Havia em certo país uma raça de gente diferente. Eram pequenos, franzinos e muito felizes. A boca e o nariz eram pouco desenvolvidos, quase sem utilidade. Tinham enormes olhos negros brilhantes e orelhas avantajadas. A pele era de um tecido fino e delicado, quase transluzente. Essas pessoas se comunicavam pelo toque. Era muito estranho porque, quando queriam “falar” (o significado das aspas vocês vão entender mais adiante) com alguém, elas tocavam as pontas dos dedos longos e finos nos dedos das outras pessoas – assim elas sabiam o que cada uma pensava e sentia. E como não se guiavam pelo cheiro, mas apenas pelo toque da pele (quando se tocavam, havia como que uma troca de corrente elétrica entre os corpos) não tinha essa de evitar o abraço do próximo: todo mundo “tocava” todo mundo e as pessoas se deixavam tocar pelo “tu”.
Porém, um dia apareceu nesse país um homem estranho. Ele tinha boca e nariz desenvolvidos. Os olhos eram menores, e os dedos, curtos. A pele não transmitia nenhum pulso elétrico. As pessoas daquele país achavam estranho o visitante, porque ele produzia um som desconhecido quando movia os lábios e às vezes torcia o nariz quando se aproximava da gente do lugar. Um dia, esse homem começou a pregar uma doutrina diferente. Ele cruzava o país de um extremo a outro, ensinando às multidões coisas novas e realizando feitos sobrenaturais. Certa vez, ao fim da tarde, depois de uma longa viagem pelo interior do país, o homem subiu ao cume de um monte e, banhado pela luz crepuscular, começou a pregar. Na verdade, os habitantes do estranho país não entendiam direito o que o visitante dizia, elas davam mais atenção aos gestos, aos movimentos dos braços e à expressão dos olhos. Para a população daquele país, os olhos diziam muito a respeito de uma pessoa, eram o espelho da alma. Por isso, enquanto o estranho fazia seu ininteligível discurso, não era nas palavras que as pessoas se concentravam, mas no brilho dos olhos – e aquele homem em particular não tinha assim tanto brilho no olhar - e nas expressões corporais do orador. Quando o estranho terminava, as pessoas aplaudiam, não porque gostassem de ouvir aqueles sons malucos, mas porque achavam diferente a forma como o homem se contorcia ao falar e como erguia as mãos para o céu, como se elas apontassem o infinito acima das suas cabeças. O que havia lá em cima, afinal? Eles nunca fizeram a si mesmos essa pergunta. O que havia no céu? Existiriam serem semelhantes a eles, de olhos igualmente brilhantes e encantadores, além das estrelas? Então, curiosos, apontavam também para as nuvens, querendo saber do discursador o que existia de fato acima das suas grandes e pesadas cabeças. O homem, percebendo a reação da platéia, com o dedo riscava no céu linhas imaginárias, fazia desenhos invisíveis, erguia bem alto as mãos e depois espalhava os dedos como se fossem pétalas de uma rosa que desabrochava. Toda essa encenação encantava os ouvintes, que ficavam a imaginar como seria maravilhosa a vida lá em cima, depois das nuvens, no lugar desenhado pelo estranho pregador.
Dominadas pela curiosidade, as pessoas acorriam às praças por onde o pregador passava. E já eram milhares.
Então, um dia, o estranho resolveu ensinar à platéia a arte da comunicação através da fala. Era trabalhoso para ele expressar-se por meio de gestos, sem contar que os malabarismos corporais poderiam levar à graves equívocos de interpretação. Estava decidido. As pessoas precisavam aprender a falar, a usar os sons produzidos por suas laringes para expressar seus pensamentos. Nada mais de contatos físicos ou troca de descargas elétricas – a fala era agora a mais eficiente ferramenta para se fazer entender em público.
Demorou, mas o estranho finalmente conseguiu. Mudou as pessoas do país. Implantou a ditadura da fala. Nada mais de abraços longos e apertados nas praças. Batava mexer os lábios para transmitir o que ia pelo interior de cada um – ainda que nem toda palavra bastasse para expressar significativamente algo, como a saudade, por exemplo. Mas mesmo assim, convencionaram – bastava a fala. Os olhares, antes penetrantes, tornaram-se esguios e dissimulados. Em compensação, os discursos do grande orador eram agora entendidos pelas massas. Bom, muito bom, diziam. E além disso, havia quem quisesse se tornar também orador. Ótimo. A evolução da espécie.
Um belo dia, porém, o homem resolveu falar sobre o céu, sobre um reino que havia lá em cima, depois das nuvens, um reino onde jorrava leite e mel, onde tudo era perfeito e para onde iríamos um dia, se merecêssemos. Ele, o homem, havia aprendido quando criança que o céu era o lugar reservado para as pessoas boas, que amavam o próximo e detestavam o mal. E começou seu discurso dizendo justamente isso. E gesticulava, e abusava da eloqüência para falar de símbolos que transmitiam algo sobre o céu, e ia prá lá e pra cá, e gritava, e nada. Ou as pessoas não conseguiam apreender o significado abstrato do bem e do mal, ou ele não conseguia se fazer entender.
