esperar e esperar e esperar a vitória (que em breve vem!).
Não se tratava de “fugir” simplesmente. O exílio foi uma tentativa de enxergar as coisas de outro modo. Por isso, Severino partiu seguro de que iria encontrar explicação para os seus mais intrincados anseios. Antes de voltar para casa, era preciso encontrar as chaves da porta que dá para dentro de si.
Sentado no alto do monte, Severino divisou a imensidão da paisagem e pensou como seria bom chegar logo ao seu destino – poder mergulhar no oceano escondido dentro de cada pessoa, calmamente aquietar-se à sombra de um marmeleiro e com a alma umedecida de esperança adormecer, sem receio de fantasmas antigos. E nesse dia, quem sabe, retornasse à terra natal, sereno e sublime, como uma assombração.
Exílio, como vocês sabem, é um lugar distante, longe daquilo que converte os pensamentos humanos em ruídos. O exílio de Severino foi um sonho que, infelizmente, não se completou. Severino foi morto no caminho antes de chegar ao pedaço de terra almejado. O que sobrou dos seus restos mortais transformou-se em lindas rosas brancas, que foram crescendo à beira da estrada. Ainda hoje há tropeiros que afirmam cruzar com uma figura solitária, perdida em seus próprios pensamentos, ou sentada no topo da colina, nas tardes quentes de primavera, antes do pôr do sol, com o olhar sumido no horizonte. Visitar aquele campo é sentir o cheiro dos sonhos de Severino e sentir saudade do que ainda não se viu, enquanto caminha-se entre belíssimos roseirais.
Tudo na vida tem um sentido. E um preço. Como Severino, há quem viva simplesmente para caminhar, sem saber se um dia vai alcançar o destino. De fato, razão assiste ao poeta: \"A instrução é um esforço admirável. Mas as coisas mais importantes da vida não se aprendem, encontram-se\".
A CARTA
“Penso que a hora chegou.
Parto para o exílio.
Deixo meu violão, as redes de pesca e os pés de arruda e alecrim.
Beijos e abraços.
Severino.”
A carta havia sido deixada sobre a mesa da sala. No envelope, a indicação singela: “A quem interessar possa”.
Li devagar cada frase. Depois pensei: e agora? O exílio é um lugar distante. Às vezes sem volta. Severino sabia disso. Se tudo ao redor era igual a ontem, se o mundo continuava o mesmo desde a criação - o mesmo peso da cruz, a mesma labuta - partir pra quê, afinal?
Severino, viver bastava. Ir pra onde, meu velho?
Acontece que a vida urge para quem vive com olhos cheios de amanhã. O estar aqui cansa. Logo, logo o presente se torna um sapato apertado; a vida - uma roupa velha surrada; e a felicidade, um oco.
Bom, o fato é que o sol ainda não havia despontado na linha do horizonte quando Severino partiu com o coração cheio de sonhos.
“Ite in pace”, Severino. Que o teu caminhar nos inspire a seguir os sonhos que tornam plena a vida dos homens.
A catequese de primeira eucaristia em todas as comunidades da paróquia será iniciada no dia 02 de abril, às 14h30 em Santo Antonio(matriz), Área Frei Damião(Alexandrino Rodrigues), São Francisco(Jd. Redenção), São José(Rua do Meio) e Nossa Senhora Aparecida(Bairro da Maternidade). Nas comunidades de Nossa Senhora das Neves(Bivar Olinto) e Nossa Senhora de Fátima(Campo Comprido) será nos domingos, às 9h. Até lá acontecem as inscrições na secretaria da paróquia e por ocasião das missas em todas as comunidades. Também estão abertas as inscrições para a Infância Missionária e para a catequese de adultos, acima de 12 anos, em vista do batismo na Vigília Pascal. Quanto à catequese crismal, para jovens com idade acima de 15 anos, será só no segundo semestre. As inscrições acontecerão durante o mês de junho nas comunidades e na secretaria da paróquia. (Setor de Catequese).
Ouviu-se um barulho estranho no apartamento ao lado. Uma espécie de riso ou fala esquisita. Quem seria àquela hora da noite? Com o ouvido encostado à parede do quarto tentei entender o que as vozes estranhas diziam. Em vão. Era mesmo incompreensível o som vindo do apartamento 102. O mais estranho é que ninguém havia mudado para aquele apartamento nos últimos dias. O local devia estar vazio. Na ponta dos dedos fui até a cozinha e usei o interfone para chamar a portaria:
- Seu Francisco, aqui é o morador do 101-A. O senhor poderia informar se há alguém ocupando o apartamento vizinho, o 102-A? Tem um barulho estranho, vindo da lá. Não consigo dormir com o barulho.
Silêncio no outro lado da linha...
- Seu Francisco, aqui é o...
- Já ouvi, estou procurando as chaves para subir até aí. Só um minuto.
Não demorou. Ouvi um som metálico vindo do corredor, alguém rolando as chaves na fechadura. Abri a porta um centímetro apenas, tentando disfarçar minha curiosidade. Era o zelador. Havia entrado no apartamento 102. Silêncio nos apartamentos vizinhos. A cidade inteira parecia dormir. Em pé, atrás da porta, eu me consumia de curiosidade. E o zelador que não retorna… Teria sido atacado lá dentro? Abri a porta mais alguns centímetros, numa atitude de coragem. Fui até o corredor: um passo após o outro... Um barulho vindo de 102. Era o zelador. Recuei rápido. Pontinha de pé. De novo no escuro do meu apartamento, voltei à espionagem. Quê? O homem saiu assoviando, semblante tranqüilo. Na certa não encontrou nada de estranho. Tanta preocupação à toa. Senti-me um tolo. De volta ao quarto, tratei de recuperar o sono. Mas, de novo o barulho estranho. Agora parecia que se arrastavam cadeiras. Espere... Uma voz de mulher, risos... Uma voz grave agora. Um homem. Espere, parece que escutam uma música. Passos. Estão dançando. Mas que música é essa. Ouvido colado à parede. Ela está cantarolando enquanto dança. Isso, estão dançando, os dois. Uma música... lá-lá-rá-lá. Vou chamar de novo a portaria. Tem algo acontecendo aqui. Espere. Um grito. Ela gritou. Ouço gritos de apuros. Não, não. Não são gritos, são risos. Meu Deus, o que está acontecendo, afinal? Merilyn. Ouvi alguém pronunciar esse nome. M-e-r-i-l-y-n. É a voz masculina. Parece o ganir de um cão. Um cão raivoso. M-e-r-i-l-y-n. M-e-r-i-l-y-n. Não há passos, não há música, somente a voz masculina. De novo o grito. Ahhhhhh. Um riso. Dois. Estão rindo. M-e-r-i-l-y-n. Novamente a música. E passos. M-e-r-i-l-y-n. Chega!! Vou chamar o síndico.
-Alô, Sr. Síndico, aqui é o morador do 101-A. Gostaria de fazer uma reclamação. O apartamento 102.
Antes que eu continuasse a frase, a voz do outro lado da linha gritou:
- Droga, vizinho. Eu sofro de insônia e o senhor me liga justo na hora que eu consigo finalmente pregar o olho. Passe bem. Boa noite.
Que m... E agora, o que eu faço?
- M-e-r-i-l-y-n, M-e-r-i-l-y-n...
- Ahhhhhh!!...
- M-e-r-i-l-y-n, M-e-r-i-l-y-n...
Melhor ligar a tv e ficar assistindo aos passes espirituais dos pastores daquela igreja... Como é mesmo o nome da igreja? M-e-r-i-l-y-n... M-e-r-i-l-y-n.
Ai que saco...