O fato é que as pessoas não se deixavam mais envolver pelo discurso. O motivo era palmar. As palavras não eram capazes de transmitir tudo a respeito de um dado objeto. O céu em seu mais profundo significado simplesmente não cabia em palavras. Amar, fazer o bem, afastar-se do mal, isso não era algo que se transmitisse apenas pelo verbo, assepticamente. Como ninguém mais sabia se comunicar através de abraços, como antes, todo o edifício construído em torno da comunicação verbal começava a ruir, porque a linguagem empregada não era capaz de conduzir as pessoas à experiência verdadeira do amor.
Percebendo o distanciamento estampado no olhar da platéia, o homem resolveu insistir, foi ao monte mais alto da cidade, elevou o tom da voz, e iniciou um novo discurso evocando os antigos símbolos daquela civilização transviada, numa tentativa de resgatar o lado lúdico que se havia extraviado ao longo da caminhada evolutiva da fala.
Foi então que o orador compreendeu que as pessoas estavam tristonhas, distantes umas das outras, solitárias. Algo se quebrara dentro delas, e embora não soubessem expressar articuladamente essa fissura, sentiam os efeitos nocivos da mudança, por exemplo no ofuscamento do olhar. E o homem, tristonho e infeliz pelo resultado de sua obra, entendeu que para certas realidades a palavra não convém e que há experiências que são compreendidas apenas pela ligação direta com o outro – pelo abraço, o afago, o chamego, a corrente elétrica. Fora desse espaço, certos ensinamentos se tornam irremediavelmente incompreensíveis. E percebendo isso, o homem partiu. E partiu para sempre, deixando para trás pessoas órfãs, inseguras, emocionalmente fragilizadas e agora apartadas de si mesmas.
Bom, meus amigos, qualquer coincidência com a nossa realidade é neura, porque não há ligação alguma com o presente vivido em nossa sociedade. Nem com os dogmas, claro (ouviu isso, Sinézio?). É só um conto. E ponto final.
* Texto gentilmente cedido por Nicodemos
\"Na verdade o que nós inquietos gostaríamos de fazer é da ordem do impossível. É por isso que somos tão na contra mão do mundo.\"
como disse bem o Jaramataia Pontual! Gosto dos inquietos porque não têm medo de falar, ou melhor, de escrever o que realmente pensam.
Como falou nossa amiga Renata e confirmou nosso amigo Gamaliel, ninguém nos vê na lida com \"esses nomes\", mas nós estamos lá. E não é há pouco tempo, é há muito tempo. Se você analizarem os textos, vocês vão perceber que sabemos de tudo que acontece na igreja, nas pastorais. Por que sabemos? Porque estamos lá sempre, em todos os momentos fortes da igreja, em todas as celebrações, em todos os domingos e dias santos.
Nós não somos daqueles que ficam em casa e só vão a igreja quando têm vontade; nós não somos daqueles que não vão à missa porque não simpatizam com o padre; nós não somos daqueles que não aguentam uma missa celebrada por padre tal; nós não somos daqueles que não vão à missa porque não gostam de fulano ou beltrano; nós não somos daqueles que mudam de paróquia por que o padre não vota no seu canditado político. Nós somos daqueles que vão à missa, as celebraçoes, que participam nas pastorais, que dão o dízimo, etc, por causa de Jesus.
E, justamente, pela causa de Jesus é que se inquietam e, por estarem lá, é que se sentem no direito de falar e, quem sabe, com a ajuda do Divino Espírito Santo, consigamos mudar alguma coisa, para melhor, na igreja, nas pastorais, nos movimentos, nos agentes/missionários.
Nós não aparecemos com \"esses nomes\" nas pastorais, justamente porque não gostamos de aparecer. E a nossa intenção é boa. A nossa fé é forte, pois se fosse fraca já teríamos corrido. Nós acreditamos até em milagres, pois esperamos um dia vê uma igreja diferente, uma igreja segundo o CV II.
Se vocês não sabiam, fiquem sabendo, queridos internautas: nós não estamos sozinhos aqui em Patos. O mundo está cheio de inquietos e nós queremos fazer com que esse grupo cresça cada vez mais.
Releiam o texto do amigo Jaramataia Pontual várias vezes, quem sabe, vocês vão descobrir a verdadeira essencia e veracidade do texto e da mensagem. E escrevam o que vocês pensam. Obrigada por vocês terem interagido conosco. E voltem a escrever o que vocês pensam. Isso pode ser um diálogo e o diálogo sempre leva a um resultado satisfatório.
Obrigada Senhor! Obrigada, por teres me ajudado a escrever esse pensamento. Não permita que eu seja injusta ou que eu me desvi do caminho que eu tomei, desde que tive o meu primeiro encontro contigo.
Avante! Inquietos! Avante! Deus está conosco.
Maria Marta Pé no Chão
OLÁ, ALZIRA!
A MUITO TEMPO QUE EU NÃO TINHA DADO NENHUM TIPO DE COLABORAÇÃO AO SITE, MAS AGORA PRETENDO NA MEDIDA DO POSSÍVEL COLABORAR.
ABRAÇO, FIQUE COM DEUS.
Padre Jerônimo fico feliz em saber que o senhor também colabora com este site. Sou sua paroquiana.
Quero pedir as minhas humildes desculpas aos nossos amigos do mural pelo desabafo do amigo Melhorança. Na verdade o que nós inquietos gostaríamos de fazer é da ordem do impossível. É por isso que somos tão na contra mão do mundo. Nós gostaríamos de amar o próximo sem perguntar onde mora, em que trabalha, de que família é, etc. Gostaríamos de viver a experiência da nossa fé sem pedir licença às religiões para celebrá-la. Gostaríamos de ser um com todos os irmãos sem distinção e hipocrisia. De agir conforme os verdadeiros valores de Cristo sem esperar um \"muito bem\" de ninguém. De estar na Igreja por causa da Boa Nova de Jesus e não por interesses culturais e sociais. De Escutar o Pe. Fábio de Melo pela sabedoria de suas palavras e não pela sua beleza e elegância. De enxergar os ministros da Igreja como lideranças inseridas na vida e na caminhada do povo e não como autoridades principescas. De poder testemunhar a humildade e a simplicidade de nossas Igrejas e não a opulência de nossas estruturas...
...Mas, tudo bem!! Eu confesso e assumo - nós inquietos estamos fora de lugar.
É bom poder descobrir pessoas que apostam no ativismo como forma de contribuir com a transformação do mundo. Agir pastoralmente, o que significa? Ir para reuniões? Discutir que tipo de camisetas se vai fazer? Falar para os outros do que se podia fazer para se estar mais presente? De que tipo de lida pastoral querem que participemos? Ora, queridos amigos, estamos muito mais na lida do que vocês podem imaginar - inclusive nessa lida estéril - ainda.
Melhoranças!
Renata, vc está coberta de razão. Adoro os inquietos. Adoro suas colocações bem elaboradas. Mas não os vejo na lida pastoral. Ou pelo menos não com esses nomes: Nicodemos, Jaramataia, Maria MArta, Sinézio. Quem serão eles, afinal? Parabéns e seja bem vinda Renata...
O que está acontecendo com os nossos amigos inquietos. Não vejo mais tanto entusiasmo nas palavras deles, o que houve com os textos e as discussões?
É amigos, parece que se cansaram de apenas lamentar! Espero que todo este silêncio seja proposital apenas para novas reflexões e que em breve vocês estejam de volta. Gosto de ouvir as opiniões de vocês, só espero que quando resolverem voltar, a gente possa contar com mais AÇÃO.
Já não era sem tempo a volta dos inquietos. Daqui do meu lugar inquieto, fiquei a esperar esse momento em que pudesse interagir, não a altura dos expoentes, com provocações e intuições tão interessantes.
Inquietos de volta à arena.
Assim se formavam os homens e as mulheres. Era a convivência, o dia a dia com os pais, os avós, os tios, primos... Eram as crianças, os adolescentes, os jovens vendo nos adultos.
Hoje, os homens de bem trazem sempre na memória aquilo que aprenderam com os pais e os avós. Não só \"a simpatia da cinza\" que o amigo Melhorança narrou no seu texto, mas muitos outros valores que, eu tenho certeza, até hoje ele carrega na sua bagagem como prumo para a sua caminhada.
Hoje os jovens não têm muitas lembraças da infância. Cadê a convivência, cadê a visita aos avós, cadê os bons costumes da família?
Acho que já escutei dezenas de vezes o Pe. Elias dizer que aprendeu a rezar com o pai dele, que toda tardinha se ajoelhavam para rezar o terço em família. Hoje qual o pai que faz isso com os filhos? Qual o filho que acompanha o pai na oração do terço?
As lembraças dos bons costumes em família é que faz com que os filhos continuem seguindo as mesmas trilhas, o mesmo percurso de moral e caracter orientado pelos pais.
Tenho até \"inveja\" do Sinézio Melhorança. Quantas lembranças boas ele carrega consigo. Sei como isso é bom, pois eu tenho poucas mas até hoje não esqueço das férias em Malta na casa da minha avó, ou em Condado na casa da minha tia. Nesse tempo, Condado tinha pomar e horta, onde a gente ia com a cestinha e trazia uma diversidade de frutas e verduras. O peixe chegava fresquinho, na casinha do peixe à beira do açude. Quanta saudade dos bons tempos!
Só pra contrariar: hoje, nem as avós querem ficar cuidado dos netos por um final de semana.
Os tempos mudaram! Os bons valores foram substituidos por a modernidade que leva ao individualismo: Deus por todos e cada um por si.
São por estes artigos e outros mais do Sinezio Melhorança que eu tenho muita admiração por ele. Êita caba bom!
Maria Marta Pé no Chão.